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Batman Vs Superman - A Origem Da Justiça: Um Filme Grandioso Demais Para Mentes Pequenas
Batman Vs Superman - A Origem da Justiça: O Batman
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Batman Vs Superman - A Origem Da Justiça: Um Filme Grandioso Demais Para Mentes Pequenas
Batman Vs Superman - A Origem da Justiça: O Batman
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Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores!
A maior centelha simbólica em toda a duração do filme está presente na cena após o salvamento de uma menina do incêndio efetuada pelo Superman. Era o Dia de Los Muertos no México e, como tradição, os habitantes estavam caracterizados como as populares caveiras mexicanas. Ao pousar com a menina, o herói é cercado e se vê envolto pelas caveiras, com um olhar desprovido de qualquer sentimento de segurança ou bem-estar para com aquele momento. É a imagem de um Ser elevado à obrigatória condição de Deus por adoradores sempre famintos por um símbolo maior que lhes indique o caminho da verdade, da luz, da vida, da harmonia e da paz. Assim podemos interpretar aquelas pessoas, adoradoras de um ícone de absoluta perfeição, como parcela desta nossa Humanidade tão afoita em adorar supostos Salvadores do mundo e Deuses Pais criadores do céu e da terra. O simbolismo daquela cena nos repassa a ideia de que ele é como um dos amigos imaginários para todas as horas e momentos da vida que, violando todas as Leis Naturais, sempre rogam por nós e nos protegem de todos os males. Mas, o Superman está muito longe de ser um Salvador de qualquer coisa ou um Deus digno de qualquer possível adoração. É um Apolo condenado a vagar entre os mortais e não vê nenhuma satisfação nisso.
Ficaria difícil desvincular o Superman de qualquer tipo de contato com uma religião que prega a suposta missão de Salvação da Humanidade nos ombros de um Ser. Sempre conectado, de modo claro ou sutil, em todos os filmes, séries e desenhos animados, à figura moldada pelo Cristianismo como messiânica de Jesus de Nazaré, Kal-El/Clark Kent/Superman é neste filme em especial explorado mais do que nunca nesse aspecto mitológico. Kal-El, o alienígena, no entanto, nada tem de divino em sua essência e a sua presença na Terra não foi uma escolha pessoal, mas feita por seu pai biológico, Jor-El. Clark Kent, o cidadão terrestre criado por Jonathan e Martha Kent, deseja uma vida normal ao lado de sua amada Lois Lane e não esconde em sua voz ou expressões faciais o fardo que constitui ser visto como uma espécie de Divindade pela Humanidade. Superman, O Salvador, O Deus, O Além-do-Homem, aquilo que a Humanidade precisa sem merecer a fim de se sentir protegida e salvaguardada do Mal e seus acólitos, naturais e anti-naturais, carrega a responsabilidade, tal qual um Prometeu Acorrentado, de sustentar um mundo inteiro nas costas enquanto sua própria identidade é devorada. Não, O Superman de Snyder, Giger e Terrio não é um apóstolo da Salvação de algo na Terra e o desconforto por ser tratado como tal pelos que é obrigado a defender é-lhe torturante. Digo obrigação porque no rosto dele é possível perceber o deslocamento mais contundente diante de seu estar-no-mundo.
Mais à vontade no papel do que em O Homem de Aço, Henry Cavill entrega uma interpretação sóbria, sólida e melancólica de um outsider, um estranho entre os humanos que o cercam. Apenas com a Lois de Amy Adams, em uma interpretação discreta bem diferente das Lois anteriores, é que ele consegue sentir-se integralmente como parte do mundo onde se arrasta como um fantasma. E, também, com a Martha de Diane Lane, outra interpretação de discreta natureza, apenas em dois momentos no filme, fica demonstrado que o Deus é apenas… demasiadamente humano quanto qualquer um de nós. Não há alegria neste Superman, um sorriso ou a sombra de um momento de descontração; e, também, em momentos como o do Capitólio e de outros atos de salvamentos por ele realizados, não há uma reação que possa se dizer como pró-ativa. Tal qual Bruce/Batman, Kal-El/Clark Kent/Superman é um homem quebrado, com uma diferença para com aquele: ele ainda tem dúvidas quanto ao seu papel existencial na Terra. E são dois homens quebrados, mas com diferentes convicções quanto aos seus papéis na civilização humana, que são instigados por um Satanás (Lex Luthor) a se confrontarem.
Bruce/Batman vê no alienígena apenas o início de maiores tragédias para a Humanidade, sem nenhum resquício de redenção para “o miserável que trouxe a guerra até nós”. Não há, simplesmente, nele, o desejo de matar o alienígena que ele vê como um homicida perigosíssimo que não deveria estar na Terra. Acima de sua intenção em aniquilar aquele que ele via como a expressão de tudo aquilo contra o qual ele lutou durante toda a vida, estava o medo de ver a Humanidade, a qual ele tanto ama, totalmente destruída. A febre, a raiva, o medo e a impotência nascidas a partir da Batalha de Metrópolis levam-no ao confronto com aquele que ele vê como o arauto do apocalipse terrestre (notem aqui a sutileza do roteiro no que toca a este ponto, que será retomado posteriormente). Para O Batman não existe Kal-El, o alienígena deslocado em um mundo ao qual ainda não se adaptou; Clark Kent, o cidadão terrestre que arca com todo o peso se seu próprio existir; e O Superman, uma humana criação que apenas serve aos interesses de preenchimento e consolação de uma vazia Humanidade. E a luta entre os dois surge como uma tempestade tentando consertar dois homens interiormente quebrados… e termina em um momento de pura surreal atmosfera de identificação entre os dois que estranhou grande parte do público que já assistiu ao filme.
