Uma Postura De Morte Diante Do Carnaval


"Quanta alegria, ó, quanta emoção..."




A mais absoluta comemoração da Carne se aproxima. Na verdade, a loucura toda que leva aos maiores rompantes já está sobre nós. Eu fico pensando na possibilidade de um mundo sem festas, sem barulho, sem comemorações. Apenas silêncio… Somente issoUm sonho de merda, eu sei… Vivemos todo ano dentro de um precipício e quem se lança para fora dele, quem não está nem aí para o zirigidum e a entrega do Ser aos carnais desvarios é visto como anormal, esquisito, estranho. Alguém como eu. Alguém como você. Alguém que eu conheço. Alguém que você conheça. Alguém que quer fugir de toda a insanidade desta festa inutilmente arcaica, ultrapassada e decadente. 


Há trinta anos atrás, alguém me disse:


"Eu vou sair no Carnaval e pegar todas! Vou passar a mão, tirar sarro e agarrar! Vou comer um monte de piranha por aí!" 


Há vinte anos atrás, alguém me disse:


"Carnaval só tem piranha, viado e maconheiro. Não quero mais saber dessa porra para mim, acabou. Nunca mais vou sair no Carnaval."


Hoje, alguém me diz:


"Cada um sabe de si, se uma pessoa se sente bem pulando Carnaval, bebendo e se drogando e fodendo com desconhecidos a granel, que seja livre para isso. Eu não tenho nada a ver com a vida dos outros, cada um que tome conta da própria vida. Só sei que isso nunca foi para mim, não nasci para ficar no meio do tumulto, suando e pulando como um maluco no meio da rua ou de um clube. 'Há coisas melhores', como diria certo amigo meu."


Esse alguém viveu três épocas diferentes em sua vida, períodos de transformações e perdas, vitórias e derrotas, sofrimentos e alegrias, dificuldades e fartura. Esse alguém sobreviveu e encontrava sempre no Carnaval um motivo para extravasar, esquecer de tudo o que não deu certo, durante quatro dias. Esse alguém vivia, em cada época carnavalesca, agitando bandeiras que nunca foram dele e imitando um comportamento que não nasceu para ter uma representação nele. Esse alguém amadureceu, percebeu a verdade da inutilidade de uma festa que apenas denota desespero e desejo de felicidade em todos que dela participam. Esse alguém nunca pegou mulher nenhuma no Carnaval, nem para beijo ou sequer um amasso em uma parede qualquer. Esse alguém nunca se divertiu dançando no meio de muitas pessoas, tentando ser um introvertido extrovertido em um meio naturalmente extrovertido. Esse alguém passou a pensar diferente, indo do radicalismo a uma moderação na opinião sobre o Carnaval, com o duro passar dos anos. Esse alguém tem agora 43 anos de idade. Esse alguém vive agora sozinho. Esse alguém sobrevive tentando ter forças para se erguer todo dia sem se entregar ao chão. Esse alguém fora da Internet tem um nome. Esse alguém dentro da Internet esquece o próprio nome. Esse alguém sou eu. 


Somente alguém que já caminhou no lixo carnavalesco sabe o quão insuportável é o cheiro que o mesmo carrega. Somente males o Carnaval me trouxe, foram experiências traumatizantes e cada uma delas me dotou de neuroses e problemas ainda mais graves. Se formos falar em termos de Espiritualidade, estarei fugindo demais do centro desta crônica. Mas, o título dela remete ao que Austin Osman Spare adotou em seu Sistema Mágicko e que, hoje, é praticado pelos seguidores da Magia Do Caos. É fácil para cada um de vocês encontrar uma explicação sobre a Postura De Morte pela Internet, principalmente em Português. Não quero me desviar do propósito desta crônica, que é apresentar a minha atitude hoje diante da mais absurda das festividades do mundo. E é algo que sugiro a quem puder compreender o que vou explicar. 


Vivemos nessa época muito sacudidos pelas sensações e vibrações advindas do culto carnavalesco ao que é material. Os homens e mulheres dentro desse culto, atrelados ao mesmo, seguem em marcha para os desregramentos vários aos quais voluntariamente se propõem. Mesmo que nós estejamos fora desse ritmo, nós que odiamos o Carnaval, somos indiretamente afetados pelo mesmo. Seus vizinhos, nossos vizinhos, põem no último volume para tocar os hits da época e, se você não tiver um bom aparelho para ouvir suas músicas ou um eficiente fone de ouvido, vai se irritar ou ter milhões de ideias de como matar todos os seus vizinhos chatos do caralho. Eu vivo isso dentro e fora do Carnaval e é horrível estar no meio de uma infernal cacofonia infinitamente perturbadora. Muitos lendo isto aqui devem passar pelo mesmo… Não dá vontade de sair decapitando todo mundo com uma espada de Hatori Hanzo ou baleando a partir do telhado cada um dos chatos do caralho com um rifle tendo um silenciador acoplado? 


Para evitar que eu enverede pelo caminho dos serial killers, eu me movo para dentro de mim e fico quieto. Através de um livro, de um filme, uma revista, um escrito, me tranco no meu quarto e esqueço da merda do mundo lá fora. Conscientemente, morro para as buscas que não são as minhas e me movo nessa postura adquirindo conhecimentos. Inconscientemente, ressuscito com um novo padrão de pensamento e passo a melhor compreender os motivos que levam meus vizinhos a serem como são. Todos estamos em estágios evolutivos bastante diferentes e é estupidez querer que todos sejam como nós, os esquisitões que não curtem barulho, festas, aglomerações e o famigerado (para nosso bom gosto) Carnaval. Alguns de vocês podem até tolerar a proximidade de habitação com essas pessoas, como eu faço morrendo para o que elas fazem e renascendo para o que eu sou. Ter ódio deles não leva a lugar algum e é preciso também entender as massas que se digladiam com as ruas ensandecidas brigando e brincando no Carnaval do mesmo modo como entendemos nossos vizinhos. Sem sair da minha postura, morto para o resto do mundo nesta época, recebo muito mais a partir de mim mesmo do que se ficasse remoendo um ódio eterno pelos excessivamente carnavalizados. Pode parecer para alguns um recurso simplista, mas humildade é algo que se opera quando se aceita ter a decisão de morrer para muitas das coisas que não apreciamos no mundo. Melhor do do meter uma bala na cabeça ou pular de uma ponte porque não suportamos mais a merda das vidas que nós temos. 


Recomendo esta minha Postura De Morte a todos. Trabalhem nela os interessados; continuem nela, com outros nomes, os que já conhecem essa prática. Quanto aos que gostam de Carnaval e pretendem sair para procurar diversões e inversões nele, caso a isto estejam lendo, continuem a ser o que são. O que é bom para mim não é bom para vocês. O que é bom para vocês não é bom para mim. E todo o fluxo do morrer e do viver, tanto em mim quanto em vocês, segue ativo e livre. 


Alimento o sonho, no entanto, de um mundo sem Carnaval. Será que daqui a mil anos ainda existirá essa festa sem nenhuma finalidade maior a não ser comemorar o vazio carnal? 


Inominável Ser 
UM INOMINÁVEL 
EREMITA
MORTO
PARA
O CARNAVAL


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Inomináveis Saudações, leitoras & leitores virtuais! 

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