Resenha - Depois do Homem: Uma Zoologia do Futuro



<Texto da Tag “Escritor Convidado”, escrito por: RiptorBR>

Havia um tempo em que a geografia do mundo era apenas uma grande massa de terra,e por consequência disso,era um mundo que compartilhava muito em comum independente do ponto que você fosse. Mas o até único continente começou a se separar,formando assim outros continentes,e com isso,novas possibilidades para o mundo moldar seus moradores,e isso também vale para quando ele se colidir outra vez. Adapte ou Morra: pode parecer injusto,mas é a ordem natural das coisas (quando elas acontecem corretamente).


Mas,porque não imaginar os rumos de algo que parece imprevisível de saber? Bom,você pode errar,mas no fundo,quem sabe isso não seja uma possibilidade?


E é com isso em mente que o geólogo/paleontólogo escocês Dougal Dixon criou,em 1981,sua obra primordial: After Man: A Zoology of the Future (Depois do Homem: Uma Zoologia do Futuro,em tradução livre),que é talvez,até o momento,a mais completa elaboração de um mundo imaginário que tenta,ao menos,seguir certa veracidade científica (biológica,climática,física,geológica...) mas sem subjugar a criatividade e o fantástico de uma racionalidade fechada,o que originou todo um segmento,chamado hoje de zoologia especulativa.

Mas,o que é zoologia especulativa? Em resumo,é o equivalente biológico do gênero de ficção alternativa -algo que com certeza você já viu em livros,filmes,séries & em games,onde eles te mostram possibilidades do que aconteceria se,por exemplo,a Alemanha tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial. Pode parecer um pouco difícil fazer no entanto isso em um cenário que você é "preso" a não fugir da lógica como é a ciência,mas alguns biólogos não tiveram medo de se divertir imaginando como seria a vida no futuro. E Dixon (um geólogo que ao longo das décadas),contribuiu com livros para crianças e para enciclopédias infantis,foi particularmente influente (e pioneiro porque não) nesse gênero com After Man.



O conceito do livro é simples: e se o milagre que o planeta espera acontecesse (no caso,se os humanos fossem extintos) e,logo após,viajássemos 50 milhões de anos para o futuro? Como seria a vida sem nossa interferência? E com isso em mente,Dixon construiu meticulosamente uma versão futura do nosso mundo,onde os continentes continuaram à deriva: o Mar Mediterrâneo se fechou,a Austrália colidiu com a Ásia e a América do Sul se desconectou novamente da América do Norte,e como diria o sábio,a vida continuou evoluindo,porque a vida sempre encontra um meio.
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E com um planeta tão mudado,obviamente grande parte da fauna dominante de nosso tempo (muitas dessas já ameaçadas quando este livro foi lançado),já foram extintas,e Dixon imagina um mundo onde ratos e coelhos,entre outros,explodiram em diversidade e tomaram conta de grandes extensões do mundo.


E cinquenta milhões de anos é obviamente muito tempo,então não temos apenas coelhos e ratos,claro: ao levar o leitor através dos principais biomas da Terra do futuro (ao longo de 128 páginas),Dixon nos apresenta por exemplo coelhos que evoluíram para assumir a lacuna deixada pelos mamíferos de grande e médio porte que desapareceram em grande parte do mundo (como gazelas e rinocerontes),onde eles evoluiram assim para animais de pasto,como o chamado Rabbuck,enquanto que os ratos evoluíram para tomar o espaço de predadores como os lobos,visto os Falanx (ambos da imagem acima),onde esse último se tornou inclusive o predador dominante de seu ambiente.

Há ainda por exemplo o improvável insectívoro (que come insetos,caso não saiba) Pfrit,descendente de um musaranho,e que pode "andar sobre a água". Já na tundra,o Bardelot (um carnívoro que se originou dos gatos) tomou conta do nicho antes pertencente ao urso polar,onde atacam os Gigantelopes Lanosos,parentes distantes dos antílopes que se assemelham a um boi-almiscarado de hoje. E com o desaparecimento das baleias,algumas espécies de pinguins evoluíram para gigantes alimentadores de krill (como o Vortex). E espere até ver a bizarra fauna de morcegos das Ilhas de Batavia,uma série de ilhas vulcânicas que se formaram no Pacífico.

Mas claro que tudo isso mostrado em After Man seria quase incompreensível se não fosse pelas numerosas ilustrações que ele tem. Com base nos esboços de Dixon,seis artistas desenharam um grande número de ilustrações bem feitas,com os animais sendo divididos conforme seu habitat,que no caso são: Bosques e Prados,Florestas de Coníferas,Regiões Polares,Montanhas,Desertos,Pradarias e Savanas,Florestas Tropicais,América do Sul,Ilha de Lemúria,arquipélagos de Pacaus e Batávia.