Martha é um nome de origem hebraica que em seu sentido literal significa Senhora e em seu sentido ideal, Caridade. Não foi, simploriamente, pelo fato dos nomes das mães de Bruce Wayne e Clark Kent serem o mesmo que a luta entre os dois foi encerrada. Há um significado mais profundo, amplamente referente aos sentidos do nome da mãe deles que não pode passar despercebido. A Tradição Esotérica fala que todo nome tem poder e quando algo ou alguém é nomeado não o é por acaso. Ao ouvir o nome de sua mãe e ao saber através de Lois que o nome da mãe de seu inimigo era também aquele, Bruce, O Batman, foi tocado por algo muito mais profundo do que possa ser pensado. “Fora da Caridade não há salvação” não é um enunciado referente apenas ao Espiritismo, mas à Religião Universal, esta que não possui dogmas, altares e templos, mas reside em todos os humanos corações. Ao aceitar ajudar a mãe do seu então inimigo, este que fora obrigado por Luthor a enfrentá-lo após ameaçar de morte aquela, que mantinha como prisioneira, Bruce/Batman encarna em si a prática de tal Religião Desconhecida pela imensa maioria da Humanidade retratada no filme e nesta à qual pertencemos. E ele salva Martha, a mãe do inimigo, demonstrando um altruísmo que não é incomum entre os heróis de verdade que estão dispostos a se sacrificarem por motivos que valham a pena todo e qualquer sacrifício.
E, ao lado daquele que acreditava ser o arauto do apocalipse terrestre e da surpreendente aparição da Mulher-Maravilha, O Batman encara Apocalypse. O Superman, então, tem o seu momento de maior presença no filme e desde que sua franquia foi reiniciada no Cinema. Visto pelo Batman como um tipo de Mal Absoluto que apenas trouxe morte, sangue, dor e destruição à Terra, ele encarna O Herói na acepção mais pura e profunda de tal termo. Cercado pela aura mística de sua histórica mitologia retratando-o como O Maior De Todos Os Super-Heróis, ele parte para o sacrifício supremo empunhando a mortal lança de ponta de Kryptonita que Batman contra ele usaria. A Lança Do Destino nas mãos do Messias Salvador da Humanidade, um Messias que não é deste mundo, pronto para impedir que o arauto do Holocausto Terrestre possa continuar a caminhar sobre a Terra. E ele atinge a criatura, é atingido por esta, os dois trenspassando-se em um momento definidor da existência de ambos. Tal como Arthur Pendragon e Mordred ao fim de Excalibur, que é citado no letreiro do cinema onde a Família Wayne passara sua última noite juntos, os dois se matam. Sem pensar em mais nada além de sacrificar-se pela Humanidade, O Superman, O Herói, aprofunda ainda mais os espinhos cravados seu corpo para poder enterrar mais profundamente a ponta da lança no do Apocalypse. E os dois caem. E os dois morrem. O Salvador. A Besta do Apocalipse. O Cordeiro Sacrificado. O Dragão Que Saiu Das Águas Da Nave Kryptoniana. O Herói. O Monstro.
E na completude da avalanche de referências míticas cristãs tão enriquecedoras do próprio Mito do Superman, a visão de seu cadáver nos braços de sua amada Lois remete aos quadros religiosos de diversas épocas e pintores a retratarem o momento no qual Maria tem nos braços o corpo sem vida de seu filho Jesus. Cruzes dominam o ambiente atrás deles e a posição do Batman e da Mulher-Maravilha ao lado deles dá uma aura mais sagrada ainda ao momento retratado. Mas, O Herói não está morto e como se sabe há muito, o corpo do Superman funciona como uma bateria solar, o que ficou claro quando, após levar Apocalypse para o espaço e ser atingido por uma bomba nuclear junto com o monstro, ele se recupera ao ser banhado pelos raios solares (mais uma grande referência ao Cavaleiro das Trevas, de uma forma diferente da original). E O Deus Solar Voltará À Vida, como a terra a erguer-se sutilmente do túmulo, terra jogada pela Lois neste, comprova. O Deus Solar Retornará, mesmo morto ele não deixará de ser um Deus, um Salvador, para a Humanidade. O Deus Solar Novamente Trará Luz Ao Mundo, sendo que a inspiração advinda de sua morte em sacrifício implicará na busca do Batman e da Mulher-Maravilha na busca de seguidores inspirados por aquele mesmo sacrifício na formação de uma Ordem Sagrada, de uma Liga da Justiça.
E um Satanás também será o motivo da formação de tal Ordem. Um Satanás Terrestre. Um Satanás chamado Lex Luthor, a destilar segunda-feira aqui no blog seu ardiloso veneno.
Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores!
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