Não tem como deixar passar. Não fazer um texto falando da morte do Stan Lee... É impossível, eu ficaria com peso na minha consciência, me sentiria mal fazendo outras coisas. O Stan Lee morreu aos 95 anos, dia 12 de novembro de 2018. Um homem que com 95 anos continuou sendo amado e idolatrado por gerações de jovens, uma atrás da outra, no mundo todo. A razão disso é óbvia. Ele é a cara humana que representa o indescritível Universo Marvel. Se você ama a Marvel, e muita gente ama, o Stan Lee é a primeira referência que nos vem a cabeça como quem você deve ser agradecido por tudo isso. Ele é reconhecido como "o criador do Universo Marvel"!
É como quando você gosta de uma banda. A maioria das pessoas costuma sentir carisma pelo vocalista, mais do que pelo baterista, tecladista ou baixista. Os outros tocam instrumentos, o que a maior parte de quem ouve as músicas não sabe fazer. Agora cantar, mesmo que sem técnica, é algo que quase todos conseguem fazer, então vem aquela identificação humana mais fácil, que abre caminho pro carinho e afeição. A cara do Stan Lee está em todos os lugares, mas em cerca de 2004 ou 2005, eu tinha lá meus dez anos de idade e eu não sabia quem era Stan Lee. Eu sabia a identidade secreta de vários heróis e vilões do Universo Marvel, mas só nessa época fui conhecer essa cinzenta figura do mundo real.
Se tratava do filme "Mutantes, Monstros e Marvels de Stan Lee", onde Kevin Smith, cineasta e roteirista de quadrinhos, entrevistava o grande ícone da Marvel sobre uma diversidade enorme de personagens, como Homem-Aranha, X-Men e Quarteto Fantástico. Hoje está disponível na Netflix, na época passava em um desses canais de filmes. Aquilo me fascinava tanto, era um homem de carne e osso falando sobre todas aquelas coisas fantasiosas que eu achava tão incansáveis! Acredito que o fato de ver uma pessoa real fazendo algo tão fantástico e bonito, como é a boa arte, me deixava assim fascinado. Ficou claro o quanto aquilo significou para mim em um exercício das aulas de Inglês na escola, onde tínhamos que colocar características nossas em uma ficha e em um item estava escrito "Ídolo". Eu não lembro de em outro momento anterior da vida eu me perguntar quem indicaria como meu ídolo... A resposta natural para mim foi escrever "Stan Lee", e foi o que fiz.
Toda vez que estava passando esse documentário eu via, não importava quanto tempo fazia que eu tinha visto da última vez, eu não me cansava de forma alguma. Talvez poderia até terminar e imediatamente ver de novo. Pensando mais sobre a resposta que eu havia dado na escola, por que aquele homem era meu ídolo? Eu tinha a impressão que, mesmo que tivesse nada a ver com quadrinhos, em qualquer área que eu trabalhasse quando adulto, eu queria ser como ele. Eu queria ter a criatividade para produzir tantas coisas diferentes e ter um legado tão diversificado e fascinante.
Não levou mais de um ano, provavelmente, e eu acompanhava semanalmente o único reality show que já gostei na minha vida: "Who Wants to be a Super Hero?". Apresentado pelo incansável Stan Lee, o divertidíssimo reality colocava várias pessoas que se caracterizavam como super-heróis para irem sendo eliminadas em desafios de heroísmo, até que só sobrasse a melhor.
Em um dos últimos episódios, quando eles precisavam dizer quem era seu herói, o participante Feedback dizia que o herói dele era o próprio Stan Lee, pois seu pai havia morrido quando era criança, e ele se resguardava lendo os quadrinhos do Homem-Aranha, sempre com suas lições de moral e esforços para fazer a coisa certa. Stan Lee era sem dúvida, o cara, meu velhinho preferido do mundo inteiro. Meu fascínio por ele era incomparável. Com o passar da juventude fui tendo outros ídolos. Adorava os cantores Alice Cooper e Ozzy Osbourne. O Alice era quase como um pai adotivo.
O produtor dos videogames Metal Gear também era um ser humano indescritível para mim, o Hideo Kojima. Sua criatividade e inteligência me impressionavam tanto que até meus leitores do blog que nunca tinham jogado o jogo já concordavam que ele era foda.