E ao longo do livro,numerosos desenhos menores em ambos os lados do texto destacam algumas das criaturas,mas também alguns de seus comportamentos únicos e adaptações morfológicas,bem como os estágios intermediários em sua evolução (por mais que este livro tenha a intenção de entreter) ele também ensina ao leitor sobre conceitos importantes da evolução,como evolução convergente e radiação adaptativa,só para citar alguns. Dixon,inclusive,deixa claro que estava claramente falando sério com este livro,visto que as primeiras 33 páginas são dedicadas a um curso intensivo sobre esses conceitos básicos,onde por mais fantásticos que sejam,é curioso imaginar que sim: a natureza poderia criar seres assim (e quem sabe até mais estranhos do que esses). Já fez antes,porque não faria de novo?

Mas claro,o livro não é perfeito: por ser meio antigo,obviamente a ciência evolui muito desde 81,então alguns elementos citados na obra já não valem tanto (mas isso obviamente não é culpa de Dixon). Afinal,a ciência avança rápido,ainda mais hoje,e muito do material que ele explica aqui ainda se mostra relevante apesar disso,e as ilustrações que hoje exalam uma nostalgia e qualidade de uma época passada são outro ponto (no caso mérito artístico dos responsáveis,que conseguem manter um tom que não disvirtua muito uns dos outros em excesso) que só aumenta os prós da obra.

No entanto,há um ponto que fica meio difícil de "deixar passar",pelo menos pra mim: isso porque é interessante notar que,enquanto existe uma explosão criativa relativa à vida animal no livro,a flora não parece ter acompanhado esse delírio evolutivo. O mundo vegetal de After Man aparentemente não parece ter mudado de forma significativa (isso que houve um intervalo de tempo de 50 milhões de anos),onde ele serve mais como um cenário. Sim,o foco do livro não é esse,mas é meio estranho (e fora de contexto) que nada no mundo vegetal tenha mudado tanto assim em um intervalo de tempo considerável desses.

Vale ressaltar no entanto que o exotismo dos animais não é gratuito,e o design por vezes bizarro de algumas criaturas possui alguma coerência quanto as possibilidades de adaptação ambiental e mutação genética,tendo como suporte os saberes biológicos e geológicos,produzidos até o início da década de 1980. Logo,você não pode dizer que Dixon simplesmente fumou uma e começou a fazer rascunhos aleatórios,que depois foram melhorados pelos artistas envolvidos.

No fim,After Man é um livro interessante,especialmente se você gosta do assunto,e querendo ou não,acabou tendo sua importância mostrada no futuro,ainda que não seja uma obra tão valorizada por outros locais do mundo,como o próprio Brasil. Meio irônico,se você lembrar que o mercado editorial brasileiro do início e meados dos anos 1980 (em especial as editoras Melhoramentos e Francisco Alves) apostavam bem na divulgação científica,a exemplo de Cosmos,de Carl Sagan,Origens e A Evolução da Humanidade,de Richard Leakey,A Escalada do Homem,de Jacob Bronowski,O Mundo Misterioso de Arthur C. Clarke,os livros de Jacques Cousteau e outros,onde o trabalho de Dixon se encaixaria perfeitamente aí (talvez os editores tivessem algum pé atrás devido ao seu caráter especulativo e fantasioso) ou simplesmente acreditavam que não haveria muita procura. Então infelizmente você só acha esse livro online mesmo pra ler,e em inglês.

Nota? 8,5

Bônus: De qualquer forma,Dixon revisitou a idéia da zoologia especulativa várias vezes depois deste livro,como por exemplo em "Os Novos Dinossauros: Uma Evolução Alternativa",de 1988 (e sim,como o nome indica) ele tem a ideia de "E se os dinossauros não tivessem sido extintos?",e é legal também. Inclusive,After Man chegou a ser adaptado em um documentário japonês (da onde vem os gifs desse post) onde as partes que mostraram suas criações foram feitas em stop-motion. Ficou legal,e vale a pena ver por essas partes,a não ser que você entenda japonês.

Por fim,vale citar que a DreamWorks SKG chegou a adquirir os direitos da obra para uma adaptação,mas acabou nunca tirando os planos do papel,onde os direitos acabaram indo (até onde se sabe) para a Paramount,que não mostrou sinais de que vai fazer algumas coisa com eles também.

Enfim,duvido que alguém aqui conhecia esse livro,então sem perguntas do "Você Já Leu?",onde já parto pro "O Que Achou do Post?"



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