Enfim, faleceu esses dias Albert Uderzo, criador de Astérix; um dos criadores, a bem da verdade. O outro era o roteirista René Goscinny, já morto desde a década de 70. Devo dizer que o irredutível gaulês foi um personagem bem importante da minha infância, e, apesar de não ser grande conhecedor da vida de Uderzo, achei justo fazer esse in memorian.
Quando criança, acredito que havia até
mais opções de gibis infantis do que hoje, visto que esse mercado hoje em dia é
dominado pela Turma da Mônica no Brasil. Mas, na minha infância, os quadrinhos
da Disney realmente eram uma concorrência para os da Mônica. E, na realidade,
creio que li mais histórias do Pato Donald e cia. do que da baixinha e dentuça.
E ainda havia Luluzinha e Bolinha naqueles tempos também.
E, claro, havia o quadrinho infantil gourmet, que eram as BDs franco-belgas:
Astérix, Tintim, Luke Lucky etc. Eram quadrinhos evidentemente mais caros, e,
quando ganhava um dos meus pais ou da minha avó, era só a alegria. Que eu me
lembre, Astérix realmente foi a primeira BD franco-belga que li na vida.
Sim, pode-se dizer que Astérix já era um
quadrinho infantil gourmet na minha
época, mas menos do que atualmente. A molecada de hoje em dia nem sabe o que é
Astérix. A não ser que o pai compre o quadrinho e dê para o filho de presente.
No entanto, acredito que o leitor de Astérix no Brasil seja predominantemente o
adulto, mas que na infância lia as aventuras do gaulês bigududo, junto de seu
inseparável companheiro acima do peso, Obelix. Na realidade, acredito que as
crianças desta época nem leem muito quadrinho; só jogam vídeo game e assistem a
filmes da Marvel, basicamente. E, apesar de ser gourmet, quando era criança, a gente encontrava álbuns do Astérix
para vender até no Carrefour, prova da relativa popularidade do personagem no
Brasil.
Mas o diferencial de um álbum do Astérix
para um gibi infanto-juvenil regular da Mônica, da Disney ou qualquer outro é
que a estrutura das aventuras do gaulês era a de um filme. Um álbum de Astérix
durava uma tarde de leitura. Era um tipo de enredo sem dúvida alguma mais
complexo.
É óbvio que apenas comecei a perceber algumas entrelinhas no texto de Goscinny quando crescido. A leitura das histórias de Astérix pode ser compreendida sob a ótica da criança e do adulto. É preciso ter consciência que o personagem foi criado em 1959, em uma época em que a moral da França estava meio baixa, após a Segunda Guerra Mundial. O país tinha perdido suas colônias e grande parte de sua influência cultural no mundo. Os Estados Unidos ascendiam fortemente, como a maior nação do mundo livre. Restava à França ser um país-satélite, na órbita do grande irmão americano, contra a União Soviética e o resto dos países comunistas. Foi assim na época de de Gaulle, por exemplo.
Publicado a princípio na revista Pelote, Astérix serviu para levantar o
patriotismo francês, bem como o orgulho. A aldeia liderada por Abracourcix representaria a França, um pequeno país que
resistiria ao invasor. Não é preciso ser gênio para perceber que os romanos,
sempre os vilões da história, poderiam ser uma referência tanto à Alemanha
nazista, que realmente invadiu a França territorialmente, quanto aos Estados
Unidos, que tentava invadir culturalmente o país.
Mais
ainda, antes da União Europeia, Astérix meio que unia os gauleses com os outros
povos da Europa. Nos álbuns, vemos o gaulês indo para a Bretanha, a Hispânia, a
Córsega etc.; cada povo europeu é apresentado com suas idiossincrasias e
estereótipos. Goscinny aproveitava as histórias de Astérix para realizar
crítica social. Como exemplo, temos até preocupação ambiental; antes dos
ecochatos, já era mostrado os gauleses em comunhão com a natureza. O cãozinho
Ideafix sempre latia chorosamente quando uma árvore era derrubada.
Há alguns
álbuns de destaque, como Obelix e
companhia, que é uma aberta crítica ao capitalismo selvagem. Engraçado que
me disseram que Uderzo era mais ligado à direita francesa; não sei Goscinny. Os
franceses têm fama de serem meio comunistas e muito fãs da burocracia
estatal, tipo o Brasil, mas aqui é mais puteiro.
Outro
álbum em destaque é O domínio dos deuses,
que é uma paródia à especulação imobiliária. Na história, os romanos
implementam um condomínio nas cercanias da aldeia. Então, dá para notar certa
linha de pensamento progressista nas histórias escritas por Goscinny.
Mas, de
todo modo, este artigo não é para falar necessariamente de Goscinny; minha
intenção é homenagear Uderzo. Porém, não é possível dissociar um criador do
outro; essa é a realidade. Vou citar brevemente outros trabalhos de Uderzo;
dois destes ainda em parceria com Goscinny.
O
primeiro é As Aventuras de João Pistolão,
que tratava a respeito de um corsário e sua tripulação atrapalhada. Criação de
Coscinny e Uderzo de 1952. Há ainda Humpá-Pá,o Pele Vermelha, de 1958. Este, eu tenho até hoje os cinco
álbuns publicados pela Record nos final dos anos 80. Humpá-Pá é basicamente a
história de um índio norte-americano que se torna irmão de sangue de um
explorador francês, Humberto Milfolhas, e juntos embarcam em algumas aventuras.
Também se destaca a parceria de Uderzo com J.M. Charlier, o roteirista de Tenente Blueberry, Tanguy e Laverdure. O enredo é de dois aviadores franceses que vivem algumas aventuras. Criados em 1959, mesmo ano de Astérix, as histórias dos aviadores não foram muito para a frente, uma vez que o sucesso do gaulês foi arrebatador. Praticamente, Uderzo investiu seu talento criativo apenas em Astérix depois.
Em suma, é isso. Este foi meu muito obrigado a esse artista extraordinário que foi Albert Uderzo. Se alguém pode contribuir e indicar outras criações de Uderzo além destas, que eu desconheço, fique à vontade. Volto a dizer que infelizmente não sou grande conhecedor de toda a carreira profissional de Uderzo na mídia de BDs, apesar de ser grande admirador, obviamente.
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