DO BERÇO DO HERÓI À ROQUE SANTEIRO




[Texto da tag “Escritor Convidado*”, escrito por Blogue do Neófito, publicado originalmente em: http://bloguedoneofito.blogspot.com/2020/01/do-berco-do-heroi-roque-santeiro.html


“Tô certo ou tô errado?" - Sinhozinho Malta

A vida de noveleiro me deixou no ano de 2004 para nunca mais retornar. Na verdade, a TV aberta ficou quase totalmente no passado, em minha vida, mais ou menos neste mesmo período. As últimas telenovelas vistas de cabo a rabo foram: Da Cor do Pecado (das sete), onde torci pelo sucesso do casal Preta e Paco, e Celebridade (das nove), quando, de certa forma, tomei partido da "vilã" Laura (Cláudia Abreu), pois achei que, realmente, Lineu (Hugo Carvana) merecia morrer e a "mocinha" Maria Clara (Malu Mader) não passava de uma sonsa oportunista.


Aos dezesseis anos de idade, na banca de revistas Terceiro Mundo situada na Avenida Rio Branco de meu sublime torrão, vi exposto o livro O Bem-Amado de Dias Gomes, mencionado desde a capa como "farsa sócio-político-patológica em 9 quadros", em apenas um ato. Conhecia teatro lendo Ariano Suassuna e Skakespeare e o formato não foi novidade para mim. Contudo, Dias Gomes foi paixão à primeira leitura. Logo após, na mesma banca, comprei Sucupira: ame-a ou deixe-a, venturas e desventuras de Zeca Diabo e sua gente nas terra de Odorico, o Bem-Amado. No caso, tratam-se de roteiros escritos para a televisão e me surpreendi seduzido por aquela forma narrativa dinâmica. Depois, trouxe para casa a peça político-ideológica A Invasão e, mais de dez anos à frente, comprei O Berço do Herói.

Todos os livros são da Betrand Brasil, incorporada ao Grupo Editorial Record. Atualmente, em algumas pesquisas, verifico que continuam a publicar trabalhos do autor com novo trabalho gráfico. Gosto mais da primeira leva de capas. Talvez ainda garimpe por aí edições da primeira versão desta coleção para completá-la. Talvez... pois ando lendo mais "formato digital gratuito".

Recordo bem das notícias do falecimento ao autos em 1999, ao mandar o taxista acelerar para chegar logo à sua casa após ter jantando numa cantina italiana. Tragicamente, após a colisão, seu corpo foi arremessado pela porta aberta e comprimido entre o veículo e uma estrutura urbana. Para mim, ali, falecia um dos melhores autores de folhetins para TV, ao lado de Aguinaldo Silva, Benedito Ruy Barbosa, Gilberto Braga e Sílvio de Abreu. Diferente de todos os colegas autores mais badalados, Dias Gomes chamava atenção pelo estilo de vida radical chic, comendo caviar e arrotando comunismo, aproveitando seu trabalho para espalhar sua doutrina macabra com bastante bom humor. Ele foi realmente muito bom ao que se propôs. Fui noveleiro até o ano de 2004 e conhecer Dias Gomes, especialmente por Vale A Pena Ver de Novo, me fez colocá-lo no pódio dos melhores. E no pódio dos mais chatos, igualmente. Oportunista, exigiu retornar à frente de Roque Santeiro quando percebeu o sucesso da novela nas mãos de Aguinaldo Silva.



O fantástico em Dias Gomes sempre me pareceu plausível. Criança, morria de medo do Professor Astromar Junqueira que, ao som de Zé Ramalho, transformava-se em lobisomem. Eu era muito pequeno e mantenho essa memória. Utilizo programas televisivos como marcadores temporais para identificar dada fase passada de minha vida. Acompanhei integralmente seu derradeiro trabalho O Fim do Mundo, na verdade uma minissérie rotulada de telenovela para tapar buraco na programação. Em 2013, pudemos apreciar o onírico e o surreal no remake de Saramandaia. Mas Roque Santeiro, para mim, sempre será a melhor novela de todos os tempos, até porque não as vejo mais para tecer comparações. É um trabalho perfeito: enredo inteligente, cáustico e bem humorado, ótimas atuações, caracterizações inesquecíveis como Sinhozinho Malta e Viúva Porcina, ambientação, produção de arte, figurinos e trilha sonora.

Ao começar a ler Dias Gomes, descobri a origem de Roque Santeiro na peça O Berço do Herói. Nesta, Cabo Jorge é dado como morto em confronto direto com nazistas durante a guerra, tornando-se logo herói nacional, personagem constante em obras militares, nome em destacamento e, inclusive, sua cidade Natal passa-se a chamar... Município de Cabo Jorge. Após dez anos, anistiado de eventual crime militar, ele retorna como mero cagão, assassino de camponês italiano para assumir seu lugar e, assim, fugir do conflito. Descobre, então, que inventaram toda uma história lucrativa sobre si, a viúva que nunca fora sua esposa - Antonieta - e que o Major Chico Manga fora o mentor intelectual de quase todas essas bobagens. A vinda a público de seu retorno e a verdade sobre sua história levará a cidade à falência e o Exército ao ridículo. O que fazer? Dar cabo do Cabo, ora. Esse mote caiu em desgraça junto às Forças Armadas brasileiras, por debochar da instituição de heróis nacionais de coturno. Tanto é assim que a novela teve trinta e seis capítulos gravados na década de '70 e, por decisão do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), nunca foi ao ar. Numa escuta clandestina, arapongas do Governo flagraram Dias Gomes assumindo que Roque Santeiro seria O Berço do Herói com nova roupagem. Ao invés de desertor, Jorge (cujo nome agora seria Roque) se aproveitaria do saque de cangaceiros na cidade de Asa Branca para roubar o ostensório de ouro da igreja, capar a mula e começar nova vida a Europa. Mas ficou o mito que o santeiro local, na verdade, lutou e morreu contra os cangaceiros, protegendo a Igreja.

Em 1985 a trama pode, definitivamente, ser gravada para exibição. No elenco, mantiveram o insuperável Lima Duarte, também famoso, à época, pela interpretação de outro personagem icônico do escritor baiano: Zeca Diabo.

Achei bacana, neste momento, indicar livros do dramaturgo gauche caviar, ao mesmo tempo em que recordo minha fase noveleira, a qual tanta diversão me trouxe, da infância à adolescência.

Fico por aqui. Abraços televisivos e até a próxima.














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