[TIME PARADOX] Análise de Fashion Beast, a última série de Alan Moore


TIME PARADOX: A pedido do Ozymandias Realista, trouxe pra cá esse texto do aposentado Blog Joker. Há poucas mudanças apenas pra adaptar ao tempo, já que o texto é de 2014. Ah sim! Uma boa atualização é deixar claro que o título já não se aplica mais agora, já que de 2014 pra cá Fashion Beast não foi mais a última série do Moore, tivemos Providence e Liga Extraordinária. Era a última lá na época.

Faz pouco tempo que li "Fashion Beast", com roteiro de Alan Moore e desenhos de Facundo Percio. A Panini já publicou há algum tempo. De qualquer forma, eu li e pensei "vou escrever análise disso aí não". Mas aí lembrei como tem alguns leitores do Blog que várias vezes já pediram especificamente análise de quadrinhos, e então eu pensei "Douglas, como você é idiota!" e decidi que na primeira oportunidade escreveria isso.


A ideia de "Fashion Beast" é no mínimo curiosa. O grande escritor Moore havia feito o script com inspiração em "A Bela e a Fera" em 1985 para um possível filme. Foi enquanto ele escrevia o Watchmen (sim, ele fazia outra coisa ao mesmo tempo que o Watchmen...). Só em 2010 o projeto se tornou realidade com a Avatar Press. Quem ajudou foi Anthony Loren, que trabalha com quadrinhos e também cuidou da trama da série de games de terror espacial, Dead Space. Outro foi Malcolm McLaren, empresário inglês que por acaso tomava conta dos famosos Sex Pistols (pobre Malcolm...).

McLaren faleceu de câncer em 2010
Mas afinal, do que se trata Fashion Beast? Quero dizer, 9/10 esperam que vindo do Alan Moore, há algo que nós não esperamos envolvido. Ou será genial e mudará a nossa perspectiva das coisas, ou uma história nonsense em um nível tão alto que te assusta ao imaginar a boca por trás daquela barba gigante dando risada.

"Você pretende se matar porque queria ter um nome da hora?"


Considerando isso, 9/10 concordariam que Fashion Beast não poderia ser simplesmente uma série de quadrinhos sobre moda ou mesmo uma adaptação de "A Bela e a Fera" para os tempos modernos. Não é mesmo? Tem que ter alguma coisinha que você não está esperando... Talvez só isso tenha me dado a curiosidade de ler issaê: o belo grupo criativo que com certeza tinha um curinga na manga.


Eu dei uma pesquisada em opiniões diversas na Internet pra poder trazer isso decentemente pra vocês o mais rápido possível. Quase todo mundo apreciou, mas tem muita gente que não leu até o final, enquanto tem outros colocando Fashion Beast à altura de Watchmen. Bem, pretendo então passar uma descrição definitiva:


Se tratando de moda (o nome é Fashion Beast...) a história tem foco nas aparências desde o início. A primeira edição é bem vaga e há uma série de páginas focadas apenas em imagens, mais especificamente, pessoas se arrumando dentro de suas casas como se fosse uma noite de sexta, posteriormente a exibição nas ruas. Sem muita narração ou diálogo explicativo, é apresentada a personagem principal: Doll(boneca). Ela trabalha guardando casacos em uma danceteria local. De cara você pode notar que a história é de Moore da forma que ele parece simplesmente ignorar tabus e temas que incomodariam o leitor, escrevendo sobre coisas como doenças, sexualidade e política como se estivesse falando de futebol.

"Sabe, vocês não deveriam estar rindo. Eu só sou assim porque tenho uma deficiência. Eu nasci sem pênis."
A história vai avançando e Doll tem contato com o maior nome da moda, a empresa Celestine. Lá se encontra o foco do elenco. Há duas ajudantes que comandam o lugar, elas seguem as ordens do filho da fundadora, são velhas e tem uma maquiagem extremamente exagerada.


Os desenhos estão sempre focando em tinta, cores, design, flashes, um trabalho extremamente satisfatório de Facundo Percio, que também expressa otimamente as expressões e características dos personagens (que cá entre nós, estão revoltados e carrancudos quase o tempo inteiro). Celestine, o herdeiro da falecida designer, personagem ao qual se refere o nome da obra, "Fashion Beast", é o dono de tudo; ele fica trancafiado dentro de sua oficina/quarto, sem jamais ser visto por alguém além das velhas madames que cumprem os seus quereres. Como a Fera da antiga história, realmente.


Por último há um garoto que trabalha lá, Jonni. Ele parece constantemente revoltado e insatisfeito com alguma coisa. Mas o real ponto de interesse, é a "Fera". É o personagem que levanta a curiosidade, as perguntas. O seu rosto não é mostrado e há lendas quanto ao seu estado e existência. E é só isso. O problema é que é só isso. Ao menos por um bom tempo.