Sim... Ele tá fantasiado do vilão mais foda do Metal Gear. Tem como ficar melhor? |
Nunca parei de ler histórias em quadrinho, pelo contrário, é um hobby ao qual me dediquei cada vez mais. Nesse terreno da nona arte Alan Moore e Frank Miller tomaram um lugar mais que especial dentro de mim na adolescência, como costumam tomar com vários apaixonados por HQs. O Frank, em especial, pude ver pessoalmente na Comic-Con, um dia que só Alzheimer me fará esquecer.
E foi no meio da adolescência que eu vim saber melhor quais eram as diferenças entre a contribuição do Stan Lee e seu principal desenhista: Jack Kirby. Descobri o que era o Método Marvel de escrever histórias, também conhecido como roteiros abertos. Nesse estilo de roteiro, o "roteirista" apenas passa ao desenhista o que ele quer que aconteça na história em geral e ele a desenvolve, sem especificações do que deve acontecer em cada página ou quadro. O estilo foi usado por outros caras, mas nenhum mais famoso que o Stan Lee. Mas aí é que tá. Jack Kirby não era qualquer desenhista.
Ele foi o Rei! O primeiro e único. Então eu descobri que as histórias escritas pelo Stan Lee nunca haviam sido escritas da forma que me parecia (e que parece pra todo mundo). Eu cheguei a ficar com raiva, senti que era um ídolo falso que havia me enganado.
Hum... Só eu que ele enganou? |
Daí em diante já li um mooooooooooooooooonte de lugares que discutiam sobre as partes cinzentas da carreira do Stan Lee, inclusive um livro online E-N-O-R-M-E que se tratava justamente do que Stan havia feito e todas as façanhas de Kirby que ficaram subestimadas com a história. Aqui o link, caso queira conferir:
http://zak-site.com/CaseAgainstStanLee.html#h.4tcux7xmxl7q
O autor se refere ao Stan Lee como "um pôster de tudo que é errado no mundo". Como a minha ideia não é escrever outro livro aqui, vou direto a picaretagem que mais me surpreendeu em todas aquelas histórias. Eu não lembro exatamente o contexto, mas pediram ao Stan Lee a sinopse da primeira edição do Quarteto Fantástico, que ele teria entregado para o Jack Kirby desenhar. Então ele mostrou, tinha uma foto e tal. Maaaaaaaaaaaaaaaaas... o Jack Kirby em entrevistas disse que isso é mentira, pois ele nunca tinha recebido uma sinopse pra Fantastic Four #1. Levando em conta que o Stan Lee contou uma quantidade considerável de mentiras na sua carreira, tudo indica que quando pediram uma sinopse, ele nunca tinha feito, aí pegou e fez e fingiu que era uma que ele teria entregue ao Kirby no passado.
Esse pra mim foi o mais chocante, meu ídolo era na verdade um filho da puta. Mas têm outros problemas. O Stan até escreveu HQs em sua carreira, mas isso foi quase inexpressivo. Os trabalhos com mais destaque quando foi criado o Universo Marvel eram feitos no Marvel-Way, mais ou menos assim. O Stan Lee e o Jack Kirby trocavam umas ideias sobre a revista. Então cada um ia pra sua casa e o Kirby desenhava a história inteira. Nesse processo Kirby usava de sua genialidade, criava emoções, drama, terror, coadjuvantes, vilões, lutas, ou seja; praticamente tudo que há de fundamental em uma história. Ao terminar ele deixava nas bordas das páginas o que estava acontecendo para o Stan preencher. Então, quando o Stan pegava ele só preenchia os balões e quadros, às vezes mudando algumas coisas.
Pega por exemplo, o Duende Verde. Foi um personagem que o Stan Lee disse pro Steve Ditko fazer como vilão do Homem-Aranha. Mas ele disse pro Duende Verde ser um demônio que surgiria de um sarcófago egípcio. A gente sabe que o Ditko fez na verdade um humano com fantasia que lembrava uma bruxa, até voava em um tipo de vassoura high-tech no início.
