O MITO DE JAN VOJIK - Conclusão!

  




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CAPÍTULO 17


Mike acordou, um tanto atordoado, desorientado, sem saber se estava realmente acordado, e por um instante não reconheceu o local. Aos poucos a consciência foi retornando, se deu conta de onde estava, e se lembrou da experiência da noite anterior. Se levantou sentindo bem mais leve. Na verdade, não saberia precisar a última vez que se sentiu tão bem assim, fisicamente e emocionalmente. Estava renovado em todos os sentidos. Conforme ia se lembrando da experiência na cabana do suor, seu coração ia se agitando, e Mike se arrepiava por inteiro. Que experiência fascinante, extraordinária. E  sabia exatamente o que deveria fazer.


Foi até a sala, colocou novamente a fita de seu treinamento com Jan, e ali ficou, olhos grudados na TV, analisando os movimentos do seu treinador, vez ou  outra ele voltava a fita para poder ver com mais atenção um determinado movimento seu ou de Jan. E cada vez que fazia isso, abria um sorriso de satisfação. Tinha aquela expressão de quem conseguia ir fechando um intrincado quebra-cabeça. Jan do lado de fora da casa viu o que Mike fazia, e resolveu não entrar, a fim de não quebrar a concentração do jovem.


Passados alguns minutos, Mike saiu da casa esbaforido, e deu de cara com Jan, que o esperava com um sorriso e com as luvas prontas para Mike. Não falaram nada, apenas se comunicaram com o olhar. Era chegada a hora de irem ao ringue, pela última vez.




CAPÍTULO 18



-Hoje o dia será muito bom Mike. Sua educação está quase completa. Por isso, hoje vamos realmente lutar, isso significa que você vai avançar e tentar me acertar, mas eu também vou partir para a ofensiva, será um combate real. Mas ele vai acabar  no momento em que você conseguir me acertar. Estamos combinados?


-Com certeza. Podemos começar.


Os dois se colocaram em postura para o confronto. Como de costume Mike partiu para cima, e logo lançou um poderoso cruzado de esquerda, daqueles que ele chegava a sair do chão com impulso, mas Jan se safou por um triz, tentou contra golpear, mas Viu que Mike já havia saído do seu raio de ação.
Jan então partiu para o ataque como havia prometido, mas não teve sucesso, todos seus ataques passaram no vazio, a esquiva de Mike estava perfeita. E imediatamente o jovem pugilista lançou uma poderosa sequência de diretos e cruzados, e pela primeira vez Jan não conseguiu se esquivar, teve que aparar os golpes com os braços. Mas até então, Mike não havia conseguido nem sequer tocar Jan.
Nova ofensiva do jovem e dessa vez, Jan teve que recorrer ao clinche. Mas tratou logo de se desvencilhar de Mike usando ambos os braços e aplicando um forte empurrão que fez Tyson quase se desequilibrar. Jan procurou se aproveitar disso, e partiu para cima lançando um cruzado de esquerda seguida de um upper de direita, mas Mike recuperou o equilíbrio e fez uma esquiva perfeita.


Após isso, ambos se afastaram, os dois se estudando, parecia que um aguardava o outro tomar a iniciativa para assim sacar um arma escondida, como se fossem dois pistoleiros no velho oeste. Mas passados alguns segundos Jan tomou a iniciativa e desferiu mais um ataque, lançou um duplo jab seguido de um direto de direita, Mike evitou os golpes só com o movimento de cabeça. Jan recuou, e Mike partiu com tudo, fintou um cruzado de esquerda, e quando Jan iniciou o movimento lateral para a direita, o jovem automaticamente lançou um gancho de direita, que acertou em cheio o baço de Jan, que se contorceu e em seguida quase no mesmo movimento emendou um upper de direita, acertando o queixo de Jan.  Essa combinação mortal de golpes seria vista muitas vezes no futuro, aniquilando muitos oponentes.


Ao ser atingido por esses 2 potentes socos, Mike viu Jan desmoronar, quase em câmera lenta, e prontamente tratou de segura-lo, Jan se apoiou no ombro de Mike, tinha um misto de dor e sorriso no rosto.


