Doomsday Clock - Geoff Johns e DC tirando até o tutano de Alan Moore



Atendendo a uma pauta sugerida pelo proprietário do blog, escrevo uma resenha sobre a saga Doomsday Clock (ou O Relógio do Juízo Final, na tradução brasileira). Estava comprando religiosamente as edições de Doomsday Clock da Panini na banca, mas fui pego pela quarentena do covid, e até agora não consegui comprar a última edição, e tive de ler em scan mesmo. Minha opinião pessoal sobre a saga? Acredito que, sinceramente, em termos narrativos, não é uma história que precisasse ser escrita; porém, tomando-se como razão agitar o mercado combalido de HQs de super-heróis e dos quadrinhos da DC em geral, creio que, sim, Doomsday Clock tem sua importância.

No entanto, há alguns pontos problemáticos que não dá para deixar de considerar em uma HQ como Doomsday Clock; o mais óbvio deles é que a história é claramente um caça-níquel. Geoff Johns deu suas desculpas, dizendo que era uma história que precisava ser contada e tal, mas fica nítido o cheiro de desespero e oportunismo.

O segundo ponto é que, apesar de a DC/Warner ter direito sobre a história e os personagens de Watchmen, fica uma impressão meio desagradável, um grande elefante branco na sala. Watchmen é propriedade da DC Comics, mas podemos dizer que o direito moral é de Alan Moore. Sei bem que o barbudo de Northampton é um rabugento incorrigível e que ele vive reclamando, até mesmo depois de ter obtido algum direito autoral sobre a obra. Compreendo que Watchmen é um produto, e estou longe de ser um comunista, que defende a arte dissociada do mercado. Entretanto, não dá para negar que Moore foi sacaneado pela DC e que sua raiva não é descabida.



Não vou me alongar aqui retomando a história de Watchmen. Todo mundo sabe que Moore queria escrever uma história com os heróis da Charlton Comics, os quais haviam sido adquiridos pelo DC. Entretanto, a editora tinha planos para os personagens, mas permitiu que Moore escrevesse uma HQ com “genéricos”. Dessa forma, o Questão foi adaptado como Rorschach, o Besouro Azul, como o Coruja etc. Após a publicação de Watchmen, Moore teve um acordo de cavalheiros com o editor da época, não sei se era o Paul Levitz ou outro, de que sua obra não teria continuação nem seus personagens seriam integrados ao universo regular da DC. Pois bem, tal acordo durou quase 25 anos, mas óbvio que um dia a Warner iria mirar seu olhar ganancioso em Watchmen.

Em 2009, o estúdio enfim adaptou Watchmen para o cinema. Não vou perder tempo escrevendo sobre o horroroso filme de Zack Snyder. Também não pretendo me deter muito sobre Before Watchmen, que considero um projeto irregular, mas com algumas boas HQs e que não se chocam com a obra canônica de Moore. Apenas a complementam, a despeito de alguns pontos serem questionáveis.

Enfim, em 2017, a DC anuncia a saga Doomsday Clock, que iria integrar os heróis da DC ao universo de Watchmen, e vice-versa. O roteiro estaria a cargo de Geoff Johns, o escritor mais importante da DC dos anos 2000 para cá, e os desenhos seriam do talentoso Gary Frank. Dava para escutar o grunhido de Moore lá de Northampton.
Como heresia pouca é bobagem, a HBO também anunciou uma série de TV de Watchmen, que seria a continuação oficial do quadrinho. Não é segredo que o filme não foi um grande sucesso, mas, ao que parece, a série está criando um fandom, inclusive de “civis” que nunca leram o quadrinho. Os canalhas realmente vencem no final.

Nos últimos tempos, Moore tem dado entrevistas indo fundo na rabugice. Ele chegou a dizer que se arrepende de ter trabalhado com quadrinhos. Parece que, ao perceber que agora os super-heróis estão no mainstream e que gostar de super-herói não é mais coisa de nerd, mas do resto dos imbecis, notou que ajudou a criar um monstro. Não é à toa que Moore diz que até hoje viram sua lixeira para apanhar seu lixo.

