SIMPLESMENTE MARVEL – SECRET WARS


“— Uma vez o vi nas ruas quando garoto. Olhei para cima e te imaginei como um deus, ou se não um deus, pelo menos algo maior do que um homem.
-- E agora, você me verá cair. Olhe como você chegou longe.
-- Não tenho desejo algum em ver tal coisa, meu senhor."

-- Então essa será uma lição para você... Uma lição que deves aprender agora e lembrar todos os dias: Não há homem grande demais que fique acima da censura, apenas Deus e seus caprichos em sua misericórdia.”




Na mão de outro roteirista menos empolgado, Secret Wars seria mais um vale-tudo porradeiro para alegrar as coisas, só que nas mãos de Hickman, torna-se um devaneio monárquico multidimensional, um casamento entre a tragédia e cinismo de Shakespeare, com o experimentalismo e criatividade proativa de Grant Morrison. A atitude corajosa e justa de Hickman é começar o primeiro número justamente de onde a história parou nos dois títulos que ele comandava: Avengers e New Avengers. Nada de didatismo como se o leitor fosse uma criança na 4º série, se quer ter uma experiência plena, volte para The Ultimates V, para de lá começar seu dever de casa. Muitos editores achariam uma manobra dessa um suicídio comercial, visto que afugentaria novos leitores que querem pegar o bonde andando. Negativo. Secret Wars é um sucesso de vendas.



Marvel dando liberdade criativa e apostando na inteligência de seu público. Aplaudo de pé. Muitos argumentariam agora “Ah, mas a Marvel sempre é líder de vendas”, não discordo, mas o detalhe é que seus quadrinhos que se mantém no topo em sua grande maioria são primeiras edições de eventos chamativos, a exemplo de Death of Wolverine ou o reinicio de Amazing Spiderman. Secrets Wars é o agradável caso de algo que tem qualidade e dá lucros que se mantêm e crescem.

O primeiro número trata-se essencialmente de colisão de realidades em um duelo de xadrez onde apenas as “elites” preservam-se dos choques dimensionais que supostamente colocaria fim no universo 616 (tradicional) e 1606 (Ultimate). Testemunhamos uma batalha desproporcional que entre outras “proezas” faz um strike no Triskelon, QG da Shield Ultimate. Os mais inteligentes partem em suas arcas de Noé high-tech e escapam do raio de explosão. O leitor termina a primeira leitura atônito, sem saber ao certo o que viu.

Nos números seguintes, principalmente o segundo número, o meu preferido, a essência é uma tragédia Shakespeariana com conspirações para contra o Rei. O Rei, é agora Deus Absoluto e inquestionável de uma realidade chamada “Mundo de Batalha”, e ele não é ninguém menos que Victor Von Doom, o Dr. Destino. Seu braço direito, o Dr. Estranho, mago supremo. A realidade foi salva, mesclada, embaralhada, porém está lá. Advindo desse recurso, todas as realidades alternativas e regulares da Marvel agora são uma só, o que permite que um personagem como o Velho Logan possa fazer parte desse todo, por exemplo. A debochada participação do Sr. Sinistro e o suplicio do Capitão Bretanha são recursos narrativos que por sí só dão uma aula a muito roteirista atual. Bem como a competência de Hickman em nos fazer uma realidade plausível onde Thor são soldados de vosso sr. Destino.

Na terceira parte do enredo, peças são recolocadas no tabuleiro, em uma analogia, o tabuleiro foi desfeito na primeira edição, colocado uma posição clara na segunda e nesse terceiro uma posição de jogo fechado onde o resultado é imprevisível. Richards volta, apenas para saber que seu maior arquínimigo salvou tudo, nas palavras do Dr. Estranho “Acontece, Reed, que ele é muito bom em brincar de Deus”. Em outra parte, Victor se questiona se tudo o que obteve o de fato satisfez. Um posicionamento bem interessante, inserindo Destino menos endeusado e mais questionador, afinal já dizia Nietzsche que “Amamos mais o ato de desejar, do que o objeto de desejo”, nada mais lógico e orgânico que a insatisfação e a dúvida sejam tão pulsantes em Destino quanto seu próprio coração. (Se é que ele ainda tem um).



Finalmente no quarto número, mais “jogadores”, se assim posso chamar, “entornam o caldo” como diria Nick Fury. Reed Richards Ultimate (sociopata genocida com realizações utópicas) e tradicional (Diria que talvez seja a mente mais inteligente de todo o universo Marvel, mas por favor, trutas, não me lixem, Pantera Negra, Thanos e Ciclope possuído com a entidade Fênix (opa). Victor confronta Richards verbalmente, um temor parece nascer ao até então invencível senhor de tudo. O confronto de ambos lembra um pouco o atrito entre Hamlet e seu tio ocupante do trono por meios ilícitos. Tal qual o tio do conto de Shakespeare, Dr. Destino usurpou a família de Richards, e em níveis elevados. Não trata-se mais de ser líder, mas de dois opostos cuja atmosfera é insuficiente. O confronto principal é adiado, mas a custo de dois personagens importantes assassinados pelas mãos impiedosas de Destino. Ficamos, como logo após ler a #01, atônitos, e na expectativa de que Hickman não tropece em suas altas pretensões.

Seguem abaixo as quatro edições para download citadas no texto. E mais abaixo, resolvi colocar a primeira edição para leitura online, para downloads, basta clicar nas capas:





E ai? Gostou? Odiou? Deixe nos comentários e compartilhe o post. 

Até o próximo.



Me siga no Instagram: @ozymandiasrealista

Postar um comentário

0 Comentários