Passado alguns segundos ele falou, ainda sendo escorado por Mike:


- Quem diria que eu ficaria tão feliz por estar sentindo tanta dor?- e tratou de soltar uma gostosa gargalhada. - Mike, tenho pena dos seus adversários. E parabéns, sua educação está oficialmente completa.


 

 



CAPÍTULO 19



-Mike, Cus acabou de ligar, disse que chegará em 15 minutos.


-Ok Jan. Já terminei de arrumar as minhas coisas.
Mike estava prestes a fechar o zíper de sua bolsa quando Jan trazia uma pequena caixa nas mãos.


-Ei Mike, quero que aceite isso, como uma lembrança.
-Puxa Jan, não precisava mesmo, eu é que tenho que te recompensar com algum presente bem bacana no futuro.


-Não precisa me dar nada Mike. Acho que depois da conversa que tivemos ontem, você entendeu o meu propósito na sua carreira, então eu é que agradeço por me permitir fazer parte da sua história. Abra a caixa por favor.


Mike abriu a caixa, e no seu interior havia um lindo calção branco, com pequenas listras vermelhas e azuis nas laterais, tendo a sua parte superior vermelha.
-É muito bonito Jan. Muito obrigado.
- Que bom que gostou. Sempre que usar, se lembre dos dias que passou aqui.


-Nunca esquecerei Jan, pode ter certeza. E pra demonstrar minha gratidão, irei usar esse calção na minha primeira luta profissional, ok? *(1)


-Será uma honra Mike. Eu estarei assistindo, e torcendo pelo seu sucesso. Agora, é melhor você se adiantar, a ladeira para descer é longa e Cus não vai querer ficar esperando você por muito tempo.


-Você vai descer comigo?


-Não Mike, não suporto despedidas, procuro sempre evitar, Cus sabe disso.  Mas saiba que você será sempre bem-vindo aqui.


Mike então deu forte abraço em Jan, pegou suas malas e tratou de descer a ladeira que iria desembocar na rua de asfalto onde Cus o esperava. Enquanto Mike começava a descida, foi vendo as grandes pedras que chamaram sua atenção logo que ele havia chegado ali há uma semana atrás. Impossível não relembrar a experiência na cabana do suor, e principalmente depois ouvir Jan contar sua inacreditável história de vida para Mike: “Jan nasceu na Rússia! Sua mãe era da Sibéria, de uma família de esquimós, mas não obstante isso já ser bem incomum, a família dela não era de simples esquimós, mas sim de uma longa linhagem de xamãs!*(2) Mike já tinha ouvido falar sobre isso, de como o xamanismo era talvez a religião mais antiga da Terra, sendo o xamã uma espécie de intermediário entre o plano terreno e o espiritual, eles cuidavam da espiritualidade da tribo, além de também fazerem curas, verdadeiros místicos. Apesar de não ter sido criado na Sibéria, Jan eventualmente foi até lá algumas vezes, a fim de ser treinado na tradição xamânica. Desde cedo ele se interessou pelo boxe, mas como cresceu em pleno auge da União Soviética, só poderia atuar no boxe amador.*(3)  Seus planos de se profissionalizar jamais se concretizariam. Ainda assim, participou de muitos eventos ao redor do mundo, chegando a conquistar medalhas para o seu país. Foi num desses torneios que ele inclusive conheceu  Marvin Stinson, o grande parceiro de treinos de Mike.


Mas a história ficaria ainda mais interessante, ao ver que sua carreira no boxe amador teria um limite, Jan meio que se desiludiu com o esporte. Foi então que resolveu dar mais atenção às suas funções de xamã. Ao passar pela cabana do suor, ele teve uma visão, em que vinha para a América, e que em determinando momento ele aplicaria todo o seu conhecimento, de boxe e xamânico a fim de completar a educação pugilística do mais jovem campeão dos pesados: eu!! Jan havia me visto em uma visão dentro de uma cabana do suor na ...Sibéria!!! Isso era o cúmulo do surreal. Mas conhecendo Cus, esse tipo de história acaba virando corriqueira. É somente mais uma história fantástica que se conta com a família e amigos reunidos na mesa do jantar.
Enquanto Mike rememorava toda essa situação, percebeu que já havia descido a ladeira, e Cus o encontrava parado dentro do carro o esperando.

