A MORTE DE BALDUR – OS ELFOS – CARACTERES RÚNICOS – OS ESCALDOS – A ISLÂNDIA

 


E chegamos ao fim das breves transcrições contando um pouco mais da mitologia nórdica, com o foco no Thor. Os contos daqui são mais conhecidos por já terem sido adaptados (ou adulterados, se preferir) em muitas obras, o supracitado Ragnarok. Se gostou do post, deixe seu comentário e compartilhe nas suas redes, se seguimos...

 

Posts anteriores:

 

A VISITA DE THOR A JOTUNHEIM, O PAÍS DOS GIGANTES:

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COMO TOR PAGOU SEU SALÁRIO AO GIGANTE DA MONTANHA: https://ozymandiasrealista.blogspot.com/2019/06/como-tor-pagou-seu-salario-ao-gigante.html

 

COMO THOR RECUPEROU SEU MARTELO (Mitologia Nórdica): https://ozymandiasrealista.blogspot.com/2022/04/como-thor-recuperou-seu-martelo.html

 

 

 

A MORTE DE BALDUR

 

Baldur em God of War

Baldur, o Bom, tendo sido atormentado com horríveis pesadelos que mostravam que sua vida corria perigo, contou-os aos deuses reunidos, que resolveram conjugar o perigo que o ameaçava. Então, Friga, a esposa de Odin, conseguiu que o fogo e a água, o ferro e todos os outros metais, as pedras, as árvores, as feras, as aves, os peixes e os seres que rastejam jurassem que nenhum deles faria mal a Baldur. Odin, não satisfeito com tudo isso e assustado com o destino de seu filho, resolveu consultar a profetisa Angerbode, uma giganta, mãe de Fenris, de Hela e da serpente Midgard. Angerbode morrera, e Odin foi forçado a procurá-la nos domínios de Hela.

Os outros deuses, porém, julgando suficiente o que Friga fizera, divertiram-se, utilizando-se de Baldur como alvo: alguns lhe atiravam dardos; outros lhe atiravam pedras, outros o feriam com suas espadas e suas achas-de-armas, pois, por mais que fizessem, nenhum deles conseguira feri-lo. Isso se tornara o passatempo favorito e era considerado como uma honra dispensada a Baldur. Loki, porém, ao assistir à cena, ficou profundamente irritado vendo que Baldur ficava ileso. Assim, tomando a forma de uma mulher, dirigiu-se a Fesalir, a mansão de Friga. Ao ver a suposta mulher, aquela deusa perguntou-lhe se sabia o que os deuses estavam fazendo em suas reuniões. A mulher respondeu que estavam lançando dardos e pedras contra Baldur, sem conseguirem feri-lo.

– Ah! – exclamou Friga. – Nem as pedras, nem as lanças, nem qualquer outra coisa conseguirá ferir Baldur, pois obtive um juramento de todas elas.

– Como? – perguntou a mulher. – Todas as coisas juraram que pouparão Baldur?

– Todas as coisas – replicou Friga – com exceção de uma planta que cresce no lado oriental do Valhala, chamada visco e que achei muito jovem e muito fraca para poder jurar.

Logo que ouviu essas palavras, Loki afastou-se e, retomando à sua forma natural, cortou a planta e voltou ao lugar onde os deuses estavam reunidos. Ali encontrou Hodur afastado dos outros, sem compartilhar da diversão, devido à sua cegueira.




– Por que não atiras, também, alguma coisa em Baldur? – perguntou-lhe Loki.

 

Hermod e o cavalo Sleipnir, que tinha oito pernas

 

Simon Carter Gallery, Woodbridge, Suffolk

 

– Porque sou cego e não vejo onde está Baldur e, além disso, nada tenho para atirar – respondeu Hodur.

– Ora! Faze como o resto e concede uma honra a Baldur atirando contra ele este pedaço de madeira – disse Loki. Dirigirei teu braço para o lugar onde ele se encontra.

Hodur pegou, então, a madeira, e, dirigido por Loki, atirou-a em Baldur, que, atravessado por ela, caiu sem vida.

Certamente, jamais se testemunhara, quer entre os deuses quer entre os homens, atrocidade comparável a essa. Quando Baldur caiu, os deuses foram tomados de horror, incapazes de dizer uma palavra, e depois olharam uns para os outros, todos desejosos de pôr as mãos no autor do atentado, mas foram obrigados a adiar a vingança, em respeito ao lugar sagrado onde se achavam reunidos. Deram vazão a seu pesar por altas lamentações. Quando se acalmaram, Friga perguntou-lhes quem dentre eles desejava conquistar todo seu amor e boa vontade.

