Resenha - O Mundo de Kong: Uma História Natural da Ilha da Caveira



<Texto da Tag “Escritor Convidado”, escrito por: RiptorBR>

"Uma lenda feita para aqueles que ousassem enfrentar as águas da costa de Sumatra. Um local que ficou séculos fora do mundo conhecido pelo homem. Alguns diziam que estava perdida no tempo. Outros,que apenas não deveria ser sequer descoberta.

Disseram que era um local condenado,vítima de suas próprias forças. Felizmente (estranho dizer isso?) uma equipe conhecida como Project Legacy,liderada por Peter Jackson e Richard Taylor,e financiada por proeminentes universidades e organizações privadas,decidiram explorar e documentar suas descobertas. Fotografias,ilustrações e anotações até então inéditas,de uma expedição que decidiu mostrar ao grande público que o que eles tiraram dali,era apenas um pouco da real Oitava Maravilha do Mundo. E mesmo depois daquele desastre em Nova York, sim: alguém quis ir lá.



Mas não devíamos julgar esse mundo. Porque ele não é nosso. Nunca foi. Esse..

É o mundo dele".

E não,essa não é a sinopse oficial. Essa é minha mesmo (é que ela me soou mais misteriosa e chamativa que a oficial). Enfim...

É,olhe eu aí de novo com resenhas (ainda que eu ache que sou meio defasado pra fazer isso com livros "comuns"),mad pelo jeito estou me dando bem com os de Evolução Especultiva,tema este que eu sempre gostei e que fico feliz em saber que tem um público interessado,vide o desempenho das minhas anteriores sobre o tema. E agora,após um bom tempo tentando conseguir,irei fazer uma de um livro baseado em um filme:

E sim,sim eu sei que alguns devem ter trauma com livro baseado em filme (tipo quem fez a resenha do de A Forma da Água),mas é aquilo: não estamos diante de um livro comum de tramas,e felizmente o produto tem noção disso. Então,bora falar de The World of Kong: A Natural History of Skull Island ("O Mundo de Kong: Uma História Natural da Ilha da Caveira") que foi publicado em novembro de 2005 e sendo de autoria da Weta Workshop.

● Do que se trata?

Quem já leu minhas resenhas anteriores já deve estar familizariado com o tema de Evolução Especulativa,mas como ultimamente entrou uma quantidade grande de gente nova,aí vai um resumo: ela (que também é chamada de Biologia Especulativa) consiste em especular cenários alternativos à evolução "normal" que ocorreu,criando assim "mundos paralelos" caracterizados por caminhos diferentes dos ocorridos na realidade. Um exemplo:

E se a América Central (que ligou a do Norte com a do Sul,fazendo assim que espécies de ambos os lados fossem para ambos os locais) não tivesse ocorrido?



Com isso em mente,O Mundo de Kong é como se fosse um diário escrito por um descobridor (lembra até um pouco a ideia vista em Expedição que eu já resenhei) onde o autor desse,Wayne Barlowe,descreve ele mesmo o que acha durante sua exploração. E assim como Expedição,Kong tem não bem um enredo,mas uma justificativa para o que está ocorrendo,diferente do que normalmente ocorre em livros de Evolução Especulativa como os ótimos After Man & Novos Dinossauros (que eu também resenhei),e que só se sustentam com a premissa do "E Se?".

Alguns anos após a primeira expedição e a morte do último Kong em 1933 após o caos que houve em Nova York (sim,o livro é basicamente uma sequência do filme de 2005),a Ilha da Caveira tornou-se o foco principal de diferentes grupos de universidades e organizações privadas que,ao verem o nível do habitante capturado por Carl Denham,pretendem investigar e catalogar o que mais habita a mesma,criando assim uma verdadeira "corrida do ouro" com diferentes expedições e grupos que pretendem atravessar todas as regiões inexploradas do local.

Sim,depois de toda a merda que ocorreu no final do filme,eles ainda querem ir lá.

Mas se você viu o filme,sabe que a ilha não é nenhum paraíso tropical,e devido às condições caóticas do local e ao comportamento agressivo da maioria da fauna nativa e dos habitantes humanos (que não estão muito afim de conversar),muitas dessas expedições acabaram desastrosamente antes mesmo de começarem direito,com muitas baixas em apenas um ano. Mas graças a uma organização e financiamento adequados através de três partidos,o Projeto Legacy foi fundado em 1935,sendo uma expedição de três meses para documentar a ilha e seus habitantes.


