O novo (e de fato sombrio) Dark Universe



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NOVA CASA, NOVOS ARES


Como já foi reportado por aqui, o Dark Universe (ou Universo Sombrio se preferir) está oficialmente morto, e sendo ressuscitado desta vez para ser supervisionado pela Blumhouse, e com uma abordagem mais tátil e adequada do que a encarnação anterior. A franquia (uma tentativa de criar uma versão contemporânea dos Monstros clássicos da Universal) foi lançada pelo estúdio como um novo universo cinematográfico de grande sucesso em 2017. No entanto, quando o primeiro e único filme dessa iniciativa foi lançado (no caso A Múmia, protagonizado por Tom Cruise), ele se tornou um fiasco instantâneo nas bilheterias e com a crítica, e diversas dúvidas foram levantadas sobre a viabilidade dessa ideia, que culminou no arquivamento de todos os projetos que o estúdio pretendia fazer.

Enquanto isso, a Blumhouse (hoje a "casa" de produção predominante do horror), e que passou a última década estabelecendo-se como uma fonte confiável e lucrativa nesse gênero, vinha pelo caminho aposto no mesmo ano no que pode ser considerado um dos melhores anos da companhia, o estúdio gastou com seus principais lançamentos (no caso Fragmentado, Corra! e A Morte te Dá Parabéns) 18,3 milhões, e arrecadou 653 milhões.

653 MILHÕES, praticamente um pouco mais do dobro que A Múmia, dito como um grande blockbuster que fez 410 milhões. E isso sem dúvidas é resultado de Jason Blum (fundador e produtor do estúdio que tem um verdadeiro "toque de Midas" no gênero), já tendo demonstrado seu desejo de trabalhar com os "Monstros Universais". E agora, ele recebeu sua chance.

Não há dúvidas: se há alguém que pode fazer o Dark Universe um sucesso é a Blumhouse. De Uma Noite de Crime à Sobrenatural (e passando ainda por filmes como o citado Corra ou o novo Halloween), o estúdio sabe, até mesmo com seus projetos fracos, como vender um susto. Seu histórico demonstra uma boa trajetória de longas bem produzidos e acessíveis, muitas vezes vindo de cineastas mais excêntricos como Leigh Whannell, que voltará a cadeira de diretor mais uma vez para lançar o primeiro projeto do novo universo da franquia de monstros: O Homem Invisível. Com isso dito, o "Universo das Trevas" inegavelmente foi uma ótima idéia que foi afundada por uma terrível execução, e o estúdio de Blum é o lugar perfeito para trazê-lo de volta à vida, principalmente a glória que deixou esses seres há tempos atrás.

UMA BOA COBERTURA, COM UM RECHEIO AMARGO



Antes mesmo do fracasso de A Múmia, a Universal já vinha vivendo uma época de tentativas frustradas de refazer seus monstros clássicos já faz um longo tempo, seja com sequências fracas ou versões que simplesmente não davam certo, vide A Múmia: Tumba do Imperador Dragão em 2008 (os 2 anteriores sim são legais mesmo sendo aventuras a lá Indiana Jones) ou O Lobisomem de 2010, sem contar claro Drácula: A História Nunca Contada (de 2014), e que foi a primeira tentativa de criar de fato um universo compartilhado, antes de ser desconsiderado dessa tarefa após sua recepção morna. Assim, após apostar todas as fichas que A Múmia seria "seu Homem de Ferro", a Universal fez quase todos os erros possíveis no lançamento dessa dita nova franquia.

Vamos começar primeiramente com a ideia prática e filosófica que o estúdio pretendia, e que já podia ser vista no filme da Múmia: a contratação de estrelas famosas como Tom Cruise, Johnny Depp e (supostamente) Angelina Jolie e que até mesmo The Rock para filmes planejados para serem "sucessos de ação com muitos efeitos especiais", ignorando (e no máximo flertando) com o terror dos filmes clássicos. Se matava assim os efeitos práticos e toda a psicologia dos épicos originais, as atuações dominantes dadas aos monstros nesses filmes ou o estilo e a alma das direções de pessoas como James Whale, Tod Browning ou Karl Freund. Em seu lugar, haveriam histórias esquecíveis, sinuosas e repletas de computação gráfica desnecessária, já que o estúdio não tinha "caras de quadrinhos" para ganhar dinheiro em cima.