Veja outro exemplo: quando o Jack Kirby fazia as histórias do Incrível Hulk e passava pro Stan Lee escrever os textos, ele fazia esse Hulk bobão que perdura até hoje. Essa não era a ideia do Kirby, ele não desenhava o Hulk pensando em um personagem que seria meio burro. Então o Stan influenciava, mesmo sendo pouco. O problema grave é que ele só dava pitacos pras histórias, mas saía creditado como "escritor". E fez isso por muito tempo, tirando o prestígio do desenvolvimento das histórias que era merecidamente dos desenhistas. Ele queria ter fama de escritor e conseguiu. O problema é que ele não era...
Humpft |
Eu lembro da época que saiu o filme do Doutor Estranho (que eu nem assisti) e ele foi completamente ideia do Steve Ditko, o Lee realmente só fazia os diálogos, onomatopeias e narrações. Eu vi ele dando entrevista, ele só falou algo como "eu lembro que gostava de inventar palavras da minha cabeça para os feitiços, como vishanti, agamotto, espero que eles usem esses termos no filme". Ou seja, ele não falou que criou o Doutor Estranho. Aí eu fui começando a rever minhas impressões.
O Stan Lee na verdade nunca falava que tinha feito algo que não tinha feito. Ele já havia feito isso! Mas há muito tempo, ele não construía sua fama atual dessa forma, e toda entrevista que eu via confirmava isso. As filhas da putagem haviam sido cometidas há mais de 50 anos, e inclusive já tinham sido resolvidas. O Ditko começou a ser creditado como autor das histórias do Homem-Aranha em certo ponto (tendo saído por razões que ele fala que ninguém sabe, apenas ele próprio. Chegou a afirmar que tinha nada a ver a história da identidade secreta do Duende Verde, que muitos comentam ser a razão) e o Kirby depois de ir pra DC voltou para a Marvel, fez vários trabalhos sozinho (muitos sendo cancelados) e mais alguns junto com o Stan. E acontece que depois dessas tretas, o Kirby na verdade não ficou com raiva do Stan, na verdade eles eram amigos. Ele só não gostava dos créditos que ele recebia, enquanto o Stan, meio sonso, mantinha sua reputação de criador do Universo Marvel.
As colaborações do Stan Lee eram dar pitacos... O que nos leva a...
Os pitacos eram meros pitacos?
De verdade? Não. Eram pitacos, ninguém pode negar que Stan aparentemente nunca soube conduzir uma história em todos os seus detalhes, mas os pitacos dele criaram o Universo Marvel. Consequentemente salvaram o gênero de super-heróis ocidentais e criou uma grande fatia da mitologia moderna (minha fatia favorita, hehe). Então, agora que já falamos do lado negro (mais escuro que o Batman) do Stan Lee, vamos falar das realizações que fizeram dele uma lenda, um nome único e insubstituível na história da nossa cultura.
As pessoas que não gostam do Stan se referem a ele como um idiota, o que realmente fica parecendo que ele é quando colocado como o cara que assinava em cima do que o Kirby fazia, e o Kirby era um gênio. Mas o Stan Lee foi um visionário singular, de forma que sem ele não teria existido o Universo Marvel. Isso tanto é verdade, que mesmo o autor do livro que eu comentei acima afirma que, mesmo odiando o Stan Lee, ele também criou sim o Universo Marvel e merece todos os milhões de dólares que ganhou. Stan se dedicava constantemente a ler as cartas dos leitores e nisso queria que as conexões deles com os quadrinhos fossem mais fortes, procurando responder ao que o público clamava.
"Respondendo à sessão de cartas, eu costumava conversar com os leitores, qualquer coisa que viesse na minha cabeça. Só para fazer com que os gibis não parecessem algo frio e distante, algo que você compra e depois joga fora. Eu queria que eles sentissem que comprar um gibi da Marvel fosse como visitar um velho amigo."
Ou seja, o estilo do Stan Lee era intencional. Essa forma de comunicação com o leitor era reproduzida pelas editoras que publicavam os gibis aqui no Brasil, e me lembro como eu gostava de ler a revista "Dicas&Truques para PlayStation", justamente porque ela tinha essa forma próxima de falar com o leitor. Diabos! Essa era a forma que eu mesmo procurava falar com os leitores quando tinha meu antigo blog! Seria o Stan Lee a raiz disso tudo? Até hoje quando você lê "A Liga Extraordinária" e o Alan Moore faz paródia do estilo de narração antigo conversando com o leitor, é o estilo do Stan Lee que ele está fazendo. Esse é um dos fatores que fez, e ainda faz, que tanta gente, em especial os jovens, entrem em contato com essas revistas e se apaixonem, elas acabem significando mais do que apenas uma revista. Acaba sendo criado um vínculo.