 

NOTAS:

 

1-       O calção branco: Em sua primeira luta e posteriormente em outras lutas durante seu primeiro ano como profissional Mike utilizava um calção branco com listras finas azuis e vermelhas na lateral. Depois do seu primeiro ano como profissional ele adotou o visual pelo qual é mais comumente conhecido: calção negro com sapatilhas pretas de cano curto sem meias.

 

2-           Xamã: (do tungus siberiano "aquele que enxerga no escuro") é um portador de função religiosa, um sacerdote do xamanismo, que podem acessar outras dimensões, através de um estado alterado de consciência fazer contato com aliados (animais, vegetais, minerais) e espíritos ancestrais. Este entra em estado transe ou êxtase durante rituais xamânicos, manifestando poderes sobrenaturais e invocação de espíritos da natureza, ocorrendo a incorporação em seu corpo. Esse contato permite a recepção de orientações e ajudas dos espíritos para resolver situações que desafiam o ser humano e seus grupos sociais.

 

3-                 Esporte na União Soviética: os regimes comunistas não permitiam a profissionalização dos seus atletas, sendo o esporte utilizado como um forte instrumento de propaganda ideológica do regime comunista.




EPÍLOGO:



-Olá Cus. Bom te rever.


-Também é bom te rever filho. Entre no carro, temos muito o que conversar, estou curioso e quero saber em detalhes como foi toda a experiência.


-Eu vou contar tudo sim Cus, com calma e com detalhes. Mas antes disso, você precisa me esclarecer algumas coisas, que o Jan disse que seria melhor que você explicasse.


-Ah, ok Mike, já imagino o que deva ser.


-Ok, então lá vai...como você e Jan se conheceram? E como você fez para que um cara da União Soviética conseguisse morar aqui?


-Bom Mike, então acho que já entendeu a razão de Jan ter se mantido em segredo por mim, não é? Nem Rooney, nem Atlas sabem da existência dele. Camille sabe meio que por alto, mas nunca o viu, imagine se alguém do governo descobre que dei abrigo a um soviético? Seria o fim. Por isso, peço que nunca fale dele para ninguém. Me prometa isso.


- Pode ficar tranquilo Cus, jamais faria algo pra prejudicar o Jan. Sou muito grato a ele por tudo o que fez por mim.


-Certo Mike, fico mais tranquilo. Bom, eu conheci o Jan em um torneio na Europa, ele já havia conseguido fugir da União Soviética, e estava totalmente perdido, sem recursos. Assim que me viu, apertou meu braço com força e disse num inglês muito ruim que estava esperando por mim. Na hora não entendi, mas com a ajuda de um intérprete, conseguimos conversar. Em suma, ele falou sobre a tal visão na cabana do suor, e que nessa visão, ele deveria se encontrar com um velho treinador americano naquele torneio. Na hora achei que ele era totalmente louco, mas quem poderia inventar uma coisa dessas? Isso foi em 1978. E eu já não tinha esperanças de treinar outro campeão dos pesados. Mas ele acabou me convencendo. Ele sabia até o ano que você ia me conhecer Mike, uma coisa incrível.
Depois de ser conhecido por ele, o próximo passo era conseguir que ele entrasse no país. Não foi fácil viu? Precisei usar de todos os meus contatos, e o infeliz rodou o mundo pra conseguir chegar até aqui. Ele conseguiu entrar pelo México, com um daqueles malditos "coiotes", mas no final deu tudo certo, e desde então ele vive ali, e sempre que preciso ele me auxilia com treinamentos de boxe, mas o objetivo principal sempre foi treinar você.  Ele até me convenceu a participar da cabana do suor.


-E você aceitou Cus?


-Por Deus filho, sim eu acabei aceitando. Quase morri desidratado naquela porcaria de tenda. Mas foi bem interessante, ali também tive a visão de que o treinaria.


Tyson se assustou ao ouvir isso. De uma hora para outra as pessoas começavam a ter visões com ele. Afinal, o que ele realmente estava destinado a ser?


- Como foi sua visão Cus?-Mike não podia acreditar nisso.


-Eu não cheguei a te ver filho, mas a visão deixava claro que eu iria saber que o havia encontrado no momento em que o visse em ação. E não foi assim, quando Bobby o levou lá na academia, 5 anos atrás? Bastou eu te ver em ação por 2 rounds, e eu soube que era você. O raio caiu 2 vezes no mesmo lugar. Tive Patterson e agora você.


