aos 13/10/2016
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Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores!
O Juiz Dredd é cultuado na Inglaterra como o maior personagem em quadrinhos da mesma, ainda sendo muito desconhecido no Brasil. Com o respeito devido ao material da 2000 AD que publica suas histórias em solo britânico, a Mythos Editora vinha realizando um excelente trabalho de apresentação do mesmo através da Juiz Dredd Megazine (cancelada pela Editora em Agosto de 2015, no número 24, com a alegação de efeitos da crise econômica no Brasil). Quero ser imparcial neste artigo, mas a tendência é dar aqui uma opinião pessoal: Joe Dredd é um personagem preconceituoso, arrogante, antipático, fascista, desumano, desagradável e moralmente questionável, adequado a uma cisão futura distópica que, ao mesmo tempo, traduz a contemporaneidade. Com todos esses quesitos, isso o torna, ao mesmo tempo, um personagem carismático e fascinante, gerando em nós um paradoxo que, ao invés de afastar, nos aproxima cada vez mais dele.
Seus criadores, John Wagner e Carlos Ezquerra, deram-lhe um uniforme bastante chamativo, colorido e que, convenhamos, forma uma ridícula e estranha unidade com o capacete que utiliza. Podemos ver uma referência em tal uniforme, incluindo os dos demais Juízes, aos super-heróis fantasiados, mascarados e, com raras exceções, enfadonhos, jogados em um Estado caótico e tendo que cumprirem as regras da Lei que serve como uma tentativa de organização no interior de um ciclo tempestuoso de irracionalidades de todos os tipos. O contraste torna-se palpável: o “alegre” e, ao mesmo tempo sombrio, look dos Juízes, com uma águia bastante chamativa na ombreira direita, é um ponto de visibilidade bastante interessante no meio apodrecido e sujo no qual habitam. Falando na águia, um símbolo da denominada Liberdade (você aí conhece esta Senhora?), presente no uniforme deles de um modo que podemos dizer como irônico, típico do humor britânico, podemos encontrar a representação de duas escravidões: a do soldado da Lei amarrado a um sistema que determina uma sociedade definida, simploriamente, entre o que é bom e o que é mau; e a do cidadão dentro de um regimento estatal constituído de impedimentos vários para a expressão de uma verdadeira personalidade, fazendo-o ser um autômato binário a funcionar em termos de ligado e desligado, realizando uma função por vez, tal qual os nosso ainda primitivos computadores, workstations, ultrabooks, notebooks, laptops e demais “inovações tecnológicas”.
Isso é viver exatamente em uma Ordem? Estamos diante uma alegre sociedade que, mesmo tendo um número considerável de crimes, ainda assim anuncia uma harmônica relação entre civis e militares? A Lei do mundo de Mega-City Um, , advoga para si mesma a construtividade de uma ordem progressista utilizando como mecanismo para sua execução uma horda de escravos perfeitos que se vêem como Deuses praticantes do livre e irrestrito determinismo da mesma?
Nas histórias do Juiz Dredd, vemos a sociedade das megacidades erguida após o apocalíptico fim de uma anterior, que, talvez, fosse bem pior. Os Juízes existem para impor A Lei; os Juízes formam toda a conjuntura explicativa da Lei; os Juízes aplicam o frio rigor mecânico da Lei; os Juízes implementam todas as variações sutis da Lei; os Juízes são A Lei Suprema E Absoluta. Prendendo e julgando ou caçando e executando criminosos, os Juízes pensam, através da Lei, que estão construindo um alicerce inquebrantável de ordem no organismo fascista, autoritário e extremamente punitivo (de modo sumariamente franco e irrepreensível) de seu mundo. No entanto, no mundo deles, o mundo que vemos nas páginas de Juiz Dredd, o Caos derrama-se por completo em todas as direções, estando bem escancarado aos olhos dos leitores. E tal Caos é o escravizador maior de todos os personagens que vemos dançantes como cegos em meio a um tiroteio frenético e enlouquecedor em cada história.
