Guerra Junqueiro: Fiel


 

F  I  E  L
Guerra Junqueiro

Um ano... Uma data... Um país paranoico...
No descalabro dos dias, o homem é bicho doente que se faz de sonso sobre o equilíbrio dos Reinos Animal, Vegetal, Mineral e da Água da Terra. No Brasil, recentemente a polícia fechou uma rinha onde bestas humanas colocavam cães para brigarem até à morte, para o deleite de imbecis.
Para o ano que (re)começa com novo número, trago uma reflexão profunda nas entranhas do poema FIEL, de Guerra Junqueiro (1850-1923), presente em A Musa em Férias (Idílios e Sátiras). Um poema que marcou minha infância. Assim como O Melro, marcou a minha juventude. No meu tempo de primário, era norma aula de leitura e de interpretação de texto e descrição de imagem. Os livros adotados eram antologias com obras de renomados autores brasileiros e portugueses. Práticas educacionais e culturais que, me parecem, foram abolidas das escolas nos dias de hoje...
Além da versão original (com alguma atualização ortográfica) do célebre poema de Guerra Junqueiro, publico duas traduções que encontrei na web: FIEL, realizada pelo escritor e tradutor espanhol Jose Carlos Fernández Romero, e  EL PERRO FIEL, sem crédito de tradução, que fui buscar no site do programa radiofônico argentino de cultura galega Con Vós, idealizado e conduzido por Ramón Suárez O Muxo.


                         

F I E L
Guerra Junqueiro

Na luz do seu olhar tão lânguido, tão doce,
Havia o que quer que fosse
D'um íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre cão vadio
Que não tinha coleira e não pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado ao frio,
Percorria de noite os bairros da miséria
À busca dum jantar.
E ao ver surgir da lua a palidez etérea,
O velho cão uivava uma canção funérea,
Triste como a tristeza oceânica do mar.
Quando a chuva era grande e o frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos portais;
E mandando-o partir, partia humildemente,
Com a resignação nos olhos virginais.
Era tranquilo e bom como as pombinhas mansas;
Nunca ladrou dum pobre à capa esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas crianças,
As crianças então corriam-no a pedrada.

Uma vez casualmente, um mísero pintor
Um boêmio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão;
O artista era uma alma heroica e desgraçada,
Vivendo numa escura e pobre água furtada,
Onde sobrava o gênio e onde faltava o pão.
Era desses que têm o rubro amor da glória,
O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto do hospital.

E ao ver por sobre o lodo o magro cão plebeu,
Disse-lhe: - "O teu destino é quase igual ao meu;
Eu sou como tu és, um proletário roto,
Sem família, sem mãe, sem casa, sem abrigo;
E quem sabe se em ti, ó velho cão de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro amigo!..."

No céu azul brilhava a lua etérea e calma;
E do rafeiro vil no misterioso olhar
Via-se o desespero e ânsia d'uma alma,
Que está encarcerada, e sem poder falar.
O artista soube ler naquele olhar em brasa
A eloquente mudez dum grande coração;
E disse-lhe: - "Fiel, partamos para casa:
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão."

E viveram depois assim por longos anos,
Companheiros leais, heroicos puritanos,
Dividindo igualmente as privações e as dores.
Quando o artista infeliz, exausto e miserável,
Sentia esmorecer o gênio inquebrantável
Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudia às vezes a lembrança
Partir com uma bala a derradeira esperança,
Pôr um ponto final no seu destino atroz;
Nesse instante do cão os olhos bons, serenos,
Murmuravam-lhe: - Eu sofro, e a gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém por nós.

Mas um dia a Fortuna, a deusa milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse alegremente:
"Um génio como tu, vivendo como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre corrente!
Eu devia fazer-te há muito esta surpresa,
Eu devia ter vindo aqui pra te buscar;
Mas moravas tão alto! E digo-o com franqueza
Custava-me subir até ao sexto andar.
Acompanha-me; a glória há de ajoelhar-te aos pés!..."
E foi; e ao outro dia as bocas das Frinés
Abriram para ele um riso encantador;
A glória deslumbrante iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida, nascida
A toques de clarim e a rufos de tambor!