Jack Kirby era um homem de criatividade infinita, para ele o que interessava era estar fazendo sempre mais histórias a partir das questões que viam à sua cabeça. Era Stan que, entre seus pitacos, mandava que o universo marvel estivesse sempre coeso e vivo, falando para que vilões antigos retornassem.
Era ele também que conectava todas as HQs, fazendo com que os personagens se encontrassem. É claro que ele não inventou os crossovers, mas foi com Stan Lee que a Marvel começou a fazer de todas as suas revistas uma história só! Esse não é um dos fatores mais cativantes que a Marvel possui? Todo mundo chamar o Demolidor para ser seu advogado? Pedir ajuda pro Doutor Estranho quando tá tendo algum problema de ordem mística? O Jack Kirby não tinha interesse nisso, ele queria criar a Marvel, mas sem ser o universo Marvel, como Stan tão brilhantemente visualizava em um tempo que parecia tão pessimista para esse gênero.
Se deu certo? Primeiramente, nas HQs que deu muito certo. Preciso nem citar, você puxando pela sua própria memória vai pensar em várias super sagas legais que surgiram justamente de todos esses personagens se conhecerem, manterem contato e se influenciarem constantemente compartilhando do mesmo mundo. Stan notava como os fãs gostavam disso e fazia uma linha dura com todas as HQs. O maior resultado disso na minha opinião? Levando em consideração que acho esses filmes um cocôzinho, o que me vem em mente é o Universo X!
Não sabe o que é? A trilogia Terra X, Universo X e Paraíso X deve ser a mais ousada série já feita pela Marvel. Idealizada por Alex Ross e Jim Krueger, e desenvolvida por vários outros artistas, as quase 2.000 páginas dessa série se tratam simplesmente da história máxima da Marvel, onde todos os elementos que ela possuía até essa época são mesclados, como se fosse o final de uma história só. O próprio Alex Ross escreve no prefácio que "Nós não temos vergonha. Jim Krueger e eu temos a ambição suprema", que é fazer uma história que conecta toooooooooooodos os conceitos criados pelo Kirby e outros artistas que vieram futuramente, resultando em uma das leituras mais difíceis que eu já fiz. Tanto que eu tinha vontade de escrever um post sobre essa série, mas até hoje não tive culhão.
É tudo entremeado por um texto de primeira, com reflexões profundas de muita qualidade, o que não tem nos filmes, que não se importam de colocar um tiquinho a mais de drama ou complexidade nas suas aventuras, por isso pra mim eles não representam o melhor do Universo Marvel. Eles têm a faca e a Fox na mão pra fazer a série de fantasia mais fantástica da história do cinema, mas já esclareceram que o interesse é fazer um tipo de Zorra Total, menos impactante que Harry Potter. Mas não a Trilogia X, pra mim ela representa o potencial máximo que a Marvel tem, o nível mais alto que ela consegue alcançar, pois é afinal, extremamente ganancioso. Tanto que nem é muito popular, sendo uma leitura gigantesca, às vezes massante e complicada.
Era com isso, em menor escala, que sonhava o Stan Lee, esse mundo compartilhado. Agora falando dos filmes medíocres, esse conceito dá tão certo, que do que os filmes são feitos??? Constantes referências aos personagens dos outros filmes, cenas pós-créditos da mesma natureza e afins. Se deu certo??? Mano, tentaram copiar esse estilo até com monstros clássicos da Fox como Múmia e Conde Drácula. O Stan Lee sem dúvidas revolucionou a cultura. O que antes era feito para um nicho, hoje virou uma super-moda e leva a recordes de bilheteria quase mensais. Junto a isso, ele deu algumas ideias que foram fundamentais para a criação de personagens como Magneto e Demolidor.