A implacável justiça imediata do personagem principal é um símbolo de tudo que qualquer agente da Lei, do nosso mundo, quer aplicar, até mesmo nos menores delitos, algo típico de todo ente escravizado pelo sistema no qual nasceu ou quis adentrar como opção existencial ou de trabalho que se torna uma rotina simplificadora de toda atitude, palavra e pensamento. Dredd é um Coronel Nascimento elevado ao cubo e a tropa dos Juízes é uma versão mais radical (e sem travas quanto aos seus limites) do BOPE; ele é o que qualquer neanderthal fardado e ultraviolento do mundo representa, assim como uma manada de seres iguais a ele está igualmente encarnada na atitude e na aparência de cada Juiz companheiro dele. A aplicação excessiva da Lei anuncia um completo estado de desligamento dentro do que se conhece como Humanismo, nenhum Juiz tem piedade ou afrouxa as rédeas com um “vagal” ou um cidadão comum. Aliás, tanto este como aquele são considerados suspeitos em uma investigação, não havendo diferenças, claras ou imperceptíveis, quanto ao começo ou término dos direitos de cada um. Como tratores, mecanicamente cientes da obrigatoriedade em serem inflexíveis, os Juízes seguem passando por cima de tudo e de todos, abolindo cada direito civil, o que faz com que qualquer um passe a ser um mero objeto aos comandos do exercido direito de julgar e declarar a sentença daqueles. E, mesmo que no âmago de seu Ser, um Juiz tencione flexibilizar a exigência da aplicação total da Lei, esta mesma o inibe, controla e direciona de tal maneira que é impossível deter-lhe as consequências aplicáveis. No mundo de Mega-City Um, há cidadãos que respeitam A Lei, admiram os Juízes e, assim, constituem o combustível necessário para a mesma continuar a existir e insistir como uma organização cumpridora de seus deveres.
Como membros perdidos do The Authority, com a exceção dos superpoderes, os Escravos da Lei são como irmãos gêmeos dos caóticos membros daquele supergrupo de justiceiros que virou de cabeça para baixo o conceito do super-heroísmo. É arriscado afirmar que Warren Ellis tenha se baseado nos eventos mostrados nas páginas das desventuras do Juiz Dredd para incrementar o todo das questões erguidas a partir dos atos de Jenny Sparks e cia em um mundo tão louco e caótico quanto o que neste artigo é analisado; mas, muito dos Juízes encontra-se naqueles personagens que, como Dredd, não são exemplos para ninguém e atraem, ao mesmo tempo, as nossas atenções como leitores que querem algo muito mais do que passageiro entretenimento ao lermos quadrinhos. Algo que a história “Pego no Ato”, com roteiro de John Wagner e arte de Phil Winslade, publicada na sétima edição nacional da Juiz Dredd Megazine, nos mostra. Adquira a mesma se você tem o desejo de ser banhado por uma espetacular narrativa curta, concisa, direta e que nos faz refletir sobre muitas coisas, principalmente ao que se refere a um Estado Policial como a melhor maneira de evitar-se o aumento da criminalidade e a desordem geral.
Um Estado Policial não é a resposta correta para o fim de todos os tipos de violência e nem para que os cidadãos mais comuns ou incomuns de uma sociedade possam ter garantidos plenamente todos os seus direitos. É uma ilusão, completa e nítida, crer que a repressão excessiva e a pressão constante sobre tudo e todos venha a moldar o equilíbrio total de todos os pilares sociais. As histórias do Juiz Dredd não são apenas tiroteios, pessoas mutiladas e ultraviolência a cada página; os roteiros das mesmas levam a questionamentos profundos envolvendo Antropologia, Sociologia, Filosofia, Psicologia e História. Sim, História, já que, no mundo apresentado naquelas, século vinte e dois, a criminalidade e os mecanismos de controle da mesma são os mesmos que constituem a caótica contemporaneidade na qual terroristas derrubam torres matando milhares são confrontados por uma força repressora que não escolhe meios ou métodos para fazer com que os grupos aos quais aqueles pertencem sejam aniquilados. Sabemos o que ocorreu e o que ocorre no mundo após o 11 de Setembro de 2001, O Evento que, verdadeiramente, iniciou este nosso século vinte e um; e o que os “Juízes” da nossa realidade foram e são capazes de fazer para manter a ordem mundial, gerando apenas novas formas para a continuidade do caos planetário no qual vivemos. Caos que, dentro do mundo de Dredd, é alimentado pela própria Lei, dando a limitados seres pensantes a determinação de serem implacáveis juízes, júris e executores, algo que, algumas vezes, pode levar pacíficos cidadãos ao status de perigosos marginais (o caso da história que, no parágrafo anterior, recomendo a todos vocês que leiam). Em qual mundo isso significa Ordem? Em qual Estado, de nosso mundo, isso formaria A Ordem? Em qual mundo existe A Ordem?
Parágrafos acima, eu disse que no mundo dos Juízes, estes são adorados por algumas pessoas. Tal adoração é motivada mais pelo medo do que eles provocam do que respeito, aproximando-os da Tropa Sinestro, cujos membros foram escolhidos entre os que mais causavam temor em determinados grupos de seus mundos natais e demais mundos. O também citado Authority causava mais medo do que respeito e, como todo grupo de caráter autoritarista, movia-se em seu mundo como senhor absoluto de todos os fatos. Com A Lei e seus filhos diretos não é diferente; então, lhes pergunto, leitores virtuais: a política do medo é capaz de trazer algum tipo de ordem ou a própria Ordem em si mesma a qualquer mundo possível ou impossível, real ou imaginário?
Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores!
Inomináveis Saudações, leitoras & leitores virtuais!
Se este escrito vos agradou, lhes convido para conhecerem meus outros inomináveis universos:
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