Era feliz. O cão
Dormia na alcatifa à borda do seu leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe a mão,
Ganindo com um ar alegre e satisfeito.
Mas, ai! O dono ingrato, o ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos, em delícias,
Já pouco tolerava as festivas carícias
Do seu leal rafeiro.

Passou-se mais um tempo; o cão, o desgraçado,
Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e castigado
Pela simples razão de acompanhar seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do salão.
Meteram-no depois num frio quarto escuro,
E davam-lhe a jantar um osso branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes d'outro cão.

E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés:
Se se punha a ganir, chorando o seu destino,
Os criados brutais davam-lhe pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões obscenas,
Pousava-lhe no dorso o causticante enxame
Das moscas das gangrenas.

Até que um dia, enfim, sentindo-se morrer,
Disse "Não morrerei ainda sem o ver;
A seus pés quero dar meu último gemido..."
Meteu-se no quarto, assim como um bandido.
E o artista ao entrar viu o rafeiro imundo,
E bradou com violência:
"Ainda por aqui o sórdido animal!
É preciso acabar com tanta impertinência,
Que esta besta está podre, e vai cheirando mal!"
E, pousando-lhe a mão cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom amigo:
"Ó meu pobre Fiel, tão velho e tão doente,
Ainda que te custe anda daí comigo."

E partiram os dois. Tudo estava deserto.
A noite era sombria; o cais ficava perto;
E o velho condenado, o pobre lazarento,
Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um pressentimento
O fundo soluçar monótono das águas.

Compreendeu enfim! Tinha chegado à beira
Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lhe na coleira,
Friamente cantando uma canção d'amor.

E o rafeiro sublime, impassível, sereno,
Lançava o grande olhar às negras trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de Judas.
Dizia para si: "É o mesmo, pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua porta:
Morrerei, se lhe dou com isso algum prazer."

Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.

E ao recolher a casa ele exclamava irado:
"E por causa do cão perdi o meu tesouro!
Andava bem melhor se o tinha envenenado!
Maldito seja o cão! Dava montanhas d'oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objeto,
Doce recordação daquele amor tão puro."
E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta! Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,
Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
O gorro do pintor!


F I E L
Guerra Junqueiro
Traducción: Jose Carlos Fernández

En la luz de su mirada tan lánguida, tan dulce,
Había un no sé qué
De íntimo disgusto:
Era un perro ordinario, un pobre perro callejero
Que no tenía cólera ni pagaba impuesto.
Acostumbrado al viento y acostumbrado al frío,
De noche recorría barrios de miseria
Buscando qué cenar.
Y al ver surgir la etérea palidez de la luna,
El viejo can aullaba una canción funesta,
Triste como la tristeza oceánica del mar.
Cuando llovía demasiado y el frío era inclemente,
Iba a abrigarse a veces a los portales;
Y cuando se le mandaba irse, partía humildemente,
Con resignación en sus ojos virginales.
Era tranquilo y bueno como las mansas palomas;
Nunca ladró ni a un pobre con su capa en harapos:
Y, como no mordía a los mozalbetes temerosos,
Estos entonces, le corrían a pedradas.

Una vez, casualmente, un pintor miserable
Un bohemio, un soñador,
Encontró en la calle al perro solitario:
El artista era un alma heroica y desgraciada,
Viviendo en una oscura y mísera buhardilla,
Donde sobraba genio y faltaba pan.
Era uno de esos que aman la gloria con rojas llamaradas,
Este gran amor fatal,
Que unas veces conduce a la victoria fastuosa,
Y otras veces lleva al cuarto de hospital.

Y al ver, sobre el lodo a este esquelético can plebeyo,
Le dijo: - “Tu destino es semejante al mío:
Yo soy como tú, un proletario hecho pedazos,
Sin familia, sin madre, sin casa, sin abrigo;
¡Y quién sabe si hallaré en ti, oh perro viejo de cloaca,
A mi primer y verdadero amigo!…”

En el cielo azul brillaba una luz etérea y calma;
Y se veía en el perro vil, en sus ojos misteriosos,
La desesperación y el ansia de un alma,
Que está prisionera y no puede hablar.
El artista supo leer en las brasas de esa mirada
El elocuente silencio de un gran corazón;
Y le dijo así: “Fiel, vayamos para casa:
Tú eres mi amigo, y yo soy tu hermano.”

