A minha homenagem ao excelente escritor Luiz Guimarães Júnior (1845-1898), no Falas ao Acaso, começou em 2015, com o belo poema A Morte da Águia, seguido
de O
Viajante; Idílio; O Jaguar. Hoje, mexendo
nos arquivos do blog, encontrei, já editados (desde 2015) para publicação, o desconcertante
soneto Credo e o melancólico poema Os
Boêmios..., este, naturalmente, se refere aos Ciganos e ou povo natural de
Boêmia (República Tcheca). Acho que, pela alegria (política) do carnaval e ou
reflexão (social) da quaresma, a hora deles é agora. Também podem ter nada a
ver! A cada um uma leitura! Ambos podem ser encontrados na edição digital da
antologia Luiz
Guimarães Júnior: Sonetos e Rimas, da
Academia Brasileira de Letras. Boa leitura!
Credo
Luiz Guimarães Júnior
– “Meus amigos! Eu creio em Deus
e no destino
Que do berço nos guia ao derradeiro
leito...!
(Vozes: – Basta! O orador é suspeito! é
suspeito!)
– Fora o velho ideal! (grita um loiro
menino).
– “Eu creio, amigos meus, nesse
poder divino...
(Vozes: – Fora o jogral!)... Nesse poder
eleito
Eterno como o mar, calmo como o
Direito...”
(Vozes: – Não crês também no Baco
purpurino?)
– “Eu creio no porvir (Ouçamos!)
que há de um dia
Como um rio de luz... (Champagne e
Malvasia!
Bebamos o porvir! – Todos a rir beberam).
– “... Como um rio de luz
iluminar o abismo”.
(Gritos: Fora o truão! fora o torpe
lirismo!)
– “Creio também nas mães”. (Todos
emudeceram).
Os
Boêmios
Luiz
Guimarães Júnior
Os boêmios vão cantando
Pelas estradas reais,
Enquanto o sol descambando,
Doira as altas catedrais.
Um deles, esfarrapado,
Meneia, aos sons da viola,
Outro, lívido e esfaimado,
Faz tinir a castanhola.
As mulheres e os meninos
Seguem na frente a bailar,
Ao som dos estranhos hinos
Dessa orquestra singular.
Desde a manhã, todo o bando
As ricas vilas explora,
E vai, cantando, cantando,
Enquanto a fome o devora.
Por vezes, uma criança
Põe-se a tremer e a cair,
Mas o pai grita-lhe: – dança!
Dança! – e ela dança a sorrir.
Cobertos do pó da estrada,
Seminus, magros, sedentos,
Lá vão, em turma agitada,
Os miseráveis, aos centos.
E rubro sol luminoso
Continua a desmaiar
Como um nababo amoroso,
Sobre a terra e sobre o mar.
Ó pobres aves sem ninho!
Pobres árabes sem tenda!
Que em vosso negro caminho
A morte não vos surpreenda!
Cantai! cantai, triste bando,
Vossa dorida canção!
Deixai que o mundo execrando
Vos negue o vintém de um pão!
Sois os poetas da estrada,
Que a eterna febre consome,
Não tendes cama doirada,
Ai não! nem sequer um nome!
Mas seguis esfarrapados,
Vossos destinos fatais,
Protegidos e amparados
Por secretos Ideais.
Quem sabe? Na atroz romagem,
Como celestes visões,
Vos guiam de Homero a Imagem,
E o Fantasma de Camões.
. . . . . . . . . . . . . .
. . .
. .
Enquanto o sol descambando,
Doira as altas catedrais,
Os boêmios vão cantando
Pelas estradas reais...
*
Ilustrações de Joba Tridente.2020
LUIZ Caetano
Pereira GUIMARÃES JÚNIOR (Rio de
Janeiro-Brasil: 17.02.1845 – Lisboa-Portugal: 20.05.1898): advogado, diplomata,
escritor (de verso e prosa), jornalista e teatrólogo brasileiro. Graduado pela
Faculdade de Direito do Recife, seguiu a carreira diplomática, servindo em
Santiago do Chile, Roma e Lisboa..., onde, ao se aposentar, fixou moradia e
desfrutou da prazerosa companhia de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra
Junqueiro, Fialho Almeida. Guimarães Júnior foi membro fundador da Academia
Brasileira de Letras e colaborador de diversos veículos de comunicação: Jornal do Domingo: Revista Universal (1881-1888); Ribaltas e Gambiarras (1881), A Reforma; A República; O Correio
Paulistano; Imprensa Acadêmica de São
Paulo; Gazeta de Notícias.
Na web há farto material sobre Luiz
Guimarães Junior, autor de Poesia:
Corimbos (1866); Noturnos (1872); Sonetos e
Rimas (1880); Ficção: Filigranas (1872); Contos sem Pretensão (1872); Curvas
e Ziguezagues (1872), Caprichos
Humorísticos em Prosa (1872). Romance:
Lírio Branco (1862); A Família Agulha (1870); Teatro: Uma Cena Contemporânea (1862); As
Quedas Fatais; André Vidal; As Joias Indiscretas; Um Pequeno Demônio; O Caminho Mais Curto; Os
Amores Que Passam; Valentina; A Alma Do Outro Mundo (1913); Biografias: A. Carlos Gomes; Pedro
Américo (1871). Iracema Guimarães Vilela, filha do escritor, em seu livro Luís Guimarães Júnior: Ensaio
Biobibliográfico (1934), revela que o autor, pouco antes de morrer, em
1898, queimou diversos manuscritos (peças, crônicas e poemas), incluindo as
duas primeiras edições de Sonetos e Rimas
(1880 e 1886) suas últimas obras impressas em vida.
Para saber mais: Academia
Brasileira de Letras: Luiz
Guimarães Júnior;
Antonio Miranda: Luiz
Guimarães Júnior;
Iba Mendes: Banzo
(Conto), de Luís Guimarães Júnior.
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