No livro Marvel Comics: a história secreta, há o seguinte trecho:
A Marvel começou a comprar
anúncios de página inteira na Variety,
tentando alcovitar seus personagens a quem pagasse mais... ou, aliás, a quem
pagasse qualquer coisa. Um dos anúncios trazia o rosto do Demolidor: “Demolidor
é apenas um dos mais de cem fantásticos personagens Marvel prontos para
estrelar seu próximo filme ou produção televisiva”, dizia o texto. “Todos os
personagens Marvel têm identidade própria – sua história particular – e potencial para o grande estrelato.” Deu em nada.
Pois então,
selecionei esse trecho apenas para mostrar que, desde que a Marvel começou a se
sedimentar como a editora que conhecemos, o objetivo de Stan Lee sempre foi
licenciar os heróis da Marvel para o cinema e a TV e rachar o cu de grana. A
gente se surpreende ao ver o que a Marvel se tornou hoje, mas esse sempre foi o
plano (maquiavélico?) do titio Stan.
Evidentemente, tal plano teve
seus muitos percalços. Apesar de a Marvel ser a editora campeã de vendas de
quadrinhos de super-herói já naquela época, Hollywood não tinha grande
interesse em adaptar os heróis para as telas, por considerá-los bobos e
infantis. Que diferença de hoje em dia, não? Hollywood era mais sã antigamente.
A percepção começou
a mudar depois do Superman de Richard Donner, que provou que um filme de
super-herói poderia ser altamente rentável e popular, se fosse realizado
corretamente. E esse é um grande “se”. Em 1989, o Batman de Tim Burton gerou
uma onda de filmes de HQs. Na sequência, vieram os filmes de Dick Tracy, O
Sombra, Fantasma, Juiz Dredd, a série de TV do Flash etc. Se a DC tinha o poderia
da Warner, um dos maiores estúdios de Hollywood, o que era da Marvel? Bem...
A Marvel estava na
rebarba das adaptações de quadrinhos. No final dos anos 80, reviveu o Hulk de
Lou Ferrigno em uma trilogia para a TV, que também apresentava versões toscas
de Thor e Demolidor. E também foi realizado o filme do Justiceiro com Dolph
Lundgren, já resenhado por mim para este blog.
Se não leu, leia. Faça uma busca aí.
Se a Marvel apostava
em um sucesso consagrado, o Hulk, e um personagem que estava explodindo em
popularidade nos quadrinhos na época, o Justiceiro, qual personagem que
mereceria uma adaptação? O Homem-Aranha? Bom, James Cameron já tinha interesse
nele. Que tal o Capitão América, então?
A realidade é que
poucos aqui na Banânia têm noção do que o Capitão América significa para os
americanos, e fazer um filme com o personagem era uma escolha óbvia na época.
Claro que havia um probleminha chamado orçamento, pois nenhum grande estúdio
tinha se interessado em adaptar o herói, mas felizmente a 21st Century Film
Corporation quebrou o galho da Marvel e aceitou produzir o filme.
A direção ficou a
cargo de Albert Pyun, responsável por obras-primas como Cyborg, o Dragão do Futuro, com Van Damme. Para interpretar Steve
Rogers/Capitão América, foi escalado Matt Salinger, que atuou em A Vingança dos Nerds, fazendo um dos bullies que atazanava os nerds e que,
ironicamente, acabou interpretando um ícone super-herói dos nerd.
O enredo do filme inicia-se na Itália
fascista de Mussolini. Em uma noite em que um menino prodígio pianista iria se
apresentar, os fascistas invadem a cara e metem bala em todo mundo. O menino vê
sua família ser assassinada diante de seus olhos. Por que fizeram tamanha
maldade? Bom, é porque o moleque teria “inteligência superior” e serviria de
cobaia para um experimento dos nazistas malvadões.