Y vivieron después así durante largos años,
Leales compañeros, heroicos puritanos,
Dividiendo por igual privaciones y dolores.
Cuando el artista infeliz, exhausto y miserable,
Sentía morir la llama del genio inquebrantable
De los fuertes luchadores;
Cuando, incluso acudía a su mente la idea
De quebrar con un disparo su ultérrima esperanza,
Poner un punto y final a su destino atroz;
En ese instante los ojos buenos, serenos del can,
Murmuraban: “Sufro, y la gente sufre menos,
Cuando se ve sufrir también a alguien por nosotros”

Mas un día, la Fortuna, diosa millonaria,
Entró en su cuarto, y dijo alegremente:
“¡Un genio como tú, viviendo como un paria,
Prisionero con la lúgubre cadena del hambre!
Yo debía haberte dado ya hace mucho esta sorpresa,
Yo debía haber venido aquí a buscarte;
¡Pero vivías tan en la altura! Y te lo digo con franqueza
Me costaba subir hasta el sexto piso.
Acompáñame; la gloria ha de arrodillarse a tus pies!…”
Y así fue: y al día siguiente las bocas de las Frinés
Para él abrieron su risa encantadora;
¡La gloria deslumbrante iluminó su vida
Como bella alborada espléndida, nacida
A toques de clarín y a redobles de tambor!

Era feliz. El perro
Dormía en la alfombra a los pies de su lecho,
Y venía, por la mañana, a besarle la mano,
Gimiendo con un aire alegre y satisfecho.
¡Pero hay! El dueño ingrato, el ingrato compañero,
Sumergido en pasiones, en gozos, en delicias,
Ya poco toleraba las festivas caricias
De su leal sabueso.

Fue pasando el tiempo; el perro, el desgraciado,
Ya viejo y abandonado,
Fue muchas veces golpeado y castigado
Por la simple y sola razón de ir tras su dueño.
Como andaba nauseabundo y se le cayera el pelo,
Finalmente, hasta el dueño sentía asco al verlo,
Y mandaba cerrarle la puerta del salón.
Le metieron después en un cuarto frío y oscuro,
Y le daban de cenar un hueso blanco y duro,
Cuya carne sirviese a los dientes de otro perro.

  Y era él como un andrajoso, abyecto asesino,
Condenado a un calabozo, a grilletes, a galeras:
Si comenzaba a gemir, llorando su destino,
Los criados, brutales, le daban puntapiés.
Corroyera su cuerpo la negra lepra infame.
Cuando al sol exhibía sus podredumbres obscenas,
Se le posaba en el lomo el cáustico enjambre
De las moscas de gangrenas.

Hasta que un día, al fin, sintiendo que moría,
Dijo: “No moriré aún sin verlo;
A sus pies quiero dar mi último gemido…”
Entró en su cuarto, como un bandido.
Y el artista al entrar vio al sabueso inmundo,
Y gritó, violentamente:
“¡Aún por aquí este sórdido animal!
Es preciso acabar con tanta impertinencia,
Que esta bestia está podrida, y ya huele mal!”
Y, posando en él la mano, cariñosamente,
 Le dijo, con aires de muy buen amigo:
“¡Oh, mi pobre Fiel, tan viejo y tan enfermo,
Aunque te cueste, ven aquí conmigo.”
 Y los dos salieron. Todo estaba desierto.
La noche era sombría; el muelle estaba cerca;
Y el viejo condenado, el pobre leproso,
Aquejado de dolores inmensos
Sintió, junto a sí, como un presentimiento
El hondo sollozo monótono del agua.
 ¡Comprendió al fin! Había llegado al borde
De la corriente. Y el pintor,
Agarrando una piedra la ató en su collar,
Fríamente, cantando una canción de amor.
Y el sabueso, sublime, impasible, sereno,
Miraba las negras sombras mudas 
Com aquella amargura ideal del Nazareno
Recibiendo en la faz el ósculo de Judas.
Se decía a sí mismo: “Es igual, poco importa.
Cumplir su deseo, ese es mi deber:
Fue él quien un día abrió su puerta:
Moriré, si con ello le doy algún placer”

Después, súbitamente,
Lanzó el artista al perro en las frías aguas.
Y al darle la patada cayó en la corriente
El gorro que traía,
Un nostálgico y adorado recuerdo
Otrora concedido
Por la criatura más gentil y caprichosa,
Que amara, como sólo una vez se ama en la vida.