Na Internet você vê uns comentários meio exagerados sobre o Stan Lee, que sinceramente, eu acho que são mentira. Por exemplo, eu vi gente responsabilizando ele porque o criador do Rocket Racoon vive em condições trágicas de falta de dinheiro, enquanto os filmes com seu personagem geram milhões de dólares, e isso é culpa do Stan Lee. Eu pensei, culpa aonde? Quando ia sair o primeiro filme, lembro direitinho de uma cacetada de entrevista que faziam com ele, e pra surpresa das pessoas ele dizia que nem sabia quem eram os Guardiões da Galáxia. Em uma entrevista pra Playboy de alguns anos atrás, ele responde às acusações de ter sacaneado o Kirby e o Ditko:
"Eu sempre procurei mostra-los da melhor forma possível, mesmo nos créditos. Nunca houve um tempo em que estava escrito apenas 'por Stan Lee'. Sempre foi 'por Stan Lee e Steve Ditko', ou 'por Stan Lee e Jack Kirby'. Eu garantia que os nomes deles estivesse do mesmo tamanho que o meu.
No que se trata do quanto eles eram pagos, eu tenho nada a ver com isso. Eles eram contratados como artistas freelance, e trabalharam como artistas freelance. Em algum pontos parece que eles sentiram que deveriam estar ganhando mais dinheiro. Ótimo. Era com eles ter ido falar com o editor. Tinha nada a ver comigo. Eu gostaria de ter ganhado mais dinheiro também. Eu nunca criei um problema nisso. Eu ganhava por página escrita, o mesmo que outros escritores, talvez um dólar a mais por página.
Se você me pergunta, eles deveriam ter ganhado mais? Então você teria que dizer, John Romita não deveria ter ganhado mais? Gil Kane não devia ter ganhado mais? John Buscema? Eles eram todos ótimos artistas da Marvel. Ou seja, se alguém desenha uma revista e ela se torna um sucesso, você volta atrás? Eu não sei. Essa é a razão porque nunca fui um homem de negócios e nunca quis ser um homem de negócios. Eu não sei como lidar com essas coisas...
E duas vezes, não apenas uma, eu ofereci um emprego para Jack Kirby. Eu disse para ele 'Jack, por que você não trabalha na Marvel comigo?'. Eu era o diretor de arte na época. Eu disse 'Você vai ser o diretor de arte. Eu serei só o editor e escritor principal, e você vai ter essa estabilidade'. Ele não queria. Eu teria amado trabalhar com ele ao meu lado. Eu costumava ficar maravilhado com a forma que Jack desenhava. Ele desenhava como se tivesse aparecido na sua cabeça e estivesse apenas passando o que já tinha pensado. Eu nunca vi um homem desenhar tão rápido como Jack. 'Venha trabalhar comigo, Jack' eu disse. Mas ele disse não. Ele não queria um trabalho em grupo. Com ele, assim como com Ditko, eu não vejo onde foram tratados injustamente.
Eu sempre fui empregado da Marvel. Um escritor alugado, e depois, parte da administração. A Marvel sempre teve os direitos desses personagens. Se eu tivesse, provavelmente não estaria falando com você agora."
Em um mundo perfeito, Stan Lee nunca teria enganado ninguém e sua história seria muito mais bonita, como se fosse um super-herói do mundo real. Com certeza seria lembrado como um dos maiores editores do mercado ocidental, visto como suas ideias e persistência mudaram completamente o jogo. Tenho certeza que saberíamos dele, Karen Berger é bem menor, e sendo apenas editora é lembrada como uma titã por qualquer um que curta DC Comics e Vertigo. Mas chega no extremo em que eu vejo pessoas dizendo que o Stan Lee não deveria fazer pontas nos filmes, porque ele é um filho da puta. Sinceramente? Chego a achar isso meio doentio. Por que ele não apareceria nos filmes se as pessoas gostam que ele apareça? O Jack Kirby morreu em 94, me diz, como que ele ia aparecer? E mais, falar que os outros artistas não são lembrados? Não são lembrados por quem? Isso me parece feminista falando que não existe heroínas mulheres.
Tem uma diferença entre você não conhecer uma coisa e ela não existir. Um monte de artistas fazem cameos, a diferença é que as pessoas não percebem. O Walt Simonson aparece no filme do Thor, o JMS na mesma cena que o Stan Lee, tem o Frank Miller nos filmes do Sin City, o Roy Thomas no Demolidor...