Ritmo e desenvolvimento


Talvez pela semente do roteiro original de Moore e McLaren ter sido planejado para o cinema, há esse problema da narrativa com a sedução do leitor. A primeira edição por exemplo, talvez ficasse melhor como a introdução de um filme, algo que eu já tinha suspeitado antes de pesquisar de onde havia surgido a estória. É muito só imagem, apesar de querer dizer alguma coisa elas acabam ficando sem significado pelo enredo não andar. Na verdade, em metade da história acontece nada que seja muito chamativo ou fascinante, apenas os personagens se revelando melhor quem são. É apenas na Edição#6 que ocorre o primeiro momento surpreendente, mas mesmo assim você não consegue enxergar pra onde a história vai ou o que ela quer dizer. Isso só acontece nas últimas edições mesmo. E isso é um grande problema, o que eu quero explicitar é que, com pouquíssimos elementos que realmente prendam, as chances de alguém largar Fashion Beast na metade são altas.


Há o personagem Jonni, que vai mostrando a sua visão pessoal sobre a moda e sua aplicação na sociedade, o que é interessante, mas não posso negar que apenas a edição final é realmente atraente e minimamente explosiva, com um desfecho forte e aberto, concluindo bem cada personagem incluído na trama.



Mas e ae? 
E o curinga?


Me refiro ao curinga na manga, não à chamativa ruiva acima. Essa história tem um significado maior escondido? Beeeeeeeeeeem... teeeeeeeeeeem... mas é tão escondido que eu diria que nem faz parte da história você notar, como o Batman matando o Coringa no final da Piada Mortal. Além de que você tem que estar ciente (e você provavelmente está) da polêmica carreira de Alan Moore no mundo dos quadrinhos para sacar, então agora vamos falar dele.




SPOILER#SPOILER#SPOILER

Aviso dos spoilers, pois essa explicação se trata de um dos principais pontos da história, então talvez você prefira lê-la primeiro, não é? Agora que você já foi avisado... A mensagem de FB se esconde na função dos personagens principais da história. O "Beast" quer por razões a princípio difíceis de serem visualizadas, manter Doll e Jonni juntos embaixo de seu teto. O império de moda dele não traz mais bons frutos, ele já foi revolucionário um dia, mas agora está parado. Ele então o passa para os rebeldes Jonni e Doll, que em uma conturbada história de amor conseguem trazer desenvolvimento de volta à área com muita polêmica. Depois de um tempo refletindo, o ponto principal da história parece ser esse. O que Moore quer dizer é uma avaliação da arte por um ponto de vista geral. Alguém precisa vir e derrubar as paredes, levantar novas, para depois te-las derrubadas de novo. É, mais uma vez, uma crítica que ele faz ao grande trauma de sua carreira na DC Comics, quando ele desconstruiu os super-heróis, consolidou o conceito de graphic novel, redefiniu vários personagens, mas ainda assim saiu infeliz de lá. Aliás, duvido muito que seja coincidência, o personagem de costas e em perfil é IDÊNTICO ao Alan Moore!

"Eles sabiam disso! Eles sabiam o significado de glamour; o mais antigo, o significado original. Glamour significa "magia". Glamour é magia!"
Tem muita gente que fica brava, mas todo esse "ódio" do Alan Moore pela indústria de super-heróis nunca me convenceu. Todas as agulhadas que ele manda para artistas e fãs atuais sem a mínima dó... nunca acreditei nisso. Um cara que odiasse super-heróis nunca escreveria "A Piada Mortal"; há um grande conhecimento do assunto que só poderia vir de uma paixão natural naquela e várias interpretações de personagens clássicos que ele fez no pouco tempo que trabalhou na DC. Tudo bem que ele veio trabalhar com outros tipos de gibis, como "Do Inferno", "Garotas Perdidas" e o próprio "Fashion Beast", mas fica claro que esse ódio do velho mago Moore é o clássico caso de amor rejeitado. Você tem que ser apaixonado pelo o que faz pra fazer o que ele fez na melhor época de sua carreira. É como estar completamente apaixonado por alguém e ser rejeitado. Você vai passar a odiar a pessoa, mas isso é justamente porque ela não te deixou amá-la direito! E isso é o que rolou entre o escritor e sua provável mídia preferida: os quadrinhos.


Em Fashion Beast ele deixa claro (ou nem tão claro assim...) que acredita que assim como ele desconstruiu os quadrinhos mainstream nos Anos 80, alguém precisa vir e fazê-lo de novo. Pode parecer forçação, mas ao ler a história você deve notar isso também. Essa é a parte mais legal de Fashion Beast, apesar da história principal dos personagens também ser muito boa, é bacana sacar o que está implícito.

FIM#DOS#SPOILERS

O problema mesmo se encontra no desenvolvimento desanimador da história. Eu passo longe de julgar Fashion Beast como um "Watchmen da vida", mas por fim é uma ótima história e fica muito bonita no histórico dos seus responsáveis. Caso tenha despertado a sua curiosidade, vale a pena saciá-la.

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