Y al recogerse en casa, exclamó, furioso:
“¡Y a causa de este perro he perdido mi tesoro!
¡Bien mejor habría sido envenenarlo!
“¡Maldito sea el perro! Montes de oro daba,
Riqueza, gloria, vida, futuro daba,
Para volver a ver tan precioso objeto,
Dulce recuerdo de aquel amor tan puro.”
Y se acostó nervioso, alucinado, inquieto.
No podía dormir.
Hasta que al nacer la viva claridad de la mañana,
¡Sintió que a la puerta llamaban! Se levantó para abrir.
Retrocedió con espanto: era Fiel, el perro,
Que volvía jadeando, exánime, encharcado,
Trémulo y aullando en su último estertor,
Cayendo de su boca, al tumbarse fulminado,
El gorro del pintor!


EL PERRO FIEL
Guerra Junqueiro
Traducción: (?)

Avezado a los vientos y a las noches sin sueño,
recorría los viejos barrios de la miseria
en busca de yantar;
y, al surgir de la luna la palidez etérea,
el pobre perro aullaba una canción funérea,
triste, con las tristezas osiánicas del mar.

Si la lluvia era grande y el frío era inclemente,
tendíase a cobijo de los grandes portales;
y, si le hechaban de ellos, huía humildemente,
resignados y mustios sus ojos virginales.
Parecía nostálgico de unos vagos cariños;
nunca ladró a los pobres de capas desgarradas,
y, como jamás hizo ningún daño a los niños,
lo solían los niños perseguir a pedradas.

Una vez casualmente, un mísero pintor,
bohemio y soñador,
se encontró por las calles al miserable can;
el artista era un alma heroica y desgraciada,
que habitaba una obscura buhardilla ignorada,
donde sobraba el genio, donde faltaba el pan.

Un alma que tenía el amor de la gloria,
el gran amor fatal,
que unas veces nos lleva, radiante, a la victoria
y otras veces al cuarto sin luz de un hospital.
Y, al ver el magro aspecto del pobre can baldío,
le dijo: Tu destino casi es casi igual al mío;
yo soy, como tu eres, un proletario roto,
sin familia, sin madre, sin hogar, sin abrigo,
y quien sabe si en ti, mísero perro ignoto,
no acabo de encontrar a mi primer amigo!
Derramaba la luna su luminosa calma,
y del mísero can, el intenso mirar
daba a entender las ansias y la inquietud de un alma
que está encerrada y que quiere romper a hablar...
supo ver el artista, en los ojos de brasa
el mutismo elocuente de un corazón humano;
y le dijo así: -Fiel, vámonos hacia casa,
que tu serás mi amigo, desde hoy y yo tu hermano.

Cuando el artista, débil exhausto y miserable,
sentía vacilar el genio inquebrantable,
le decía su amigo de los ojos serenos:
- Yo sufro....y ya tu ves, la gente sufre menos
Si alguien sufre a su lado....
Mas la fortuna, un día, la diosa millonaria,
llegándose al artista le iluminó la vida
con su bella alborada espléndida, nacida
de toques de clarín y alardes de tambor.

Era feliz; su alano
dormía, en una alfombra, a los pies de su lecho;
y todas las mañanas le besaba la mano,
gruñendo con un aire tranquilo y satisfecho.
Mas, ¡ay! El dueño, ingrato, desleal compañero,
sumergido en un mar de goces y delicias,
ya soportaba mal las festivas caricias
de su leal cerbero.

Y pasó tiempo.... El perro, esto es, el desdichado
perdió la paz y el sueño,
viéndose muchas veces herido y castigado
por la simple razón de seguir a su dueño.

Enfermó.... perdió el pelo, las fuerzas la arrogancia....
Su dueño no podía verle sin repugnancia.
Y era como un infame, miserable asesino,
condenado a la cárcel y a galeras después;
si gruñía, llorando su mísero destino,
los lacayos brutales le daban puntapiés....

