F
I E L
Guerra Junqueiro
Um ano... Uma data... Um país paranoico...
No descalabro dos dias, o homem é bicho doente que se
faz de sonso sobre o equilíbrio dos Reinos Animal, Vegetal, Mineral e da Água da
Terra. No Brasil, recentemente a polícia fechou uma rinha onde bestas humanas colocavam
cães para brigarem até à morte, para o deleite de imbecis.
Para o ano que (re)começa com novo número, trago uma
reflexão profunda nas entranhas do poema FIEL, de Guerra Junqueiro
(1850-1923), presente em A Musa em Férias (Idílios e Sátiras). Um poema
que marcou minha infância. Assim como O Melro,
marcou a minha juventude. No meu tempo de primário, era norma aula de leitura e
de interpretação de texto e descrição de imagem. Os livros adotados eram
antologias com obras de renomados autores brasileiros e portugueses. Práticas
educacionais e culturais que, me parecem, foram abolidas das escolas nos dias
de hoje...
Além da versão original (com alguma atualização
ortográfica) do célebre poema de Guerra Junqueiro, publico duas
traduções que encontrei na web: FIEL, realizada pelo escritor e tradutor
espanhol Jose
Carlos Fernández Romero, e EL
PERRO FIEL, sem crédito de tradução, que fui buscar no site do programa radiofônico
argentino de cultura galega Con Vós,
idealizado e conduzido por Ramón Suárez O Muxo.
F I E L
Guerra Junqueiro
Na luz do seu olhar tão lânguido,
tão doce,
Havia o que quer que fosse
D'um íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre
cão vadio
Que não tinha coleira e não
pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado
ao frio,
Percorria de noite os bairros da
miséria
À busca dum jantar.
E ao ver surgir da lua a palidez
etérea,
O velho cão uivava uma canção
funérea,
Triste como a tristeza oceânica
do mar.
Quando a chuva era grande e o
frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos
portais;
E mandando-o partir, partia
humildemente,
Com a resignação nos olhos
virginais.
Era tranquilo e bom como as
pombinhas mansas;
Nunca ladrou dum pobre à capa
esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas
crianças,
As crianças então corriam-no a
pedrada.
Uma vez casualmente, um mísero
pintor
Um boêmio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário
cão;
O artista era uma alma heroica e
desgraçada,
Vivendo numa escura e pobre água
furtada,
Onde sobrava o gênio e onde
faltava o pão.
Era desses que têm o rubro amor
da glória,
O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas
da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto
do hospital.
E ao ver por sobre o lodo o magro
cão plebeu,
Disse-lhe: - "O teu destino
é quase igual ao meu;
Eu sou como tu és, um proletário
roto,
Sem família, sem mãe, sem casa,
sem abrigo;
E quem sabe se em ti, ó velho cão
de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro
amigo!..."
No céu azul brilhava a lua etérea
e calma;
E do rafeiro vil no misterioso
olhar
Via-se o desespero e ânsia d'uma
alma,
Que está encarcerada, e sem poder
falar.
O artista soube ler naquele olhar
em brasa
A eloquente mudez dum grande
coração;
E disse-lhe: - "Fiel,
partamos para casa:
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu
irmão."
E viveram depois assim por longos
anos,
Companheiros leais, heroicos
puritanos,
Dividindo igualmente as privações
e as dores.
Quando o artista infeliz, exausto
e miserável,
Sentia esmorecer o gênio
inquebrantável
Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudia às vezes a
lembrança
Partir com uma bala a derradeira
esperança,
Pôr um ponto final no seu destino
atroz;
Nesse instante do cão os olhos
bons, serenos,
Murmuravam-lhe: - Eu sofro, e a
gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém
por nós.
Mas um dia a Fortuna, a deusa
milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse
alegremente:
"Um génio como tu, vivendo
como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre
corrente!
Eu devia fazer-te há muito esta
surpresa,
Eu devia ter vindo aqui pra te
buscar;
Mas moravas tão alto! E digo-o
com franqueza
Custava-me subir até ao sexto
andar.
Acompanha-me; a glória há de
ajoelhar-te aos pés!..."
E foi; e ao outro dia as bocas
das Frinés
Abriram para ele um riso
encantador;
A glória deslumbrante
iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida,
nascida
A toques de clarim e a rufos de
tambor!
Era feliz. O cão
Dormia na alcatifa à borda do seu
leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe
a mão,
Ganindo com um ar alegre e
satisfeito.
Mas, ai! O dono ingrato, o
ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos,
em delícias,
Já pouco tolerava as festivas
carícias
Do seu leal rafeiro.
Passou-se mais um tempo; o cão, o
desgraçado,
Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e
castigado
Pela simples razão de acompanhar
seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o
pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao
vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do
salão.
Meteram-no depois num frio quarto
escuro,
E davam-lhe a jantar um osso
branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes
d'outro cão.
E ele era como um roto, ignóbil
assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às
galés:
Se se punha a ganir, chorando o
seu destino,
Os criados brutais davam-lhe
pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra
lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões
obscenas,
Pousava-lhe no dorso o
causticante enxame
Das moscas das gangrenas.