Tem até um texto transcrito aqui no blog mesmo, onde um cara flerta com o nazismo, dizendo que se ver uma edição da revista Mundo dos Super-Heróis falando do Stan Lee, ele vai botar fogo na revista. Isso passa de ser um exagero e passa a não ter base nenhuma. A Marvel teve uma trindade que foi o seu pilar, entre vários outros colaboradores. Foram esses três homens: Steve Ditko, Jack Kirby e Stan Lee. Acho que é justiça que todos que conhecemos a história da Marvel a contemos direito, com o Lee sendo o grande editor que foi, e não um grande escritor, já que escritor ele até foi, mas não era tão bom nisso. Pra mim é insanidade acreditar que quase todos os profissionais da indústria de quadrinhos, Byrne, Thomas, Romita, iam ser enganados por um cara que fosse primordialmente um filho da puta e iam gostar dele. Não me parece impossível, mas bem improvável. O Kirby então, era ex-militar e ex-gângster, se o Stan fosse tão ruim assim aposto que o Kirby tinha partido ele na porrada. A bela ilustração abaixo inclusive, foi feita pelo lendário Neal Adams, um dos vários colaboradores que trabalharam com Lee.
Como acaba a minha história com Stan Lee? Hoje eu faço dois estágios diferentes, um de manhã e outro de tarde. Tenho duas horas de intervalo entre o tempo de começar as aulas da faculdade, tempo que eu uso pra estudar e ver trabalhos. Eis que em uma breve olhada no Facebook, vejo que é um fato, o Stan Lee morreu. Eu não penso duas vezes, do jeito que minha rotina é apertada, se eu não parasse pra traduzir "God Woke" imediatamente, eu não ia conseguir tirar tempo pra fazer isso nunca. Achei que fosse ser mais rápido... Eu digito rápido... Mas são 10 minutos de poesia, então demorei UMA HORA.
https://ozymandiasrealista.blogspot.com/2018/11/deus-acordou-homenagem-stan-lee.html
Quando fui ver, no meio do processo precisei levantar e ir no banheiro que eu estava começando a chorar. Não esperava por essa, era como se um parente meu tivesse morrido. Lembrei do que o Daniel Lopes, do canal Pipoca&Nanquim tinha comentado uma vez. o Stan Lee e cia. criaram tanta coisa, que no final eles criaram até a gente! Crescemos com esses personagens, nos influenciando, nos moldando, por fim eles fazem parte de nós. Não é comum vermos nomes específicos que podem ser responsabilizados pela criação de mitologias inteiras. Fábulas, contos de fadas antigos ninguém sabe quem foram os autores, mas Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko fizeram o Universo Marvel, tão legal como sabemos que ele é.
Hoje sabendo quais foram as influências do Stan Lee pra criação do Universo Marvel, eu continuo sendo agradecido a ele, mesmo que de uma forma diferente. Tem pessoas que já me fizeram mal pessoalmente e eu não odeio, imagina se vou odiar um velho que foi sacana há mais de 50 anos e nem os colegas dele se importam mais. É possível celebrar o Stan Lee. Seus crimes não são esquecíveis, mas suas realizações tiveram um valor muito maior. Não tenho menos que gratidão por esses homens, tornaram o mundo e a vida muito mais incríveis pra milhões de pessoas. Sei que mesmo nos momentos mais sombrios, quando tive um bom gibi fui o menino mais feliz do mundo, e vai saber quanta diferença isso não fez?
Em 1994 faleceu Jack Kirby, alguns meses atrás Steve Ditko, enfim perdemos Stan Lee. Eu estou quase de férias, conforme puder posto mais coisas em homenagens ao Stan (note que só consegui fazer isso por causa do feriado). Por hora deixo essa bela homenagem que a Marvel fez e, como não poderia faltar, um vídeo com as cameos.
O excelsior eu deixo pra quando achar que foi a última parte da homenagem. Abraço a todos, agradeço pelo espaço, pelos leitores e pelos colegas de blog.
Apenas gratidão! |
1 Comentários
Excelente texto. Obrigado por essas palavras . Todo respeito a Stan, mas sou fa mesmo é do the king KIRBY.
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