Hasta que, un día, en fin, sintiéndose morir,
Dijo:- "No moriré sin verle; quiero ir
a exhalar, a sus pies, el último gemido...."
Y, arrastrándose casi, exhausto y moribundo,
metiósele en el cuarto, lo mismo que un bandido.
Cuando el artista vió llegar al perro inmundo.
Le echó la mano al cuello muy cariñosamente,
y le dijo con el aire de un buen amigo:
-¡Pobrecito Fiel mío!....¡tan viejo y tan doliente!
ven, que te acostaré; sal del cuarto conmigo.-

Y salieron los dos; todo estaba desierto;
la noche era sombría, era enorme aquel huerto,
y el perro, andando del dueño en seguimiento,
vacilante y sombrío,
oía, no muy lejos, como un presentimiento,

el hondo sollozar monótono del río.

Y comprendió, por fin. Acaban de llegar
al agua; y el pintor,
agarrando una piedra, se la ató en el collar,
fríamente cantando una canción de amor.

Y el can, sublime entonces, impasible y sereno,
clavaba sus pupilas en las tinieblas mudas,
con aquella amargura ideal del Nazareno,
recibiendo, en la faz, el ósculo de Judas:
Y pensaba...."Es lo mismo....mi muerte va a ser cierta;
pero cumplir sus órdenes es mi único deber....
él me abrió aquella tarde la piedad de su puerta;
moriré, si le doy, con mi muerte, placer."
Luego, súbitamente,
el artista arrojó el perro al agua brava;
y, al darle un puntapié, cayóle en la corriente
la gorra que llevaba....
Era un dulce recuerdo de una hora de locura,
la memoria de un rapto de placer concedida
por la más caprichosa y gentil criatura
que él amó; como se ama sólo un día en la vida.

Y , volviendo a su casa, decía el hombre, airado:
"¡Por el maldito perro perder ese tesoro!....
¡Cuánto mejor sería haberle envenenado!
¡Maldito sea el perro!....Daría montes de oro,
la riqueza, la gloria, la existencia, el futuro,
para volver a ver aquel precioso objeto,
dulce recordación de aquel amor tan puro!"

Y acostóse nervioso, alucinado inquieto.
No podía dormir.

Apenas nace el día -¡extraño! - oye que dan,
en su puerta, unos golpes....se levanta y va a abrir;
retrocede espantado. Es Fiel, el pobre can,
que retorna, anhelante, exánime, enarcado,
a gruñir y a exhalar el último extertor,
soltando de los dientes, al caer fulminado,
la gorra del pintor


*
ilustrações de joba tridente.2019


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Ligares, Freixo de Espada à Cinta: 17.9.1850 – Lisboa: 7.7.1923) foi jornalista, advogado, político e escritor (de prosa e verso) português. Guerra Junqueiro, um dos mais populares e influentes escritores da sua geração, cuja obra impulsionou a implantação da República, é autor de: Viagem À Roda Da Parvónia, A Morte De D. João (1874), Contos para a Infância (1875), A Musa Em Férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Oração Ao Pão (1903), Oração À Luz (1904), Gritos da Alma (1912), Pátria (1915), Poesias Dispersas (1920).
Algumas obras de Guerra Junqueiro (em Domínio Público) estão disponibilizadas gratuitamente no Projeto Gutemberg e outros sites na web.

José Carlos Fernández Romero (1965) é escritor, pesquisador, articulista, dramaturgo (Florbela Espanca e Ibn Qasi, el rey iniciado del Algarbe), roteirista (La Córdoba Omeya e Romana, Simbolismo na pintura de Julio Romero de Torres e Simbolismo da arte tibetana), tradutor (obra completa de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa) espanhol. Foi colunistas de várias publicações, como Cuadernos de Cultura e Nova Acrópole, e atualmente colabora com a revista Sphinx, na Espanha; e dirige as revistas digitais Phoenix, ideias e cultura; Matemática para Filósofos e Pandava, em Portugal. José Carlos Fernández, que reside em Lisboa desde 2006, onde dirige as revistas Acrópole e Know yourself e a Associação Cultural Nova Acrópole é autor de Córdoba EternaEl viaje iniciático de Hipatia: la búsqueda del alma de los númerosFlorbela Espanca, la poetisa del amor: biografía y poemas completosEl esoterismo en Fernando Pessoa; Reyes, poetas y sabios de Portugal.



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