Pois é, o porquê de
mudarem a nacionalidade do arqui-inimigo do Capitão América, o Caveira
Vermelha, de alemão para italiano, desconheço. Dizem que foi para incomodar os
italianos, pois teria havido alguma rusga entre Estados Unidos e Itália no
período. Como o Capitão América de
1990 é um filme à frente de seu tempo, já praticava o “empoderamento” desde
aquela época, o doutor Erskine foi substituído pela doutora Maria Vaselli. Ao
ver que estavam fazendo seus experimentos em uma criança, a doutora foge da
base dos fascistas horrorizada, levando os planos da fórmula do supersoldado.
Corta para anos
depois, quando o governo norte-americano está ciente de que os nazistas criaram
sua versão do supersoldado. É informado de que já há um voluntário para o
projeto do supersoldado americano, o jovem Steve Rogers. Se nos quadrinhos,
Rogers cresceu no gueto da baixa zona leste de Nova York, no filme ele é do
subúrbio de classe média da Redondo Beach, Califórnia. Rogers se despede da
mamãe Rogers e família, mas não encontra sua namorada, Bernie. Sim, é uma
referência a Bernie Rosenthal, a namorada do Capitão América criada na fase de
Roger Stern e John Byrne nos quadrinhos. Rogers enfim encontra Bernie no cais e
dá um beijo de adeus. Que romântico.
Rogers é acompanhando
pela doutora Vaselli na viagem de carro e ela pergunta se ele está nervoso
porque estava fumando. Pois é, esse filme é dos anos 90, e naquela época não
havia tanta patrulha antitabagista, apesar de ser estranho ver Steve Rogers
fumando. No entanto, sim, ele já fumou nos quadrinhos. Na Era de Ouro, o
recruta Rogers vivia com seu cachimbo. E, até na Era de Bronze, tem uma
história desenhada por Jim Steranko em que o Capitão América dá uma pitadinha.
Santa fumaça, Batman!
No laboratório da base americana,
enfim Rogers é submetido aos dolorosos raios vita do experimento da doutora
Vaselli e sai todo bombadão. Creatina é para fracos. No entanto, um sabotador
nazista enche a doutora de chumbo, apenas para ser esmurrado e eletrocutado ao
cair em cima dos transformadores. Igualzinho aos quadrinhos.
A primeira missão de
Steve Rogers como Capitão América é se infiltrar em uma base nazista para impedir
que lancem um foguete sobre Washington. Bom, não dá para negar que o uniforme
do herói nesse filme é praticamente idêntico aos quadrinhos; só as orelhas de
borracha é que são um tanto bizarras. O Capitão dá um pau nos nazistas e enfim
entra em combate contra o Caveira Vermelha. Pior que a maquiagem do vilão até
que assustaria umas crianças na época; parece saída de um Hellraiser da vida. E
o Capitão perde feio a luta contra o vilão. E ainda é amarrado ao foguete com
destino ao Washington, não sem antes agarrar a mão do Caveira para levar o
vilão consigo. O Caveira tenta decepar a mão do Capitão, mas acaba amputando a
própria mão.
Enquanto isso, um
moleque em Washington aproveita que os pais estão dormindo para escapar e fotografar
a Casa Branca e testemunha o Capitão amarrado ao foguete mudando a direção
deste na base do chute. O foguete cai no Alasca e o herói enfim hiberna. Na
cena seguinte, está o moleque com o amiguinho gordinho, aliás, gordinho, não,
pois, em temos de lacração, não é de bom tom chamar gordinho de gordinho. É o
amiguinho com excesso de adiposidade. E ele mostra a foto do Capitão amarrado
no foguete para o amiguinho.
E não é qual a
surpresa quando descobrimos que o moleque se chama na verdade Tom Kimball e,
quando adulto, acaba por se tornar o presidente dos EUA. E o ator que
interpreta Tom Kimball é nada mais nada menos que Ronny Cox, que também
interpretou o vilão de Robocop, Dick Jones. Kimball deve ser do partido
Democrata, pois é mais pacifista e não quer investir em projetos bélicos, o que
irrita um de seus generais, curiosamente um dos generais que estavam presentes
no experimento que transformou Rogers no supersoldado. O que o presidente não
sabia é que o general tinha interesses em comum com o Caveira Vermelha, que fez
uma cirurgia plástica e agora é tipo um mafioso carcamano com alcance
internacional. E pior que o Caveira está por trás do assassinato de John e
Robert Kennedy e de Martin Luther King. O plano do Caveira é sequestrar o
presidente para implantar um dispositivo de controle mental em seu cérebro.
