Originalmente postado em: Pensando(a)dor
"The anguished man" (autor e data desconhecidos) |
A expressão artística é composta por diversos elementos que são, em substância, de grande particularidade. O medo, assim como outros elementos, é um desses particulares discursivos que compõem a expressão artística. O gênero terror, dentro da sétima arte, arrogou-se durante boa parte da história como o responsável pela representação desse elemento discursivo, produzindo diversos clássicos durante a história, tais como "Nosferatu" (1922); "M: O Vampiro de Dusseldorf" (1931); "Na Solidão da Noite" (1945); "O Monstro da Lagoa Negra" (1954); "Psicose" (1960); "Incubus" (1965); "O Exorcista" (1973); "Sexta-Feira 13" (1980); "Hellraiser" (1987), entre outros. A maneira como esse discurso sobre o medo é produzido, contudo, que é interessante de se perceber.
Nos primórdios da história do cinema, nas décadas de 10 à 40 do século XX, o gênero terror focalizou sua produção na construção de fantasias ficcionais, em especial pela influência do romantismo alemão, que dava à estas obras um tom gótico ostensivamente obscuro. Trazia como enredo, principalmente, a construção do imaginário a partir de questões como a loucura, a histeria, entre outros elementos. Daí em diante, com ênfase abundante nas produções dos anos 70, 80 e meados dos 90, o gênero embrenhou-se em um estilo mais voltado para a formação de uma atmosfera de pavor, nos casos de filmes com temas místicos/religiosos, e de espanto, nos casos de filmes de serial killers. A forte marca produzida por este estilo de cinema massificou e popularizou o gênero, possibilitando o surgimento de diversas franquias que conquistaram o carinho de milhões de fãs durante os anos.
Mas como é de praxe, a fórmula foi usada à exaustão e as produções ligadas ao gênero passaram, com o tempo, a produzir os mesmos vícios narrativos e estilísticos que legaram ao gênero um papel de coadjuvante na sétima arte, tamanha a caricatura vexatória que este veio a se tornar. O esgotamento das técnicas usadas e a falta de inventividade para com o fazer cinematográfico imbuíram ao thriller um desprezo, inclusive por parte dos amantes do gênero, imenso. É com ternura, contudo, que um movimento de "resistência" surge aos poucos, primando por uma nova proposta de linguagem (alô, Godard!) e o abandono das velhas práticas.
O advento desse movimento, contudo, é de difícil averiguação. Filmes como "A Tale of Two Sisters", de 2003, podem muito bem se enquadrar dentro desse processo. É inegável, contudo, o impacto que a obra do Robert Eggers: "A Bruxa" (2015) têm dentro deste cenário. É a partir do lançamento do filme canadense que abrem-se as portas para que futuras produções inovassem suas narrativas e rompessem, de vez, os laços com os vícios narrativos das empulhações extenuantes que foram produzidas na última década. É graças à coragem de Eggers que filmes posteriores, como "Demon" (2015) "Polednice" (2016) e, mais recentemente, os ótimos "Hereditário" (2018) e "Um Lugar Silencioso" (2018) tornaram-se possíveis.
A opção por uma linguagem mais focada em uma atmosfera de asfixia psicológica, com trejeitos trágicos, marca um ar de suspiro para o gênero que, enfim, começa a respirar novamente. A redenção do medo, nesse cenário, passa, justamente, pela construção narrativa que prima o silêncio em detrimento do escândalo, o estranho em detrimento do assustador, a insegurança psicológica em detrimento da dor fisiológica, o mal-estar desencaixado em detrimento do perigo encarnado, o vazio existencial em detrimento do perigo identitário.
Essas marcas discursivas, altamente influenciadas pela crise de sentido do mundo pós-moderno, elaboram um novo panorama do medo nessa "era" do gênero. Enquanto o thriller clássico se solidificou construindo uma identidade bem definida daquilo que produzia o medo, seja esboçada na figura de um "demônio" ou de um serial killer, o post-thriller tem como substância fundamental o esvaziamento de sentido da própria natureza daquilo que constitui o objeto de produção do medo, pois, para todos os fins, o diálogo importante, aqui, já não é mais o medo em si, mas a própria maneira, muitas vezes heterodoxa, que os indivíduos visualizam a sua posição frente à iminência do perigo. Perigo este que, por sinal, não se pode definir objetivamente qual é, pois somos, nós mesmos, partes circundantes dessa própria produção do medo.
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