"Inútil"




  E um dia como outro qualquer estou lá eu, no meu trabalho durante o horário de almoço sentado com meu caderno na mão, escrevendo, como sempre. Nisso me chega um cidadão e me pergunta “O que é isso?”. “Ah, eu estou escrevendo uma coisa aqui para postar no meu blog”. “Você tem um blog, é?”. “Sim, tenho”. “Legal. Sobre o quê?”. “Ficção”. “Legal. Para que serve isso?”.

Olha aí. Essa é boa. É de se parar para pensar, não é? Para que serve? Então vejamos. Oscar Wilde, lacônico, nos afirma apenas que a arte é inútil. E é, não é? Desdenha ele do próprio trabalho e dos seus colegas? Entendo eu que não é por aí. A arte é inútil porque é tudo aquilo que não está na base da pirâmide, é aquilo que não é o essencial para a sobrevivência da carne, ela é o que ultrapassa, que transcende, que vai além. Ela é o algo mais. Algo. Indefinido. Você não vê com os olhos e não pega com a mão, mas atinge em cheio o seu coração, faz um estrago nos seus miolos, te faz parar para pensar, te leva a sentir. Algo. Não sendo apenas “útil”, não tendo uma função reservada naquela base da pirâmide, não atinge a todos por igual e a alguns sequer atinge, possuindo nós diferentes graus de percepção e sensibilidade. E esse é o legal da coisa. Porque a arte é pra quem gosta. Arte é pra quem entende.

  E temos a ficção. A tradição humana de se ouvir e contar histórias é mais antiga do que se é possível datar, originando-se ainda no período das cavernas, onde ao cair da noite a tribo se reunia em volta da fogueira para partilhar a carne fruto da caçada do dia, e entre uma mordida e outra alguém contava o que havia acontecido hoje com o fulano ou o ciclano. No princípio essas histórias eram todas meio iguais até que um dia, em algum lugar, aconteceu algo singular e improvável com alguém. Esse conto singular e improvável se destacou entre os outros, atraiu maior atenção e os ouvintes chegavam a pedir para escutar a história uma segunda vez, mesmo já conhecendo o final. Impactou quem ouvia e quem contava. Os contadores passaram então a garimpar outros contos singulares e improváveis que prendessem a atenção da plateia. Escasseando os já poucos acontecimentos reais interessantes, em dado momento os contadores passaram a inventar do nada na maior cara dura. E a plateia não se importou, só queria ouvir mais. “Era uma vez o Superman voando pelo céu”. “Sim, sim! E aí? O que aconteceu com o Superman depois disso?”. Nascia a arte da ficção. Não se acha na natureza outra espécie que se dedique a essa arte. Até onde podemos afirmar, é uma coisa exclusiva de humanos. Inútil e sem função na base da pirâmide, ainda assim essencial. A ciência ainda não consegue explicar o como nem o porque, mas precisamos de ficção. Como de água, como de alimento, como de oxigênio. Nós, humanos, temos necessidade de ouvir e de contar histórias. De Ficção. De Arte.

  O Ozymandias Realista é um espaço para isso. Parafraseando Clarice Lispector afirmo que não queremos fórmulas certas porque o objetivo não é acertar sempre. É o nosso laboratório, faremos experiências aqui, algumas vezes acertando de primeira e outras vendo as substâncias sob o cateter entrando em combustão inesperada, voando pelos ares e manchando as paredes. Nesse segundo caso limparemos nossa placa de Petri e recomeçaremos do zero. Vai ser uma viagem interessante. Seja muito bem vindo à bordo.
 

 

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