Me perguntaram se acredito que a DC fará Watchmen 2, mas na realidade Doomsday Clock é Watchmen 2. Se já era desnecessário fazer uma sequência de Watchmen, imagine inserir esse universo na continuidade da DC. Agora o sacrilégio está completo.


Mas Doomsday Clock não é Watchmen. E também não é Crise nas Infinitas Terras. Nos últimos 35 anos, a DC vem tentando criar uma nova Crise, sem ser completamente bem-sucedida. Houve Zero Hora, que, apesar dos problemas, ainda dá para chamar de Crise. Depois, Crise Infinita, que ainda dá para dizer que é Crise. Em seguida, Crise Final, que de Crise não tem nada. Morrison poderia ter chamado a saga de Apokolips Ataca. E Flashpoint, então, que desgraça foi aquela?

No entanto, em termos de mercado e estratégia, podemos dizer que Doomsday Clock é a nova Crise, que redefinirá o universo DC. No enredo, o plano de Adrien Veidt, o Ozymandias, de alcançar a paz mundial matando metade dos habitantes de Nova York foi descoberto. O leitor deve se lembrar que, ao final de Watchmen, o editor do New Frontiersman recebe o diário de Rorschach, revelando o plano de Ozymandias, e a merda foi parar no ventilador. 

Anos depois, em 1992, o mundo de Watchmen voltou a se direcionar para o Apocalipse iminente. Ozymandias tem um novo estratagema para salvar seu mundo, e contra com a ajuda do novo Rorschach, que na realidade é o filho do antigo psiquiatra de Walter Kovacs, o Rorschach original, e que agora é o Rorschach negro, cumprindo cota.



De alguma forma, Ozymandias consegue seguir os traços das partículas de elétrons do Dr. Manhattan e, junto do novo Rorschach e de um casal de criminosos que seriam uma versão B de Coringa e Arlequina, Mímico e Marionete, chega à realidade dos heróis da DC. A razão de Ozymandias ter cooptado esse casal foi porque Dr. Manhattan poupou a vida de Marionete durante uma tentativa de assalto, presumivelmente porque ela estaria grávida. Veidt portanto acredita que ela pode remeter a alguma parte do Dr. Manhattan que ainda é humana, alguma parte de Jonathan Osterman.

E o que o Dr. Manhattan está fazendo no universo da DC? Na verdade, nem ele sabe. Mas começa a alterar a realidade deste universo, fazendo com que Alan Scott falecesse antes de se tornar o Lanterna Verde original, por exemplo, o que causa efeitos na formação da Sociedade da Justiça da America. Ele também contribui para que Jonathan e Marta Kent também faleçam, entre outras presepadas. Na verdade, desde Flashpoint que o Dr. Manhattan está aloprando na continuidade da DC.

Ao chegarem na realidade dos heróis da DC, Ozymandias e o novo Rorschach buscam os dois homens mais inteligentes desse universo, que seriam Lex Luthor e Batman. Realmente, dessa vez Geoff Johns escancarou mesmo, pois quis pegar como exemplo dois dos personagens mais populares. Ele poderia ter sido menos óbvio e utilizado outros personagens muito inteligentes da DC, como Ray Palmer, o Eléktron, o dr. Will Magnus ou até mesmo o Ajax (sim, sei que hoje o chamam de Caçador de Marte, mas na minha época era Ajax).