Até que um dia, enfim,
sentindo-se morrer,
Disse "Não morrerei ainda
sem o ver;
A seus pés quero dar meu último
gemido..."
Meteu-se no quarto, assim como um
bandido.
E o artista ao entrar viu o
rafeiro imundo,
E bradou com violência:
"Ainda por aqui o sórdido
animal!
É preciso acabar com tanta
impertinência,
Que esta besta está podre, e vai
cheirando mal!"
E, pousando-lhe a mão
cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom
amigo:
"Ó meu pobre Fiel, tão velho
e tão doente,
Ainda que te custe anda daí
comigo."
E partiram os dois. Tudo estava
deserto.
A noite era sombria; o cais
ficava perto;
E o velho condenado, o pobre
lazarento,
Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um
pressentimento
O fundo soluçar monótono das
águas.
Compreendeu enfim! Tinha chegado
à beira
Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lhe na
coleira,
Friamente cantando uma canção
d'amor.
E o rafeiro sublime, impassível,
sereno,
Lançava o grande olhar às negras
trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de
Judas.
Dizia para si: "É o mesmo,
pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu
dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua
porta:
Morrerei, se lhe dou com isso
algum prazer."
Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na
água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe
na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada
lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais
gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez
na vida.
E ao recolher a casa ele exclamava
irado:
"E por causa do cão perdi o
meu tesouro!
Andava bem melhor se o tinha
envenenado!
Maldito seja o cão! Dava
montanhas d'oiro,
Dava a riqueza, a glória, a
existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso
objeto,
Doce recordação daquele amor tão
puro."
E deitou-se nervoso, alucinado,
inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido
clarão,
Sentiu bater à porta! Ergueu-se e
foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o
Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime,
encharcado,
A tremer e a uivar no último
estertor,
Caindo-lhe da boca, ao tombar
fulminado,
O gorro do pintor!
F I E L
Guerra Junqueiro
Traducción: Jose Carlos Fernández
En la luz de su
mirada tan lánguida, tan dulce,
Había un no sé qué
De íntimo disgusto:
Era un perro ordinario,
un pobre perro callejero
Que no tenía cólera
ni pagaba impuesto.
Acostumbrado al
viento y acostumbrado al frío,
De noche recorría
barrios de miseria
Buscando qué cenar.
Y al ver surgir la
etérea palidez de la luna,
El viejo can aullaba
una canción funesta,
Triste como la
tristeza oceánica del mar.
Cuando llovía
demasiado y el frío era inclemente,
Iba a abrigarse a
veces a los portales;
Y cuando se le
mandaba irse, partía humildemente,
Con resignación en
sus ojos virginales.
Era tranquilo y
bueno como las mansas palomas;
Nunca ladró ni a un
pobre con su capa en harapos:
Y, como no mordía a
los mozalbetes temerosos,
Estos entonces, le
corrían a pedradas.
Una vez,
casualmente, un pintor miserable
Un bohemio, un
soñador,
Encontró en la calle
al perro solitario:
El artista era un
alma heroica y desgraciada,
Viviendo en una
oscura y mísera buhardilla,
Donde sobraba genio
y faltaba pan.
Era uno de esos que
aman la gloria con rojas llamaradas,
Este gran amor
fatal,
Que unas veces conduce
a la victoria fastuosa,
Y otras veces lleva
al cuarto de hospital.
Y al ver, sobre el
lodo a este esquelético can plebeyo,
Le dijo: - “Tu
destino es semejante al mío:
Yo soy como tú, un
proletario hecho pedazos,
Sin familia, sin
madre, sin casa, sin abrigo;
¡Y quién sabe si
hallaré en ti, oh perro viejo de cloaca,
A mi primer y
verdadero amigo!…”
En el cielo azul
brillaba una luz etérea y calma;
Y se veía en el
perro vil, en sus ojos misteriosos,
La desesperación y
el ansia de un alma,
Que está prisionera
y no puede hablar.
El artista supo leer
en las brasas de esa mirada
El elocuente
silencio de un gran corazón;
Y le dijo así:
“Fiel, vayamos para casa:
Tú eres mi amigo, y
yo soy tu hermano.”
Y vivieron después
así durante largos años,
Leales compañeros,
heroicos puritanos,
Dividiendo por igual
privaciones y dolores.
Cuando el artista
infeliz, exhausto y miserable,
Sentía morir la
llama del genio inquebrantable
De los fuertes
luchadores;
Cuando, incluso
acudía a su mente la idea
De quebrar con un
disparo su ultérrima esperanza,
Poner un punto y
final a su destino atroz;
En ese instante los
ojos buenos, serenos del can,
Murmuraban: “Sufro,
y la gente sufre menos,
Cuando se ve sufrir
también a alguien por nosotros”
Mas un día, la
Fortuna, diosa millonaria,
Entró en su cuarto,
y dijo alegremente:
“¡Un genio como tú,
viviendo como un paria,
Prisionero con la
lúgubre cadena del hambre!
Yo debía haberte
dado ya hace mucho esta sorpresa,
Yo debía haber
venido aquí a buscarte;
¡Pero vivías tan en
la altura! Y te lo digo con franqueza
Me costaba subir
hasta el sexto piso.
