Crítica: Project Blue Book



PROJECT BLUE BOOK
por Joba Tridente
publicada originalmente no Claque ou Claquete*
Quando era jovem e vivia no Planalto Central do Brasil, sempre que possível, saía cerrado afora em busca de Discos Voadores ou UFOs ou OVNIs. De noite e ou de dia, eu e outros malucos ficávamos à espreita de luzes estranhas e ou de formas estranhas no horizonte seco, sob um céu esplendoroso e sem igual (?) no mais belo bioma do planeta. Quando a viagem de exploração e observação dava em nada, para não perder o tempo, a turma se reunia em torno de uma mesa e tentava se comunicar com os ETs através do copo corrido. Maluquice total! Tinha gente (e ainda tem) que dizia incorporar algum alienígena e começava a psicografar e ou a falar as mesmas mensagens pacificadoras e apocalípticas que rezam até hoje, pedindo que todos os humanos (seus irmãos terrestres) se preparassem para o fim dos tempos que estava próximo etc. Nem sei quantas vezes o mundo já acabou e quantas teorias da conspiração já foram desveladas desde então. Com o tempo fui deixando de lado a diversão paranormal-ufológica, que ia muito além de cair na estrada e ou ficar de mãos dadas ao redor de uma mesa redonda falando com um copo vazio emborcado, e passei a cuidar de outras coisas, mas nunca desdenhando da ficção científica literária e ou cinematográfica, que amo de paixão. Ainda criança, ao que me lembro, o primeiro filme que assisti no cinema foi de ficção científica. Também na infância era fã das séries de televisão Os Invasores, O Túnel do Tempo, Terra de Gigantes, Perdidos no Espaço, entre outros. Adulto, me apaixonei pela clássica Arquivo X, com o intrépido Fox Mulder (David Duchovny) ciente de que a “Verdade Está Lá Fora” dos gabinetes governamentais...

Bem, esse prólogo simplificado está aí só porque assisti e gostaria de comentar que no burocrático e frouxo seriado Project Blue Book o que não falta é clichê e caricatura, numa tentativa inútil de emular o saudoso Arquivo X..., deixando óbvio que a distância qualitativa entre os dois é estratosférica. Arquivo X (1993/2002) era uma série de ficção científica especulando fatos ufológicos, teorias conspiratórias e atividades paranormais, numa bem dosada mistura de suspense, terror, ação, humor, intrigas, ceticismo, fé. Já Project Blue Book (Projeto Livro Azul, 2019) é uma série dramática de não-ficção científica fictícia (se é que me entende!) especulando fatos ufológicos norte-americanos e equilibrando os dados genéricos do seu livreto de anotações “verídicas” secretas num “thriller” repleto de lugares comuns e muito borbulhantes. Ploft! Ploft! Ploft! Não importa a cena, você (por mais leigo que seja) já sabe exatamente o que vai acontecer. É capaz até mesmo de antecipar os diálogos ridículos, principalmente os femininos.


O alerta inicial diz que a série é baseada em eventos reais..., estudados pelo Capitão Michael Quinn (Michael Malarkey), personagem inspirado no Capitão da USAF Edward J. Ruppelt, e o astrônomo Dr. J. Allen Hynek (Aidan Gillen) que, na série, além de especialista em ufologia, tendo criado a sigla OVNI, para se referir a Objetos Voadores Não Identificados, também tem conhecimentos práticos de medicina, antropologia, paleontologia, mitologia, misticismo, hipnotismo, farmacologia etc. Um gênio que, até ser convocado pelo governo norte-americano para decifrar e desqualificar eventos ufológicos, era professor de astronomia na Northwestern University.