– Para isso – disse ela – ele terá que ir à morada de Hela e oferecer-lhe um resgate se ela permitir que Baldur volte a Asgard.

Ouvindo isto, Hermod, apelidado o Ágil, filho de Odin, ofereceu-se para fazer a viagem. O cavalo de Odin, Sleipnir, que tinha oito pernas e corria mais que o vento, foi arreado, e, cavalgando-o, Hermod partiu a galope para a sua missão. Durante nove dias e nove noites, galopou através de tão profunda escuridão que não podia distinguir coisa alguma, até que chegou ao Rio Gyoll, onde ele passou por uma ponte revestida de ouro reluzente. A donzela que guardava a ponte perguntou-lhe seu nome e sua linhagem, dizendo-lhe que, na véspera, cinco bandos de mortos haviam galopado pela ponte sem abalá-la tanto quanto a abalara ele sozinho.

– Mas tu não tens o aspecto de morto – acrescentou. Por que galopas a caminho da morada dos mortos?

– Para procurar Baldur – respondeu Hermod. – Viste-o passar?

– Baldur atravessou a ponte sobre o Gyoll e ali fica o caminho que ele seguiu para a morada da morte – respondeu a donzela.

Hermod prosseguiu viagem até chegar às portas da morada dos mortos. Ali apeou, apertou bem a sela e, montando de novo, cravou ambas as esporas no cavalo, que atravessou a porta sem tocá-la, dando um enorme salto. Hermod, então, galopou para o palácio, onde encontrou seu irmão Baldur ocupando o lugar mais destacado do salão, e passou a noite em sua companhia. Na manhã seguinte, pediu a Hela que permitisse que Baldur regressasse com ele, afirmando-lhe que, entre os deuses, todos lamentavam a sua morte. Hela respondeu que se verificaria agora, realmente, se Baldur era tão amado quanto dizia.

– Se, portanto – acrescentou -, todas as coisas do mundo, tanto vivas como sem vida, o pranteiam, ele voltará à vida. Se, porém, alguma coisa falar contra ele, ou se recusar a chorá-lo, ele ficará aqui.

Hermod voltou então a Asgard e relatou tudo que vira e ouvira.

Os deuses enviaram, então, mensageiros ao mundo inteiro, a fim de pedir a todas as coisas que chorassem, para que Baldur pudesse sair da mansão dos mortos. Todas as coisas atenderam de boa vontade ao pedido, tanto os homens e os outros seres vivos como a terra, as pedras, as árvores e os metais, da mesma maneira que vemos estas coisas chorar, quando são levadas de algum lugar quente para um lugar frio. Quando regressavam, os mensageiros encontraram uma velha chamada Thaukt, sentada numa caverna, e pediram-lhe que chorasse, para tirar Baldur da morada dos mortos. Ela, porém, respondeu:

 

Com os olhos bem enxutos

A velha vai chorar

A morte de Baldur.

Deixai Hela o guardar.

 

Houve sérias desconfianças que a velha não era outra senão o próprio Loki, que jamais cessou de fazer o mal entre os deuses e os homens. Assim, Baldur foi impedido de voltar a Asgard.

 

OS FUNERAIS DE BALDUR




 

Os deuses levaram o corpo do morto para a costa onde estava o navio de Baldur, “Hringham”, que passava por ser o maior do mundo. O cadáver foi colocado na pira funerária, a bordo do navio, e a dor de sua esposa Nanna foi tão grande que ela morreu e seu corpo foi cremado na pira, junto com o do marido. Assistiram aos funerais de Baldur Odin, acompanhado de Friga, das Valquírias e seus corvos; Frei em seu carro puxado pelo javali Guillibursti; Heindall montando seu cavalo Gulltopp, e Freia em seu carro puxado por gatos, além de muitos gigantes do Gelo e gigantes da Montanha. O cavalo de Baldur foi colocado na pira, inteiramente arreado, e consumido pelas mesmas chamas que consumiram o corpo de seu dono.