Entretanto, nem Luthor nem Batman compram muito a história de Ozymanidas e Rorschach. Luthor é ferido pelo Comediante, que aparece redivivo. Batman entrega Rorschach para o Arkham. Lá, está Satúrnia, da Legião dos Super-Heróis. Nessa realidade alterada do Dr. Manhattan, o universo da DC está próximo ao de Watchmen, realmente indo em direção ao fim do mundo. Na mídia, vazou uma teoria que os meta-humanos foram criados por governos. E a população está se voltando até contra o Superman. O universo da DC sempre foi um universo mais idílico e otimista, pois concentra os grandes heróis das eras de Ouro e Prata. Ele é bem menos sombrio que o de Watchmen. Claro que há exceções, como Batman, que é um herói cuja percepção pública não é das melhores nem por parte do povo de Gotham e até mesmo nem por parte de determinados segmentos da polícia. Apesar de Gordon ser aliado de Batman, alguns policiais têm certa ojeriza ao Cavaleiro das Trevas. No entanto, o Superman, por exemplo, é amado por todos. O Flash tem seu museu em Central City etc.

Todavia, não é a realidade de Doomsday Clock, em que a desconfiança e a hostilidade do povo contra os meta-humanos começam a elevar a temperatura do mundo. Adão Negro, de que obviamente Geoff Johns deve gostar bastante, passa a oferecer passagem segura para meta-humanos se abrigarem no Kahndaq. Adão Negro virou tipo o Magneto da DC, e Kahndaq é Genosha.

Johns gosta de misturar alguns personagens, que têm um arco em conjunto. Por exemplo, Rorschach, Satúrnia e Johnny Trovoada. Ou também Mímico, Marionete e Coringa. Mas, no fim das contas, são personagens demais e muito poucos são bem desenvolvidos.

Há alguns pontos altos na trama, como o confronto do Dr. Manhattan com os principais heróis da DC, os quais ele derrota todos facilmente, mas que, ainda assim, não é um “massaveismo” ruim. Merece destaque o confronto entre Capitão Átomo e Dr. Manhattan, sendo que este último é a contraparte do primeiro em Watchmen. Obviamente, o Dr. Manhattan é muito mais poderoso que o Capitão Átomo, que não dá nem para o cheiro. A despeito disso, o fan service foi legal.




Também há a historia de Carver Colman, um ator de filmes noir, tipo Sam Spade de Humphrey Bogart, que é a primeira pessoa a encontrar Dr. Manhattan quando ele chega ao universo da DC, sem seus poderes de onisciência, e ambos acabam criando um elo.

Entretanto, o que Johns pretende fica bem claro ao final da HQ, que é praticamente uma declaração de amor ao Superman. Ozymandias se rende à inspiração do Homem de Aço, depois de ter tirado tudo do herói, e começa a concertar suas cagadas. A mensagem da HQ é que, em um mundo de heróis de verdade, o fim desse mundo não é inexorável, como seria na realidade um pouco mais “realista” de Watchmen.

Dr. Manhattan cria sua própria versão do Superman, que é o filho de Mímico e Marionete, e até chama o moleque de Clark. Ao final, ele é adotado por Daniel Dreiberg, o Coruja, e Sally Jupiter, a Espectral, para ser criado em um lar de amor. Lindo. Batam palmas para Geoff Johns, clap, clap, clap.

Em suma, Doomsday Clock não é uma HQ tão ruim, mas está longe de ser boa. A arte de Gary Frank merece um aparte, pois está excelente, como via de regra. Desenhista detalhista, Frank ainda faz Superman com a cara de Christopher Reeve. E Alan Moore manda todo mundo se fuder lá de Northampton.

Respondendo à enquete sobre, no caso de Watchmen 2, que escritor poderia ser o responsável pelo roteiro dessa hipotética HQ. Obviamente, a primeira escolha seria Alan Moore, mas duvido que ele aceitaria. Em segundo lugar, escolheria Grant Morrison; porém, Morrison tem uma rixa histórica com Moore, e não sei se ele toparia também. Acredito que Warren Ellis seria o escritor ideal; até mesmo porque ele tem algumas coisas em comum com Moore. Eu indicaria também Neil Gaiman, mas ele ainda escrevendo mais livros que quadrinhos ultimamente e não anda querendo trabalhar com personagens nem da DC nem da Marvel. Quanto à nota de Doomsday Clock, dou 5 de 10. Está mais que bom. É Geoff Johns se masturbando com o pinto do Moore.


Postar um comentário

0 Comentários