Já a sua mulher Mimi (Laura Mennel) é vista como uma imbecil e mãe negligente. Em plena Guerra Fria (EUA versus União Soviética), enquanto o marido caça OVNIs, ela, que parece conhecer ninguém na vida, além do ocupado marido e do superativo filho Joel (Nicholas Holmes), torna-se amiga de uma serigaita (loira fatal), Susie Miller (Ksenia Solo), numa loja de departamento, e imediatamente sente a língua coçando para compartilhar Segredos de Estado (“que ela não pode falar”) do importante Dr. Hyneck (é assim que ele se apresenta para as pessoas simples que veem coisas que não devem ver no céu e ou na terra)..., como se o título de Dr. lhe desse autoridade sobre qualquer assunto. É preciso dizer quem e ou o quê faz a tal loira, que apareceu “do nada”? Quais são as suas reais intenções nesse quibrocó do pesquisador doido e roteirista sem noção e ou imaginação escorregando no quiabo com maionese?


Criado por David O'Leary e produzido por Robert Zemeckis (De Volta Para o Futuro) para o canal History, o enredo é uma bagunça fantasiosa que seria cômica não fosse dramática. É difícil saber qual é o objetivo da pretenciosa série situada nos anos 1950: farsa ou paródia ufológica em meio à paranoia da Guerra Fria? Como se não bastasse a indefinição, não há uma personagem sequer que desperte um mínimo simpatia. Quem não é arrogante ou prepotente é idiota ou tratado como ignorante. Ainda que a reconstituição de época e dos avistamentos seja muito boa, as histórias “reais” dos OVNIs (cada capítulo uma “ameaça” nova) e dos alienígenas não empolgam, principalmente por causa das descartáveis “histórias” paralelas tapa-fotograma que a todo instante interrompem a trama.

A série se leva tão a sério que até declina do contato imediato com o humor de qualquer grau. Enquanto a narrativa se arrasta, a relação absurda das duas mulheres, que mal se conhecem e já são amigas desde criancinhas, se torna tão chata e os seus diálogos tão estúpidos que você há de querer correr (no controle remoto) as sequências em que elas aparecem..., ou ainda desejar que sejam sequestradas por algum extraterrestre alucinado. Ah, e certamente você vai perguntar muito em qual buraco da minhoca, não catalogado pelo projeto, se esconde o menino Joel quando não está (?) em casa.


Enfim, com seu suspense forçado na trilha sonora enfadonha, a série deve interessar mais ao espectador (pouco exigente) que aprecia a temática Discos Voadores e gostaria de “saber” algo sobre o Projeto Livro Azul (1952 a 1970) da Força Aérea dos Estados Unidos, que buscava descobrir (ou encobrir) a periculosidade (ou a origem) dos OVNIs, do que ao espectador com mais vivência no assunto e que se lembra de outras séries explorando o mesmo tema, como a Project U.F.O (1978/1979), também baseada em arquivos do Project Blue Book.

Dos dez capítulos, o penúltimo me pareceu o pior. Embora o foco abdução seja curioso, ele tem absolutamente nada a ver com os episódios anteriores, já que a reação dos dois caçadores oficiais de OVNIs, diante de um fato realmente novo e instigante, é totalmente contraditória (para não dizer improvável!) com os esforços que vinham fazendo para certificar os eventos... Se bem que o último capítulo da primeira temporada é muito mais estranho no contexto mal encaixotado do espaço sideral. Bom, isso se você não relevar o ET na Proveta do Von Braun, os soturnos e “invisíveis” Homens de Preto e outros penduricalhos que é melhor que descubra e julgue por conta própria. Arrisque no piloto! Se não gostar, desista da viagem! Se gostar, aperte o cinto e caia na estrada ou pegue carona num caça e desfrute, porque, segundo as mensagens, “o fim está próximo”!

Nota: O material ufológico recolhido pelo governo norte-americano é farto. Porém, dos mais de 12.000 eventos, apenas uns 700 não teriam explicação lógica. Quem tiver paciência pode pesquisar na web sobre os casos mais famosos do Project Blue Book e inclusive fazer download.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

* No Claque ou Claquete você pode encontrar outras críticas (sem spoiler) do seu interesse! 

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