Nos últimos tempos, tem havido um fenômeno político e midiático que consiste na estigmatização e na politização de palavras que em sua origem não têm nada de racista. Isso é reflexo do tal “marxismo cultural”, ou identitarismo ou estudos culturais, que assolou as universidades não apenas no Brasil, mas também no resto do mundo. No entanto, no meu entender, mais grave é a mídia, que deveria informar, veicular tais palavras como sendo de origem racista e a Justiça validar. A coisa chegou a um nível ultimamente que passou do ridículo para o surreal.
Há
não muito tempo atrás, o TSE publicou uma cartilha em que listava algumas
dessas palavras de cunho racista. Houve questionamento a respeito de se um tribunal
que deveria ter a função precípua de zelar pela justiça eleitoral também teria
a atribuição de ser um “fiscal da língua”. Muita gente anda puta da vida com o
Xandão por vários motivos, e esse foi mais um. No entanto, o grande problema
não é nem a discussão da atribuição do TSE no tema, mas sim o fato de que pôr a
pecha de racistas em palavras que na realidade não o são.
Qual a surpresa quando vemos nessa lista o
verbo “denegrir”, que na realidade antecede o período escravocrata e não tem
nada de racista em sua etimologia, que provém do latim denigrare, o qual
significa “manchar” ou “tornar escuro”. No entanto, alguns afirmam esse é um
verbo racista em razão de seu sentido negativo. Sendo assim, sugerem que seja
substituído por “difamar” ou “maldizer”. Não obstante esses não serem sinônimos
diretos. Podemos exemplificar isso com a seguinte frase: “O presidente
‘denegriu’ sua imagem com as acusações de abuso sexual”; se formos alterar tal
frase por “O presidente ‘difamou’ sua imagem com as acusações de abuso sexual”,
veremos o quão ridículo e fora de contexto ficou a substituição do verbo.
A
despeito disso, recentemente, tanto na Globo News quanto na CNN, dois
jornalistas foram corrigidos ao vivo por utilizarem o verbo “denegrir”, pois
esta seria uma palavra supostamente racista. Isso poderia até ser tipificado
como assédio moral, uma vez que foi uma advertência pública, em ambiente de
trabalho. “Denegrir” tanto não é racista como também foi empregado por Machado
de Assis e Lima Barreto, dois escritores negros, em seus textos. Por exemplo,
Machado, em seu conto Aurora, escreveu a seguinte frase: “Ah! meu amigo,
(...) não imagina quantos invejosos
andam a denegrir meu nome”. Por sua vez, Lima Barreto, em sua obra Clara dos
Anjos, redigiu a presente frase: “Marramaque, poeta raté, tinha uma grande virtude,
como tal: não denegrir os companheiros que subiram nem os que ganharam celebridade” .
Portanto, percebe-se que o verbo denegrir não tem significado racista, e pode-se
dizer que quem sustenta isso pode estar usando de certa má-fé.
https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/05/24/comentarista-globonews-termo-denegrir.html
https://revistaoeste.com/brasil/apresentador-da-cnn-brasil-acusa-comentarista-de-usar-termo-racista/
Há também outros casos.
“Esclarecer” é considerado racista porque a alusão do “claro” a algo positivo
em oposição ao “negro” negativo contribui para o racismo, o que é um pensamento
no mínimo questionável. “Criado-mudo” seria racista porque se originaria do
costume de que os escravos ficariam mudos velando os senhores, quando na
realidade criado-mudo é uma tradução literal de dumbwaiter; ou seja, nada de racismo.
E há outras palavras que também entraram no Index Prohibitorum. “Meia-tigela”, que já se provou não ter origem racista. “Meia-tigela”
na realidade era uma meia-porção que era servida aos fidalgos em Portugal há
muitos séculos. “Feito nas coxas”, igualmente. A expressão “feito nas coxas
provavelmente se refere ao coito interrompido, quando o homem ejaculava na coxa
da mulher, para não engravidá-la. Não tem relação com telhas que eram moldadas
fervendo nas coxas de escravos, como alguns sustentam.
A respeito da desmistificação desses termos, vale a pena ver os vídeos do professor Paulo Jamilk, que refuta a origem racista em todos.
E à caça às
palavras supostamente racistas não para aí, sobrou até para os adjetivos:
expressões como “mercado negro”, “humor negro”, “lista negra”, “nuvens negras”
etc. seriam racistas apenas por “negro” apresentar sentido negativo, ainda que
seja o negro no sentido figurado, abstrato, e não no racial.
Ou seja, essas questão
de acusar palavras da língua portuguesa de serem supostamente racistas na
realidade é a clássica tática de criar polêmica onde não existe, talvez para
distrair as pessoas de assuntos mais importantes. Não costumo falar muito da minha
vida pessoal, mas na realidade sou formado em letras e trabalho como revisor de
textos. E, em minha profissão, já presenciei sim alguns revisores de textos com
vieses ideológicos que alteraram palavras que consideraram racistas sem sê-las.
E você me pergunta:
“é crime usar essas palavras?”. Praticamente sim; elas foram criminalizadas,
principalmente quando a Justiça usa de sua influência para dar um peso racista
a elas e constranger quem as emprega. Só não é crime o uso dessas palavras
porque os dicionários não as classificam como racistas ainda, mas acredito que
até eles entrem na onda com o tempo. Se fosse até há alguns anos atrás, diria
que isso nunca aconteceria, mas hoje não tenho certeza
Nessa conjuntura, me parece que estamos na mesma realidade que a Dona Mandala, personagem cômica interpretada pela saudosa humorista Marina Miranda, para a qual qualquer expressão que tivesse “negro”, “preto” ou “escuro” seria racista. Porém, o que antes era paródia e humor está se tornando algo sério. A meu ver, isso é preocupante, pois tal patrulhamento das palavras não ajuda a combater o racismo. Ao contrário, talvez até contribua para aumentá-lo.
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