Crítica: Entre Facas e Segredos



ENTRE FACAS E SEGREDOS
por Joba Tridente 
publicada originalmente em Claque ou Claquete

Após a decepcionante versão de Kenneth Branagh para Assassinato no Expresso do Oriente, em 2017,  os fãs de filme de mistério já podem compensar a escorregada do britânico (que em 2020 lança a releitura de Morte no Nilo, já adaptada em 1978 por John Guillermin), com o divertido Entre Facas e Segredos (Knives Out, 2019) do americano Rian Johnson (Looper, Star Wars - Os Últimos Jedi).



A história acompanha as investigações do célebre detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), contratado anonimamente, para resolver as circunstâncias da morte (assassinato ou suicídio?) do famoso escritor de suspense Harlan Thrombey (Christopher Plummer), encontrado degolado, em sua mansão, na manhã seguinte à comemoração do seu 85.º aniversário. Harlan era um milionário cercado pelos filhos, noras e netos sanguessugas que ele sustentava de bom grado. Pelo menos é o que faz parecer a sua parentalha feliz com a mesada viciante. E quando se trata de aparência, os Thrombey, sejam eles descendentes e ou agregados, são mestres em causar boa impressão..., ou se safar tentando. Para o detetive da polícia, tenente Elliott (LaKeith Stanfield), a cena da morte do escritor sugere suicídio. Para o experiente Blanc, assim como o vazio no buraco da rosquinha, a cena da morte guarda alguns segredos que ele espera desvelar antes que o Testamento de Harlan apague os vestígios do suicídio (?) ou do assassinato (?). Quanto ao policial Trooper Wagner (Noah Segan), que é apaixonado por romances de mistério e acompanha eufórico os desdobramentos do caso, ele não vê a hora da intrincada trama (que imita a arte literária) fazer sentido e receber o ponto final de Benoit Blanc.


O interessante nessa trama de simplicidade enganosa e muito divertida em suas “reviravoltas”, escrita pelo próprio Johnson, é que, praticamente, desde o princípio, o espectador sabe (ou pensa que sabe) como ocorreu a morte de Harlan e vai ficar matutando se deixou escapar alguma gota do mistério, já que, se está (?) tudo esclarecido, Blanc insiste em encontrar a peça motivacional que falta no vazio da rosquinha. Será que o que foi mostrado não passa de uma farsa? Será que o ato mortal não é tão claro (mesmo que você tenha assistido à ação!) como parece e que o sangue da degola pode ter respingado em mais de um personagem? O que Blanc deixou escapar ao interrogar a filha de Harlan, a empresária Linda (Jamie Lee Curtis), o seu marido Richard (Don Johnson) e Ransom (Chris Evans), o filho playboy do casal? O detetive notou que o cabisbaixo Walter (Michael Shannon), o caçula que administra a editora do pai, a sua esposa Donna (Riki Lindhome) e o filho extremista Jacob (Jaeden Martell) se portam de modo suspeito? E quanto à falsidade em pessoa Joni (Toni Collette), nora de Harlan, e a sua inocente filha Meg (Katherine Langford), estão escondendo o jogo em troca de “migalhas”? Como o espectador poderá ver e ouvir, entre um questionamento e outro, é que todos parecem magoados com algum acontecimento ocorrido na festa de aniversário de Harlan, mas seriam eles capazes de um ato tão insano? Para ter todas as perguntas respondidas, o público vai ter de esperar o epílogo (real)..., logo após o que seria o ponto final definitivo!


Como é de praxe, a narrativa começa meio confusa, mas logo os nós vão sendo atados e quando menos se espera (mesmo!) o espectador já sabe “o” quem (matou), “o” como (morreu) e “o” porquê do tal crime. Bom, sabe mais ou menos. Pois, quando se trata de mistério, o melhor é não acreditar em soluções fáceis, já que nem tudo que se ouve ou se vê em cena tem a ver com o fio da meada que, quando menos desfiar, melhor para enredar. O elenco é brilhante, o roteiro uma delícia e a direção um primor. O script brinca com o farsesco sem apelar para a metalinguagem, assim como trata de questões de imigração, prisões e extremismo governamental (norte-americano?), sem qualquer teor de panfletagem: por isso é que funciona (subliminarmente?)!

Enfim, Entre Facas e Segredos não é um filme hilário, mas tem momentos de excelente humor, principalmente relacionado à Marta Cabrera (Ana de Armas), uma imigrante latina (sabe se lá de onde!) que serve tanto de assistente quanto de cuidadora de Harlan, além de peça-chave para Benoit Blanc destrinchar este imbróglio. Ah, fique atento para não perder uma impagável gag que reverencia um certo trono de uma famosa série de tv. Um espetáculo e tanto para se passar muito bem o tempo...


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

*  No Claque ou Claquete você encontra muitas resenhas atuais e antigas!

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