Mike estava estupefato ao ouvir aquilo. Que semana incrível ele teve.


- Já falei muito de mim Mike. Diga agora, como foi que você conseguiu acertar o Jan? Sei que você passou um grande sufoco com ele. Mas como matou a charada, pra finalmente acertá-lo?


- Bom, ele gravou um dos nossos treinos, e foi bem no dia em que eu passei pela cabana do suor. Tudo isso deve ter sido planejado pelo Jan. Ao assistir a fita, eu percebi que ele conseguia ler meus movimentos, sempre que eu usava a mão direita ou esquerda eu meio que sinalizava, mesmo que por um breve instante, seja num movimento de cabeça que eu fazia, ou algum outro tipo de movimento, eu meio que “telegrafava” isso, e ele já sabia. Então ele conseguia prever o que eu iria fazer, e dessa forma antecipava o movimento de defesa. E foi penoso pra mim, ele chutou a minha bunda durante uma semana, igualzinho o Stinson fazia. Mas assim que eu descobri, entendi que bastava eu fintar um golpe e acertá-lo com outro. Mas isso só seria possível se eu fizesse em altíssima velocidade. Como nossos treinos já estavam muito intensos, eu já havia desenvolvido a velocidade necessária que me permitiu enganá-lo. Pra compensar eu apliquei um belo knockdown nele. Mas foi uma excelente estratégia a que ele utilizou, me ajudou a aprimorar meus reflexos, minha defesa, minha velocidade e minha capacidade de me mover dentro do ringue, foi um treinamento completo. Hoje eu sou um lutador bem diferente.


-Realmente Mike, acertar o Jan é algo muito difícil. Imagine você que graças à ele eu consegui aplicar uma bela pegadinha no safado do Holmes- Cus soltou uma sonora e demorada gargalhada.


-Sério? Como foi isso?


-Foi logo depois da luta dele contra o Ali. Você lembra como eu fiquei furioso com o Holmes depois daquela luta, você já estava lá comigo. Então, pra me vingar, consegui que o Jan se infiltrasse no camp de Holmes, que estava testando alguns sparrings pra contratar. Me certifiquei de o Stinson não estaria. Porque você deve já saber que eles se conheciam... Então Jan foi fazer o teste com Holmes.  O miserável passou três rounds perseguindo Jan e nos últimos segundos o xamã doido aplicou um belíssimo knockdown em Holmes, na frente de toda a sua equipe. Ele,ficou furioso e abandonou o ringue. Hahahahaahah, que dia glorioso foi aquele.

Os dois ficaram rindo durante um bom tempo, até que Cus se recompôs e perguntou a Mike:


- Agora me diga filho, como foi a sua experiência na cabana do suor,  além claro do  suadouro que você passou?

Mike também tornou a ficar sério, e então respondeu:


-A minha visão Cus, foi a seguinte: não houve ninguém como eu antes no boxe, e nem haverá outro depois.  Eu serei uma espécie de divisor de águas no esporte. De tal maneira que as pessoas não vão apostar na minha vitória, mas sim em qual round eu vou encerrar o combate. Suas profecias realmente estavam corretas. E nessa visão, eu me torno o “Homem mais Malvado do Planeta” Cus. Eu sou aquele que petrifica o adversário só na encarada antes da luta. Essa será a História que vou escrever no boxe. Apesar de toda essa grandiosidade, teve algo que Jan falou dentro da cabana, e que na minha visão eu pude entender, e isso meio que me amedronta.


- E o que seria filho?


-Jan disse que a estrada que eu escolhesse pra trilhar, teria a presença de um anjo e de um demônio. Está claro pra mim, que esse anjo é você Cus. Foi você que me resgatou e me deu um propósito para viver. 


- E qual seria o demônio Mike? Conseguiu vislumbrar isso?
-Não Cus, não tive como identificar...-Mike percebeu que eles haviam chegado em casa, e agradeceu por não precisar terminar a frase. Tratou logo de sair do carro para buscar suas malas.


O demônio que apareceu na visão, era justamente a ausência de Cus em sua vida........

FIM


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