E apesar de alguns contratempos e incidentes,este foi de longe o mais bem sucedido grupo em comparação com os anteriores,evidenciando não só a enorme diversidade existente nesta ilha,mas também expondo o fato de que com apenas uma exploração não seria suficiente para poder recolher tudo que poderia existir lá. Isso,por consequência,levou o projeto a se tornar uma missão de longo prazo,e não apenas mais com o objetivo de catalogar espécies: a ideia agora era também estabelecer uma base permanente.



E eu preciso dizer mesmo que isso claramente não vai dar certo? Acho que não né? Mas apesar disso,é bom citar que por mais que o livro traga essas referências ao filme do Peter Jackson (onde você pode ver o nome dele já na capa e ele mesmo na primeira imagem do post,o que mostra que ele esteve envolvido mesmo e que o livro é canônico com o longa) ele não se foca nessa "trama" que é mostrada de forma bem mastigada. Há quem diga que isso foi uma coisa só pra encher linguiça,algo que eu discordo: o foco do livro é falar da Ilha como se fosse um livro de biologia (assim como Expedição fez),onde o que está além disso "é bônus",e mostra que a obra está disposta a se sustentar sozinha,ainda que o livro seja um complemento para o filme.

● O Livro

Mas vamos falar do livro em si: sendo como dito basicamente um grande relatório de anotações (cerca de 221 páginas que cobrem dinossauros,insetos,criaturas que você vai questionar como surgiram nessa ilha etc),o livro é dividido em 6 partes que apresentam as diferentes "áreas" da ilha. Assim, temos:

● A Costa e a Aldeia em Ruínas

● As Terras Baixas

● Os Pântanos Sinuosos e suas Vias Navegáveis (que não são lá muito confiáveis)

● A Selva Fumegante

● Os Abismos Abissais

● & As terras Altas Estéreis

E posso dizer que cada um deles é bem ilustrado,onde o nível de detalhes e o bom pensamento por trás das documentações pode ser vistos claramente na documentação. Mas vale constar: não há nenhum esboço a lápis,apenas pinturas (me fez lembrar Expedição),ainda que sem o tom tão bizarro & de cores tão fortes com o qual Wayne Barlowe normalmente trabalha.



E esse detalhamento felizmente não é apenas bonito,mas útil e de fato um complemento bem vindo: o King Kong de Jackson sem dúvidas é ótimo,e um dos motivos para isso é justamente a sua Ilha da Caveira. No entanto,como há apenas um tanto de tempo que um filme pode ter,só conseguimos ver um pequeno punhado de vida selvagem local da ilha no filme (sem falar de 3 criaturas que foram cortadas dele) e que puderam ser vistas na Director's Cut,que foram um Ferructus (um dinossauro que atacou a equipe de Carl),depois que eles saíram das muralhas:

Um Piranhadon,que é um peixe gigante que ataca a equipe enquanto eles atravessavam um rio:

E por último um Brutornis,um Pássaro do Terror que um deles disparou acidentalmente e matou pouco antes deles cairem naquele abismo por culpa do Kong.



Então deu pra ver que essas mais de 200 páginas de fato são úteis,ao incluirem todos os tipos de criaturas que você viu no filme,as que foram cortadas e as inéditas (incluindo é claro a espécie de Kong),que só aparece logo no final do livro em 9 páginas,incluindo em imagens dedicadas a ele. Quem sabe você considere pouco,mas lembre que essencialmente este é um livro sobre a Ilha da Caveira e não sobre o King Kong,que por acaso vivia nela.

Sério, eu odeio Lacraias.



E a Weta Workshop aproveitou bem essa ampla premissa com tudo sendo explicado,categorizado,analisado e dissecado por meio de mapas,detalhes anatômicos e arquitetônicos,além das ilustrações que cobrem todos os conjuntos de espécies da Ilha,com cada uma tendo inclusive um nome em latim (você que manja sabe que isso é um detalhe importante). Além disso,a maioria das criaturas tem descrições variadas que podem incluir por exemplo seus comportamentos de alimentação,de defesa,acasalamento e reprodução,bem como especulações sobre como essas criaturas vibrantes e cruéis evoluíram e suas compensações evolutivas (o bestiário ainda é pontuado por citações divertidas dos diários de campo dos pesquisadores),já que você deve imaginar que nem todos eles acham esse local fascinante.

E quando eu falo que a Weta dá espaço a tudo,eu digo falando sério: indo dos parasitas até os enormes dinossauros (e passando ainda por outros répteis pre-históricos,roedores voadores,invertebrados gigantes e enxames de lampreias),o livro ainda explica como essas criaturas se divergem de seus ancestrais mais conhecidos,como é o caso do Vastatosaurus Rex.