Claro, até havia algumas idéias interessantes em A Múmia, mas no geral o filme parecia mais um "Missão Sobrenatural: Implacável" (e diferente dos Missão Impossível tradicionais, não é divertido ou se quer bom), provavelmente para convencer Cruise a assinar porque envolvia uma ação desafiadora que ele ainda não havia tentado ("o cara que NÃO USA DUBLÊS NUNCA") e por ter muita corrida. E a resposta do público foi adequadamente flácida a um filme que não divertia e muito menos entusiasmava para o futuro com a idéia de ver um tratamento similar ocorrendo com Gal Gadot sendo A Noiva do Frankenstein ou Depp sendo o Homem Invisível (que provavelmente ficaria visível por 80% do filme), enquanto Russell Crowe era enfiado guela a baixo aqui para ser uma espécie de "Nick Fury" desse mundo, várias (VÁRIAS E EXPLICÍTAS) referências eram tacadas na tela de forma gratuita.

E assim, gradualmente, a Universal foi forçada a "fechar a loja", e cortar seus futuros prejuízos.

A CULPA NÃO É DOS MONSTROS



Por mais que seja óbvio, vale a pena dizer que o problema do Dark Universe foi unicamente a execução, e não a ideia. Os Monstros da Universal são uma parte icônica e atemporal da história do cinema, servindo até hoje de base para novas criações, e mostrando que há sempre um interesse do público em ver criaturas assim.


O mais recente exemplo disso é A Forma da Água, que se tornou um sucesso e até venceu o Oscar do ano passado (por mais que eu ache que o filme não é tudo isso, por mais que eu goste muito do trabalho do Guillermo Del Toro, mas isso não vem ao caso) -onde é justo dizer que as pessoas têm uma afinidade imortal com esse tipo de história, e as raízes literárias de obras assim sempre estiveram enraizadas na "psique cultural”. Mas para que novas iterações surjam e sejam bem sucedidas, só é preciso que sejam bem contadas, de forma a desafiar a percepção do que faz algo ser um "monstro", e porque esse tipo de coisa fascina as pessoas, assim como os filmes de monstros na Universal de antigamente faziam.

Há toda uma geração de escritores e diretores como o próprio Del Toro, que fora chamado para comandar a franquia se não tivesse recusado (algo que ele próprio admite se arrepender) que são capazes de fazer não apenas um grande filme de monstro, mas um capítulo de destaque. Alex Garland (Ex-Machina), Jennifer Kent (O Babadook), Mike Flanagan (Hush)... Enfim, a lista de candidatos potencialmente empolgantes que poderiam se juntar ao já contratado Leigh Whannell é longa (fora nomes já conhecidos dentro da Blumhouse) como um certo Jordan Peele.

E se você observar, alguns deles já estiveram no território dos "monstros clássicos" de certa forma, mas em uma reimaginação ao invés do original (A Forma da Água é praticamente O Monstro da Lagoa Negra de Del Toro com um nome diferente) enquanto Ex Machina canaliza a versão de Frankenstein de Garland, através de uma ficção científica. O talento e o desejo estão por ai só esperando para serem contratados, e eles só precisam ser "filtrados" através de uma iniciativa criativa apropriada.

DEIXA ELA ENTRAR


Com um retorno de quase 200 milhões contra um orçamento de uns US$ 15 mil que o estúdio gastou com o primeiro Atividade Paranormal, a Blumhouse se transformou (como dito) em um dos maiores locais de terror do cinema moderno, se não o maior, não só no lucro, mas no alavancar de propriedades e carreiras de diretores que só precisavam de uma chance, onde Jason Blum é o homem com quem qualquer rosto novo que queira dirigir um terror quer trabalhar. Na verdade, com o Oscar de melhor roteiro original que Jordan Peele ganhou com Corra, não há muitas credenciais de Hollywood que o estúdio deixou de ganhar, exceto talvez a ideia de fazer um universo cinematográfico (algo que o próprio Blum já declarou ter interesse).