Loki, porém, não escapou ao merecido castigo. Quando ele viu o quanto estavam indignados os deuses, fugiu para a montanha e construiu, para morar, uma cabana com quatro portas, de modo que pudesse vigiar, por todos os lados, qualquer perigo. Inventou uma rede para apanhar peixes, que todos os pescadores usaram desde então. Odin, porém, descobriu-o em seu esconderijo, e os deuses se reuniram para prendê-lo. Loki então transformou-se num salmão e escondeu-se entre as pedras do regato. Os deuses, contudo, vasculharam o regato com sua rede e pegaram Loki, que tudo fez para escapar entre as malhas da rede. Thor agarrou-o pela cauda, apertando-a, e é por isso que os salmões têm, até hoje, a cauda muito fina. Os deuses, então, acorrentaram Loki e suspenderam sobre sua cabeça uma serpente, cujo veneno cai constantemente sobre seu rosto, gota a gota. Sua esposa Siguna, sentada a seu lado, apanha as gotas em uma taça, à medida que caem, mas, quando vai esvaziar a taça, o veneno cai em cima de Loki, fazendo-o contorcer-se de horror, com tal violência, que a terra inteira treme, produzindo o que os homens chamam de terremoto.


Loki amarrado na rocha enquanto o veneno da serpente cai sobre ele, D. PENROSE, C. 1870


 

OS ELFOS




 

Os “Edas” mencionam outra classe de seres, inferiores aos deuses, mas que, ainda assim, possuíam grande poder: eram chamados Elfos. Os espíritos brancos, ou Elfos da Luz, eram dotados de grande beleza, mais brilhantes que o sol e traziam vestes delicadas e transparentes; amavam a luz, eram benevolentes para com a humanidade e, em geral, tinham o aspecto de crianças louras e belas. Seu país chamava-se Alfheim e era domínio de Frei, o deus do sol, sob cuja luz os elfos estavam sempre brincando.

Os elfos negros, ou Elfos da Noite, eram criaturas diferentes: anões feios, narigudos, de uma cor escura e suja, que apareciam somente à noite, pois evitavam o sol como o inimigo mais mortal, uma vez que, se os raios solares caíssem sobre eles, os transformavam imediatamente em pedras. Sua linguagem era o eco das solidões, e suas moradas, as cavernas e covas subterrâneas. Supunha-se que eles tinham surgido como larvas, produzidas pela carne em decomposição do cadáver de Ymir, e receberam depois, dos deuses, uma forma humana e grande inteligência. Distinguiam-se, particularmente, pelo conhecimento dos poderes misteriosos da natureza e pelos caracteres, que gravavam e explicavam. Eram habilíssimos artífices e trabalhavam em metal e madeira. Entre suas obras mais notáveis estavam o machado de Thor e o navio “Skiddaladnir", que ofereceram a Freyr e que era tão grande que nele cabiam todas as divindades com suas armas e utensílios domésticos, mas construído com tal habilidade que, quando dobrado, podia caber em um bolso.

 

RAGNAROK O CREPÚSCULO DOS DEUSES



 

Os nórdicos acreditavam firmemente que chegariam a um tempo em que seriam destruídos, com toda a criação visível, os deuses do Valhala e de Niffleheim, os habitantes de Jotunheim, Alfheim e Midgard, juntamente com suas moradas. O pavoroso dia da destruição não viria, porém, inesperadamente. Para anunciá-lo surgiria, primeiro, um inverno tríplice, durante o qual a neve cairia dos quatro cantos do céu, o congelamento seria rigoroso, o vento cortante, o tempo tempestuoso e o sol não traria alegria. Suceder-se-iam três invernos sem serem temperados por um único verão. Três outros invernos seguir-se-iam, durante os quais a guerra e a discórdia se espalhariam pelo universo. A própria Terra ficaria amedrontada e começaria a tremer, o mar sairia de seu leito, o céu se abriria e os homens morreriam em grande número, enquanto as águias do ar se regozijariam sobre seus corpos trêmulos. O lobo Fenris arrebentará a corrente que o prende, a serpente de Midgard levantar-se-á de seu leito no mar e Loki, libertado de suas cadeias, juntar-se-á aos inimigos dos deuses. No meio da devastação geral, os filhos de Musplheim acorrerão, sob a chefia de Surtur, adiante e atrás do qual irromperão, chamas devastadoras. Os assaltantes avançariam pela ponte do arco-íris, Bifrost, que se quebraria sob os cascos dos cavalos. Sem se incomodar com a queda, porém, eles se dirigiriam ao campo de batalha chamado Vigrid, onde também apareceriam o lobo Fenris, a serpente de Midgard, Loki com todos os seguidores de Hela e os gigantes do Gelo.