Sim cara,eu sei que é difícil (eu inclusive citei isso naquele post de lutas Nerds do Saitama) mas aceite: aquela cena foda do Kong destruindo na porrada 3 carnívoros gigantes não foram com 3 T-Rex,mas com 3 V-Rex.

"Ahn Riptor mema merda"

Seguindo sua lógica bisões,búfalos & vacas são a mesma coisa então? Acho que não ehh.

Enfim,isso é uma coisa muito certeira tanto do livro quanto do filme de 2005: uma coisa que distingue a Skull Island de Jackson de outros cenários padrão de "mundo perdido" é justamente o fato de que ela não se sustenta em cima da suposição boba de que os sobreviventes pré-históricos da ilha estariam em estado de "paralisia evolutiva" (ou sejam,continuam a mesma coisa que eram antes). Lembre-se: eles assim como qualquer animal estão sujeitos a terem de se adaptar a novos cenários para sobreviver,e isso significa (no caso do V-Rex) ter um crânio mais grosso para suportar melhor porradas e um corpo escamoso mais blindado para suportar ferimentos mais graves. Isso sem falar em um detalhe que inclusive aparece no filme: o V-Rex tem 3 dedos em cada mão,enquanto que um T-rex e seus parentes mais próximos tinham apenas 2.

Outro exemplo interessante sobre essa (certa) evolução continuada na vida selvagem da Ilha é que existem mais grupos de criaturas voadoras aqui do que no resto do mundo: há insetos locais,pássaros e roedores voadores,mas o local também abriga cinodontes voadores,pequenos dinossauros terópodes voadores (que mais parecem Marabus,uma espécie de cegonha africana,e que aqui também são emplumados) e até mesmo um sapo voador (embora este seja mais um planador). Ironicamente,quando o livro decide comentar sobre os pterossauros,eles aqui são na verdade criaturas sem asas que vivem nas árvores.
Mas apesar dessa "dissecação",O Mundo de Kong ainda deixa a Ilha da Caveira com sua aura misteriosa (e porque não,até mesmo sobrenatural),intacta,no que ainda é um local desagradável,brutal e breve. Algo que a Weta consegue transmitir não apenas nos movimentos e aparências das criaturas,mas na ferocidade,selvageria e no ar de sobrevivência desesperada dos seus habitantes ao mostrar cenas como a visão que o olhar de um brontossauro nunca quer ver,um banquete de um bando de "Papagaios de Carniça",a vida de um escaravelho,um banho de sangue de enguias mortais e a visão traseira de um peixe à medida que ele desliza para dentro dos juncos das águas,onde nem ele sabe se vai sobreviver mais um dia. Uma natureza selvagem,nua e crua.

E o consenso geral é justamente esse: O Mundo de Kong consegue de maneira primorosa mostrar o mundo cruel da visão de Peter Jackson sobre o Rei Kong,ao revelar que para ter esse título que o gorila gigante tinha,não é uma tarefa fácil em uma terra onde ou você morre,ou mata e uma hora morre depois. Ele é perfeito? Não (a única crítica de fato que merece ser feita aqui é que algumas imagens já usadas em certos animais se repetem aqui como se fosse uma forma de "economizar" dinheiro com as ilustrações eu imagino) e querendo ou não,você ficar mais de 200 páginas de um bom livro vendo (as vezes) imagem repetida deixa aquele gosto amargo sabe? Do tipo: "será que custava tanto fazer mais umas ilustrações?"

Mas mesmo assim,é um ótimo livro para quem gosta do assunto,de dinossauros (hora tem então porque não) e claro pra quem gosta do King Kong,especialmente se estivermos falando do de 2005. É,inclusive,um livro meio triste,quando você tem noção do que aconteceu ali após 15 anos e após 7 expedições. Triste,mas com uma verdade que,querendo ou não,não é algo tão inusitado assim de se pensar sobre um local desses (e de certa forma) talvez o único jeito desse mundo de fato esconder seus segredos,porque nem mesmo esse livro deve ter revelado todos.

E talvez tenha sido melhor assim. Porque ao menos eu refleti sobre isso: quem é você para saber desses segredos? Uma pessoa?

Bom,uma pessoa nessa ilha não é nada além de um pedaço de carne ou alguém que fazia sacrifícios a um gorila. E o livro,quem sabe indiretamente (ou mesmo sem pretensão de fazer isso) taca isso na sua cara. Apenas pra rebaixar a sua espécie ao que ela realmente nunca deixou de ser: alguém que acha que pode pisar com dominância em qualquer terreno.


Nota? 9,6



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