Beckett & Goethe



<Texto da Tag “Escritor Convidado”, escrito por: 
A Doutora>

- Ei, olha por onde anda!
- Me desculpe, estava distraída. Espere que eu te ajudo.
- Obrigada.
- "Esperando Godot". Também adoro Beckett.
- Não gosto. Só to lendo porque tenho uma prova.
- Ah. Em que período você está?
- Quarto. E você?
- Já me formei. Na verdade, estou indo no prédio da Administração buscar meu diploma.
- Eu estou indo para a biblioteca.
- Fica na mesma direção...
- É.

- Então, por que não gosta de Esperando Godot?
- É chato, lento e nada acontece. Ao tentar romper com o conflito dramático Beckett escreveu uma das coisas mais porres de todos os tempos.
- Mas foi proposital. A obra fala de comodismo, como podemos criar raízes esperando algo acontecer mas essa coisa nunca chegar. A esperança pode ser uma prisão, nesse caso simbolizada pela Criança...
- Chaaaaaaatooooooooo.
- Ok, ok. Se não gosta de Beckett, então gosta de quê?
- Pizza.
- Me referia a literatura.
- Eu sei.
- Como você se chama?
- Você trabalha para o Censo?
- Desculpe, só to puxando papo.
- Eu sei. Só to pegando no seu pé. Minha vibe é mais os clássicos. Não curto essa bobagem modernista pseudo-intelectual. Shakespeare é muito bom. Embora prefira mais a angústia existencialista de Goethe. Que foi? Do que tá rindo?
- Me lembrei de uma anedota. Sobre Shakespeare.
- Me conta?
- Ah, é uma sobre se o protagonista de Hamlet fosse o Otelo e o protagonista de Otelo fosse Hamlet, não teria tragédia e todo mundo teria saído vivo.
- Porque a tragédia de Hamlet é que ele demora demais para agir enquanto a de Otelo é por ele agir rápido demais. Gostei.
- Bom, chegamos à biblioteca. Boa sorte na sua prova.
- Obrigada. Boa sorte com seu diploma. E sabe, foi uma boa sacada a analogia da Criança com a esperança. Talvez eu use isso na prova.
- Acho que compensei bem o esbarrão, então.
- É. (...) Ei, Beckett!
- Hum?
- Oito e meia é o horário do intervalo, e eles servem uma pizza bem mediana na praça de alimentação. Se puder, o que acha de dar uma passada lá?
- Tá. Legal. Vou sim.
- Te vejo em duas horas, Beckett.
- Te vejo em duas horas, Goethe.

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