É claro no entanto que a Blumhouse erra (e já entregou filmes... Sem sal, resumidamente), mas inegavelmente, como já dito,eles conhecem o mercado, eles conhecem o gênero do qual tanto trabalhando, eles escolhem seus projetos normalmente bem, e tudo ocorre de forma incrivelmente barata. Os orçamentos deles são muitas vezes menos de uma fração dos blockbusters que eles tipicamente rivalizam nas bilheterias (nenhum filme deles, por exemplo, representou cerca de 10% dos 195 milhões de A Múmia).

Além do mais, a Blumhouse sempre defendeu os serviços on-demand e de streaming sem medo de lançar coisas que não possam competir nas bilheterias neles, usando assim essas plataformas para criar uma "creche" de diretores novos (vide Cam na Netflix) ou a minissérie Into the Dark, que vem sendo transmitida por aqui pelo Space. E no outro lado, a Blumhouse não lida com grandes blockbusters projetados por comitês e grandes estrelas (....ok tem o Samuel L Jackson por exemplo em Vidro mais você entendeu o que eu quis dizer), onde eles fazem filmes que são práticos, com visões criativas genuínas em seu núcleo e sem problemas de ter de lucrar horrores para se pagar. Esse é inegavelmente, o tipo de "cultura de estúdio mente aberta" que os Monstros da Universal precisam.

PORQUE O HOMEM INVISÍVEL É PERFEITO PARA COMEÇA ISSO?


Como já citado aqui mais uma vez, o primeiro capítulo desse "Dark Universe 2.0" será um reboot de "O Homem Invisível", que será dirigido por Leigh Whannell. A filmografia de Whannell como escritor é boa, com ele tendo escrito o roteiro do primeiro Jogos Mortais e todos os quatro capítulos de Sobrenatural, do qual o terceiro ele também dirigiu. Mas é Upgrade (do ano passado) que faz dele um diretor empolgante para esse projeto.



Isso porque a primeira vez do diretor escrevendo e dirigindo uma obra completamente original deu certo, sendo basicamente o filme do Venom (mas usando todo o potencial que tem em mãos): Upgrade é violento, mas bem-humorado, ao mostrar a interação de um cara "normal" com uma tecnologia implantada nele que age como um Simbionte mesmo, onde entre a cinematografia de ação roboticamente suave e alguns horrores, Leigh mostra algumas boas idéias na manga. Ele é, basicamente, alguém que pode traduzir noções que alguns gostariam de complicar em um roteiro fácil de digerir, mas interessante. Além disso, apostar de começo no Homem Invisível (que não foi supersaturado com adaptações como seus colegas Lobisomem, Frankenstein ou mesmo a própria Múmia) é um bom caminho para uma nova era de adaptações desses monstros, ao começar com os menos badalados, onde a última grande produção que se inspirava no conceito do personagem foi O Homem Sem Sombra, em 2000 (e no tempo de Hollywood) quase 20 anos entre uma "adaptação" e outra são uma vida inteira. Assim, para muitos membros da audiência, este será o seu primeiro contato com o conto de 1897 de HG Wells, o que permite a Whannell não sofrer com comparações de outras versões, assim como muito espaço para dar seu tom e narrativa próprios.


No fim, por mais que tivesse tentado ao longo dos anos, a Universal fracassou continuamente em tentar recapturar a magia dos seus Monstros originais. Houve sim boas tentativas com certeza (os 2 primeiros filmes da Múmia como eu disse são legais), mas quase sempre nada com o mesmo fervor e seriedade que esses camaradas mereciam, e não simplesmente por exemplo violência gratuita na tela (Lobisomem de 2010,estou falando de ti!).


E ao surgir nos últimos 90 anos desde que o Drácula de Bela Lugosi ou o Frankenstein de Boris Karloff definiram o cinema de terror para sempre, a Blumhouse tem em mãos o poder de conjurar um novo Universo Sombrio, e trazer com ele, uma escuridão digna de verdadeiros monstros.



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