Gamificação do Ensino. Que Patifaria é (mais) essa?



Sou professor há 26 anos. Nesta pandemia, temos nos desdobrado entre as aulas on-line e o recebimento e a correção de atividades e tarefas virtuais que enviamos aos alunos. Os professores da rede pública do Estado de São Paulo, o que é o meu caso, têm ainda a obrigação de assistir, semanalmente, à reuniões pedagógicas de duas a três horas de duração, preparadas pelo Estado e transmitidas através do aplicativo Centro de Mídias, reuniões antes realizadas pelos coordenadores de cada escola.
São as chamadas - e famigeradas - ATPCs, as Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo, cujo objetivo oficial e declarado é o de dar suporte ao professor nesta nova realidade, trazer-lhe sugestões, propostas inovadoras e auxiliá-lo em sua prática docente em tempos de isolamento social. Balela. Conversa pra inglês ver e o boi dormir. Como tudo o que é oficial neste país. 
Nunca houve nada de útil numa ATPC. Nem quando eram realizadas nas escolas e muito menos agora. Pudera. Uma vez que elaboradas e conduzidas por burocratas da educação : ou teóricos de gabinete, que nunca empunharam um giz, ou ex-"professores", que, ineptos e incompetentes, nunca deram conta de seu serviço, de suas salas de aula, e que, puxando um saco aqui, lambendo um cu ali, conseguiram uma "boquinha", um carguinho em alguma Diretoria de Ensino. E que, longe das salas de aulas, empossados em suas sinecuras, pedantes do cu sujo, vêm botando banca de experts em educação, vêm posando de star, vêm querendo ensinar aos verdadeiros professores, aos que nunca desertaram do campo de batalha, o que nunca souberam : dar aulas. Desprezo profundamente todos os professores que ocupam hoje algum cargo ou função numa D.E. - Diretoria de Ensino.
Eu, que faço parte da área "Matemática e Ciências da Natureza", assisto às ATPCs sempre às quintas-feiras; sempre às quintas, a minha cota semanal de penitência; sempre às quintas, o meu quinto dos infernos. A cada semana é um desfile medonho de baboseiras, bobajadas e egos inflados de peidos. Muito blá-blá-blá e pouca mão na massa; muita peidagogia e nada de estudo e conteúdo. A cada semana, dois ou três paus mandados do Estado jogam os seus festivais de sandices para cima de nós, os seus sambas do crioulo doido. Na quinta-feira passada, no entanto, os calhordas babadores de ovo do Dória se superaram, surprenderam-me. Positivamente? Claro que não.
Até tirei um "print" (olha o Azarão nessa frescura) para provar o que logo direi, porque só a minha palavra, tenho certeza, não lhes seria suficiente para crerem. A grande contribuição dos canalhocratas da Educação do Estado de SP, o tema da ATPC da quinta passada foi :  "Jogos, atividades lúdicas e gamificação".
Jogos, atividades lúdicas e gamificação do ensino. Captaram o que é a tal da "gamificação"? Não? Aguardem. Não darei spoiler
Esta preciosa e inestimável sugestão peidagógica - notem - não está a ser direcionada para docentes do ensino infantil - maternal, jardim de infância, pré-primário, 1º e 2º anos do primeiro ciclo do ensino fundamental etc -, etapa do ensino em que ter uma parte de suas aulas - uma parte - tomada por este tipo de prática bem se justifica.
Nada disso. Os técnicos e peidagogos do Dória estão a propô-las para o Ensino Médio, o antigo e saudoso Colegial, para alunos que já estão com o pé mais na idade adulta que no berçário. Para alunos que estão prestes a se lançar ou ao mercado de trabalho, ou a um curso superior, ou mesmo às duas coisas. Alunos que têm de deixar os muros escolares sabendo algo de útil e prático. A vida extramuros escolares não está nem nunca esteve para brincadeira. Muito menos para o ludismo e a "gamificação".
Para quem ainda não relacionou, "gamificação" é um termo bastardo à nossa língua derivado de "game", jogo em inglês, mas hoje aplicado mais especificamente a jogos eletrônicos, de videogames. O sagrado conhecimento acadêmico e científico transformado em fliperama. É o que propõem os especialistas em educação deste nosso Brasil dantes mais varonil. O pior : tá cheio de "professor" por aí que aplaude a ideia.
Não é de hoje que esta patifaria vem sendo orquestrada. Há quase 30 anos que a licenciosa e esquerdista LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), junto ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), esta cartilha de formar bandido, vem transformando o que outrora era estudo em, literalmente, brincadeira de criança. Uma puta duma brincadeira de mau gosto.
O viés esquerdista impresso em cada linha da LDB, que só visa desestruturar toda e qualquer ordem, hierarquia e disciplina, implodir todo e qualquer respeito e valor moral, apregoa que a escola tem de ser um ambiente sempre alegre e festivo para o aluno, sob a pena de, se assim não o for, traumatizar o apedeuta, oprimir a pobre vítima de um sistema tirano em que ela tenha que... estudar.