Heindall levantar-se-ia e soaria a trombeta Giallar, para chamar à luta todos os deuses e heróis. Os deuses avançam, chefiados por Odin, que ataca o lobo Fenris, mas cai vítima do monstro, que, por sua vez, é morto pelo filho de Odin, Vidar. Thor destaca-se, matando a serpente de Midgard, mas cai morto, sufocado pelo veneno que o monstro moribundo vomita sobre ele. Loki e Heindall enfrentam-se e ambos são mortos. Tendo caído na batalha, os deuses e seus inimigos, Surtur, que matou Frei, incendeia o universo, que é inteiramente consumido pelo fogo. O sol se apaga, a terra se afunda no oceano, as estrelas caem do céu e deixa de haver o tempo.

Depois disso, Alfadur (o Todo-Poderoso) fará com que surjam do mar um novo céu e uma nova terra. A nova terra contará com abundantes recursos, que produzirão espontaneamente os seus frutos, sem necessidade de trabalho ou preocupação. A maldade e a miséria não serão mais conhecidas, e os deuses e os homens viverão felizes para sempre.

 

CARACTERES RÚNICOS



Não se pode viajar extensamente pela Dinamarca, Noruega ou Suécia sem se encontrar grandes pedras de formatos diferentes que têm gravados os caracteres chamados rúnicos, à primeira vista diferentes de todos os outros que conhecemos. As letras consistem, quase invariavelmente, em varinhas retas, dispostas isoladamente ou juntas umas com as outras.

Essas varinhas eram usadas, nos tempos primitivos, pelos povos nórdicos, para predizer os acontecimentos futuros. Sacudiam-se e, pelas figuras que formavam, faziam-se as adivinhações.

Os caracteres rúnicos são de vários tipos, sendo usados principalmente para finalidades mágicas. Os malignos, ou runas amargos, como eram chamados, eram empregados para causar aos inimigos várias espécies de mal, e os caracteres benignos para evitar o infortúnio. Alguns tinham finalidades medicinais, outros eram empregados para a conquista do amor etc. Em épocas posteriores passaram a ser empregados, com frequência, em inscrições, mais de mil das quais foram descobertas. A língua é um dialeto do godo, chamado norreno, ainda usado na Islândia. As inscrições podem, portanto, ser lidas, mas, até agora, foram encontradas pouquíssimas capazes de trazer qualquer esclarecimento sobre fatos históricos. Em sua maior parte, são epitáfios gravados em túmulos.

 

OS ESCALDOS




Os escaldos eram os bardos e poetas da nação, classe de homens muito importante em todas as comunidades ainda no estágio primitivo da civilização. Eram os depositários de todas as narrativas históricas, e sua função consistia em misturar algo de deleite intelectual com os rudes festins dos guerreiros, relembrando, através das obras de poesia e música, que estavam a seu alcance executar as façanhas dos heróis vivos ou mortos. As composições dos escaldos eram chamadas Sagas, e muitas delas chegaram até nós contendo valiosas contribuições para a história e uma descrição fiel do estado da sociedade na época a que se refere.

 

A ISLÂNDIA





Os “Edas” e as sagas vieram-nos da Islândia. O seguinte trecho da obra de Carlyle, Heróis e Culto do Heroísmo, apresenta uma viva descrição do país onde tiveram sua origem as estranhas histórias que acabamos de ler. O leitor notará o contraste com a Grécia, pátria da mitologia clássica:

“Naquela estranha ilha, a Islândia – empurrada, segundo dizem os geólogos, pelo fogo do fundo do mar, uma terra selvagem de desolação e lava, engolida durante muitos meses de cada ano por negras tempestades, embora dotada no verão de uma beleza selvagem e brilhante, erguendo-se imponente e sombria no Oceano Nórdico com suas yokuls (montanhas de neve), gêiseres (fontes de água quente) borbulhantes, lagoas de enxofre e hórridas fendas vulcânicas, semelhante a um desolado e caótico campo de batalha do Gelo e do Fogo, onde, entre todos os lugares, menos poderíamos esperar uma literatura ou memórias escritas -, foi escrito o registro dessas coisas. Na costa dessa terra selvagem fica uma faixa de verdura, onde o gado pode subsistir, e o homem, por meio dele e do que o mar lhe fornece; e parece que eram muito poéticos esses homens, homens que tinham em si pensamentos profundos e exprimiam musicalmente seus pensamentos. Muito se teria perdido se a Islândia não tivesse irrompido do mar, nem tivesse sido descoberta pelos nórdicos.”




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