Como o Capitão
América sempre tem de retornar na época de maior necessidade dos EUA, ele é
encontrado por uma expedição alemã. Obviamente, o Capitão consegue quebrar o
bloco de gelo em que se encontrava e fugir, pensando que são todos nazistas,
não sem antes ser fotografado por um dos alemães. Que falta fazem Namor e
os Vingadores nessa cena.
A foto do Capitão
fugindo vai parar na primeira página de todos os jornais, e óbvio que o
presidente dos EUA reconhece o bandeiroso que viu quando criança. Ele telefona
para seu amiguinho com excesso de adiposidade, que hoje em dia é um veterano
repórter de jornal, interpretado por Ned Beatty, o Otis, o capanga de Luthor em
Superman de Richard Donner. Pois é, trocou a DC pela Marvel e trocou mal. O
presidente pede para seu amigo descobrir o paradeiro do Capitão. Na Itália, o
Caveira Vermelha também descobre que o herói está vivo e encarrega sua filha de
dar cabo no herói. Nos quadrinhos, a filha do Caveira é a Madre Superiora das
Irmãs do Pecado.
Nesse ínterim, o
Capitão América já chegou correndo do Alasca até o Canadá, e está sendo
perseguido pela filha do Caveira Vermelha e suas capangas. Em uma cena
vergonhosa, o Capitão é encurralado pela vilã de moto e ainda consegue ser
baleado. Ele é salvo pelo amigo jornalista com excesso de adiposidade do
presidente. Quer dizer, que se dane, o amigo jornalista gordo do presidente,
vulgo ator do Otis. E pior que o Capitão ainda consegue enganar o “Otis” e
fugir na caminhonete dele.
Ao contrário do Capitão
América de Chris Evans, que é virjão, o deste filme já saiu intumescido do gelo
e vai atrás da sua noiva, Bernie. Na frente da casa da Bernie, ele encontra uma
jovem muito parecida com sua amada, mas é derrubado pela menina. Ele descobre
que na verdade a moça é a filha de Bernie, Sharon, que remete a Sharon Carter,
a clássica namorada do Capitão nos quadrinhos. Bernie e Sharon são
interpretadas pela mesmíssima atriz. O marido cuckold da Bernie também vai dar um pau no Capitão, mas Bernie o
impede. Enfim, o Capitão percebe que não está mais nos anos 40 e que sua amada
envelheceu. Sharon deixa o herói se hospedar em seu apartamento.
O “Otis” enfim
consegue rastrear Bernie, mas antes de conseguir falar com ela, é baleado pela
filha do Caveira Vermelha. A bandida ainda mete bala no cuckold da Bernie e vai interrogá-la. Sharon recebe um telefonema
de que aconteceu algo com seus pais e vai tentar descobrir o que aconteceu. Lá,
encontra sua mãe morta e seu pai ferido. O “Otis” consegue alertar o Capitão
sobre a ameaça do Caveira. O herói também vê na TV a notícia de que o
presidente foi sequestrado e então diz a Sharon que deve encontrar o diário da
doutora Vaselli, pois lá provavelmente constará o nome verdadeiro do Caveira.
O Capitão e Sharon
descobrem que a antiga base onde ficava o laboratório da doutora Vaselli é
atualmente uma lanchonete, e o herói invade o banheiro feminino do lugar, que é
onde provavelmente se encontraria o diário da doutora Vaselli. Pois é, nunca
imaginei que veria o Capitão entrar de penetra em um banheiro feminino. O
Capitão quebra a parede do banheiro e encontra uma passagem para o laboratório
da doutora. Lá, encontra o diário.