A atual LDB transformou as escolas em centros de lazer, em colônias de férias. Alunos vão às escolas, hoje em dia, para comer, namorar, ouvir música, jogar baralho, fumar maconha etc. Tudo em nome de seus bem-estares, tudo em nome de serem bem acolhidos. Tudo com a chancela da LDB.
Estudar não é engraçado. Não é lúdico. É processo árduo; penoso, muitas vezes. E não é para qualquer um. Muito menos para todos. Várias vezes, alunos me perguntaram por que eu não dou uma aula "diferente", uma aula, dizem eles, em que "a gente aprenda brincando". Em repetidas e exaustivas ocasiões fui questionado quanto a isso. Minha resposta, assim como minha convicção neste assunto, é sempre invariável, pétrea, digo-lhes : "ninguém aprende brincando; alguns conseguem aprender estudando, botando a bunda na cadeira, os olhos no livro e a caneta na mão. E se tem algum professor que lhes disse isso, que é possível aprender brincando, é porque ele próprio está muito mais afim de também brincar do que de dar uma aula de verdade". Claro que o aluno leva isso ao(s) seu(s) lúdico(s) mestre(s). Já fiz muitas inimizades por conta disso. Tô cagando e lecionando.
Gamificação? Transformar a aula em um jogo de videogame? De professor, fui rebaixado (ou promovido, na visão destes escrotos) a quê? A Mário Bros? A Pac Man? A Donkey Kong? Sai o giz e entra o joystick? Bem sabemos onde e no de quem esse joystick vai entrar. O aluno, que antes suava pra passar de ano, vai agora o quê? Passar de fase?
Gamificação. Nem um nome em português, estes impostores e prevaricadores da Educação se dignaram a cunhar para a sua patifaria.
Não é à toa que, em todas as avaliações internacionais de ensino fundamental e médio, o Brasil figura sempre entre os últimos colocados. No último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o de 2018, prova realizada a cada três anos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), foram avaliados 600 mil estudantes, de 79 países. Em leitura, o brasileiro "conquistou" a 59ª colocação; em Ciências, a 67ª; e em Matemática, a 72ª.
Mas que sujeito chato é você, Azarão, que não acha nada engraçado. A educação brasileira, e mais ainda a paulista, está melhorando, está em franca recuperação, contestarão-me aqueles que ouviram boas novas sobre o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em começos da semana passada.
O caralho! Vos digo.
O Ideb é um indicador de qualidade do ensino fundamental e do ensino médio. A nota, que vai de 0 a 10, considera dois fatores: quantos alunos passam de ano e qual o desempenho deles em português e matemática. Sendo de fundamental importância frisar que as provas que avaliam tal desempenho não são elaboradas pelas escolas, mas sim por técnicos de educação do governo federal. O ensino médio do Estado de São Paulo "subiu" de 4,2, em 2017 e 2018, para os estratosféricos 4,6, em 2019; resultado que motivou tantas notícias e festa por parte do governo. Quatro vírgula seis numa escala de zero a dez. 
Ainda que o Ideb esteja de fato em ascenção, estará também num crescente o nível educacional dos alunos? Ora, retrucarão com certo estranhamento os que acreditam em tudo o que ouvem no Bom Dia São Paulo, uma coisa não é consequência da outra? Uma coisa, o resultado do Ideb, não está atrelada à outra, um melhor preparo do aluno? Deveriam estar. Porém, no Brasil da LDB paulofreirista, elas nunca estiveram tão divorciadas. Tão em litígio. Acredito até que haja um ordem de restrição judicial impedindo que se aproximem.
O Ideb cresce, alheio ao nível educacional cada vez mais baixo, por uma simples razão, por um simples e descarado artifício : embora de forma gradual, é clara e evidente a redução, ano a ano, do nível de dificuldade das provas elaboradas pelo governo, cujos resultados compõem o Ideb. O aluno não está a estudar mais - pelo contrário, cada vez mais preguiçoso e desrespeitoso -, são as provas governamentais aplicadas é que estão cada vez mais fáceis, ridículas.
O Tiririca gabaritaria numa dessas provas. Tiraria dez com louvor! E o adolescente paulista, o modernoso e conectado adolescente paulista, muitos dos quais não têm outra obrigação que não a escola, chega lá num quatrinho, num quatro e pouco. É o velho e safado ardil : o paciente continua com febre? Mudemos a escala do termômetro.
Mas está tudo certo. Daqui em diante, com a tecnologia dos games aplicada às nossas aula, tudo irá de vento em popa. O negócio é esse, mesmo. Vamos brincar, rir, festejar. Vamos gamificar a vida.
Enquanto isso, o chinesinho, o coreano, o japonês, estão lá, estudando 12 horas por dia. Só não fiquemos de choramingos se empresas e mais empresas continuarem a ser fechadas e empregos a serem perdidos em virtude da "desleal" concorrência oriental.
A valer a máxima de Monteiro Lobato, um país se faz com homens e livros, e ela vale, estamos fodidos. Sempre estivemos.

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