Ser nerd depois dos 30: quando a pilha de HQ cresce e a energia some

 



Tem uma coisa que ninguém te conta quando você tem 15 anos, descobre a primeira fase foda de um personagem e jura que “vai ler tudo desse cara um dia”: o “um dia” chega, mas junto com ele vem boleto, problema de coluna, insônia, cansaço mental e uma pilha de HQ que parece a muralha de Ataque dos Titãs. A diferença é que o Titã, nesse caso, é você mesmo, parado olhando pra lombada e pensando: “se eu abrir isso agora, eu apago na página 6”.

Ser nerd depois dos 30 é isso: você finalmente tem mais acesso (dinheiro pra encadernado, internet decente, scan de tudo), mas menos energia de CPU pra processar. Antes você devorava três formatinhos numa tarde e ainda brigava em fórum à noite; hoje você lê duas edições, levanta da cadeira rangendo e considera isso “sessão intensa de leitura”. E bate uma culpa estranha, como se estivesse “traindo” aquela versão adolescente sua que sonhava com uma coleção gigante, quarto cheio de prateleira e todos os clássicos devidamente lidos, anotados e organizados em listas.

A pilha de leitura ganha um peso simbólico bizarro. Não é só papel: é expectativa atrasada. Cada encadernado fechado é uma micro cobrança silenciosa. Aquele Omnibus que você “se deu de presente” quando recebeu alguma grana vira um monumento à sua incapacidade de organizar o próprio tempo. Às vezes você nem tira o plástico. É quase performático: você compra, posta foto, guarda… e pronto, já sente que participou do circuito cultural. Ler mesmo, a gente deixa pro “mês que vem”, esse ente mitológico que resolve tudo.

Aí entra outro fenômeno: a energia fragmentada. Você até consegue ficar 40 minutos seguido num vídeo de YouTube sobre “a pior fase do Homem de Ferro”, mas quando abre a HQ que inspirou metade daquela análise, lê três páginas e o cérebro pede um intervalo. Não é questão de “ai, perdi o amor por quadrinhos”. É fadiga mesmo. Trabalho, notícia ruim, rede social, ansiedade, sono picotado… chega na hora de ler, a mente tá mais esfarelada do que o papel jornal das edições antigas.

Tem também a questão do tempo de recuperação. Nos 15, você podia virar noite lendo Queda de Murdock e ir mancando pra escola com olheira, mas vivo. Nos 30 e tantos, se exagera numa madrugada, passa dois dias ressacado como se tivesse bebido. Aí entra aquele raciocínio cruel: “vou ler ou vou tentar dormir direito pra não estragar o dia seguinte?”. A leitura que antes era fuga passa a disputar espaço com a tua tentativa desesperada de continuar funcional.

E, mesmo assim, a gente continua comprando. Parte é vício, parte é esperança. Tem um lado nosso que insiste em acreditar que “as férias ideais” vão chegar: duas semanas sem responsabilidades, clima ameno, café pronto, silêncio e a pilha de HQ finalmente diminuindo. A realidade é que, quando rareia o compromisso, entra outra coisa no lugar: visita, série, curso, pedal, qualquer coisa. A vida adulta tem um talento especial pra ocupar qualquer brecha que poderia virar maratona de leitura.

O ponto é: não é que você virou “menos nerd”. Você virou alguém que tem menos fichas de atenção por dia pra gastar. E talvez o segredo não esteja em vencer a pilha, mas em mudar o critério. Em vez de achar que precisa “zerar tudo” pra se considerar fã, escolher bem o que vale o pouco foco que sobrou. Uma boa leitura por mês, lida com calma, comentada, ruminada, pode valer mais do que cinco encadernados lidos no automático só pra riscar da lista.

Ser nerd depois dos 30 é aceitar que a fantasia de “ler tudo” morreu, mas o prazer de ler bem ainda tá vivo. E que às vezes a coisa mais madura que você pode fazer pela sua pilha de HQ é admitir que alguns desses encadernados estão ali só pra enfeitar ego (e tá tudo certo 😉). Melhor do que fingir que um dia você vai abraçar o tempo pelo pescoço e obrigar ele a te dar aquelas tardes infinitas de adolescência de volta.

Se você chegou até aqui com uma pilha olhando pra você em alguma prateleira da casa, relaxa: ela não é prova do seu fracasso nerd. Ela é só o registro físico de alguém que continuou gostando de histórias mesmo quando a vida ficou mais pesada. Ler tudo talvez seja impossível. Mas ler o suficiente pra ainda se emocionar, se irritar e se reconhecer num personagem… isso ainda tá ao alcance. Só não vai ser mais na velocidade dos 15. E tá tudo certo.

Agora é contigo: quantos encadernados da tua pilha você realmente quer ler, e quantos estão ali só pra você se sentir “em dia” com um personagem?