Nesse momento, a filha do Caveira e
seus capangas também invadem o lugar. Eles agarram Sharon e tentam levar o
diário também, mas o Capitão está lá para dar um cacete neles. No diário, não
consta o nome do menino que se tornou o Caveira Vermelha, mas há o home da
cidade e da casa onde vivia a família do garoto.
Partindo dos Estados Unidos até a cidade do
Caveira, na Itália, o Capitão e Sharon conseguem descobrir a casa da família do
vilão, e lá encontram um gravador de rádio com o tema de piano que o Caveira
tocava quando criança.
O Capitão e Sharon
sofrem um novo atentado por parte da filha do Caveira Vermelha, mas dessa vez
Sharon consegue roubar a bolsa da bandida e assim descobrir onde é a fortaleza
do vilão, justamente no castelo da cidade.
Enfim, a dupla
consegue invadir o castelo e enfrentar os capangas do Caveira para poder
libertar o presidente, que inclusive auxilia no embate. Após uma luta entre o
Capitão e o vilão, o Caveira ameaça detonar uma bomba que destruiria parte da
Europa, mas o Capitão aciona o gravador com o som do piano do Caveira criança e
de sua família assassinada, distraindo o vilão o suficiente para derrubá-lo
para a morte via a sacada do castelo com seu escudo. A filha do Caveita também
leva uma escudada na cabeça. O presidente é salvo e o Capitão fica com a filha
de sua amada. Não pegou a mãe, mas pegou a filha. Fim.
Não tenho muito o
dizer sobre este filme; ele é uma bela de uma bosta. Porém, é curioso como
demorou 21 anos para que um novo filme do Capitão América fosse feito. O filme
com Chris Evans é de 2011. Isso é porque por muito tempo se teve receio de se
produzir um novo filme do herói, por causa do antiamericanismo forte da era
Bush.
No entanto, até a molecada progressista
anti-Bozo e anti-Trump aqui da Banânia gosta de vestir camisas com o escudo do
herói. Afinal de contas, não tem como um cara de olhos azuis como Chris Evans
não ser bonzinho, não é mesmo?
O filme do Capitão América de 1990 é
basicamente para consumo interno dos ianques mesmo, para agradar americanos.
Sei que é uma coisa muito óbvia de dizer, mas os filmes de Hollywood sempre
foram feitos para contemplar principalmente seu mercado doméstico e depois o
resto do mundo. Isso mudou um pouco quando a China passou a consumir o cinema
americano; talvez hoje o espectador chinês seja tão ou mais importante que o
estadunidense.
O que me deixa surpreso é que a
Marvel/Disney conseguiu fazer do Capitão América um herói popular novamente.
Antes, fora dos EUA, ele era desprezado e ridicularizado, e a molecada nem o
conhecia direito. Agora todo mundo é fã do Capitão desde criancinha. Santa
hipocrisia, Batman!
Quanto ao Capitão América, apesar de ele
não ser meu herói preferido da Marvel, sempre gostei do personagem, e ele foi
um dos primeiros heróis da Casa das Ideias que li na vida. Não dá para negar
que ele é basicamente um símbolo de propaganda, mas até aí o Superman e a
maioria dos heróis de comics
americanos também são. Apesar do lado propagandístico, não dá para negar que o
personagem tem fases excelentes de criadores como Joe Simon, Jack Kirby, Stan
Lee, Steve Englehart, Mark Gruenwald, Mark Waid, Ed Brubaker etc.
E qual é meu filme preferido do Capitão
América? Este de 1990 ou o de 2011 com Chris Evans? Bom, nenhum dos dois. Meu
filme preferido do herói é a HQ Capitão
América: O Sentinela da Liberdade, de Fabian Nicieza e Kevin Maguire, que,
apesar de ser um quadrinho, tem a estrutura de um filme. Um filme de quatro
horas ou mais de duração.
E minha nota para Capitão América de 1990 é 4 de 10.
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