Acompáñame; la
gloria ha de arrodillarse a tus pies!…”
Y así fue: y al día
siguiente las bocas de las Frinés
Para él abrieron su
risa encantadora;
¡La gloria
deslumbrante iluminó su vida
Como bella alborada
espléndida, nacida
A toques de clarín y
a redobles de tambor!
Era feliz. El perro
Dormía en la
alfombra a los pies de su lecho,
Y venía, por la
mañana, a besarle la mano,
Gimiendo con un aire
alegre y satisfecho.
¡Pero hay! El dueño
ingrato, el ingrato compañero,
Sumergido en
pasiones, en gozos, en delicias,
Ya poco toleraba las
festivas caricias
De su leal sabueso.
Fue pasando el
tiempo; el perro, el desgraciado,
Ya viejo y
abandonado,
Fue muchas veces
golpeado y castigado
Por la simple y sola
razón de ir tras su dueño.
Como andaba
nauseabundo y se le cayera el pelo,
Finalmente, hasta el
dueño sentía asco al verlo,
Y mandaba cerrarle
la puerta del salón.
Le metieron después
en un cuarto frío y oscuro,
Y le daban de cenar
un hueso blanco y duro,
Cuya carne sirviese
a los dientes de otro perro.
Y era él
como un andrajoso, abyecto asesino,
Condenado a un
calabozo, a grilletes, a galeras:
Si comenzaba a
gemir, llorando su destino,
Los criados, brutales,
le daban puntapiés.
Corroyera su cuerpo
la negra lepra infame.
Cuando al sol
exhibía sus podredumbres obscenas,
Se le posaba en el
lomo el cáustico enjambre
De las moscas de
gangrenas.
Hasta que un día, al
fin, sintiendo que moría,
Dijo: “No moriré aún
sin verlo;
A sus pies quiero
dar mi último gemido…”
Entró en su cuarto,
como un bandido.
Y el artista al
entrar vio al sabueso inmundo,
Y gritó,
violentamente:
“¡Aún por aquí este
sórdido animal!
Es preciso acabar
con tanta impertinencia,
Que esta bestia está
podrida, y ya huele mal!”
Y, posando en él la
mano, cariñosamente,
Le dijo, con
aires de muy buen amigo:
“¡Oh, mi pobre Fiel,
tan viejo y tan enfermo,
Aunque te cueste,
ven aquí conmigo.”
Y los dos
salieron. Todo estaba desierto.
La noche era
sombría; el muelle estaba cerca;
Y el viejo
condenado, el pobre leproso,
Aquejado de dolores
inmensos
Sintió, junto a sí,
como un presentimiento
El hondo sollozo
monótono del agua.
¡Comprendió al
fin! Había llegado al borde
De la corriente. Y
el pintor,
Agarrando una piedra
la ató en su collar,
Fríamente, cantando
una canción de amor.
Y el sabueso,
sublime, impasible, sereno,
Miraba las negras
sombras mudas
Com aquella amargura
ideal del Nazareno
Recibiendo en la faz
el ósculo de Judas.
Se decía a sí mismo:
“Es igual, poco importa.
Cumplir su deseo,
ese es mi deber:
Fue él quien un día
abrió su puerta:
Moriré, si con ello
le doy algún placer”
Después,
súbitamente,
Lanzó el artista al
perro en las frías aguas.
Y al darle la patada
cayó en la corriente
El gorro que traía,
Un nostálgico y
adorado recuerdo
Otrora concedido
Por la criatura más
gentil y caprichosa,
Que amara, como sólo
una vez se ama en la vida.
Y al recogerse en
casa, exclamó, furioso:
“¡Y a causa de este perro
he perdido mi tesoro!
¡Bien mejor habría
sido envenenarlo!
“¡Maldito sea el
perro! Montes de oro daba,
Riqueza, gloria,
vida, futuro daba,
Para volver a ver
tan precioso objeto,
Dulce recuerdo de
aquel amor tan puro.”
Y se acostó
nervioso, alucinado, inquieto.
No podía dormir.
Hasta que al nacer
la viva claridad de la mañana,
¡Sintió que a la
puerta llamaban! Se levantó para abrir.
Retrocedió con
espanto: era Fiel, el perro,
Que volvía jadeando,
exánime, encharcado,
Trémulo y aullando
en su último estertor,
Cayendo de su boca,
al tumbarse fulminado,
El gorro del pintor!
EL PERRO FIEL
Guerra Junqueiro
Traducción: (?)
Avezado a los
vientos y a las noches sin sueño,
recorría los viejos barrios de la miseria
en busca de yantar;
y, al surgir de la luna la palidez etérea,
el pobre perro aullaba una canción funérea,
triste, con las tristezas osiánicas del mar.
Si la lluvia era grande y el frío era inclemente,
tendíase a cobijo de los grandes portales;
y, si le hechaban de ellos, huía humildemente,
resignados y mustios sus ojos virginales.
Parecía nostálgico de unos vagos cariños;
nunca ladró a los pobres de capas desgarradas,
y, como jamás hizo ningún daño a los niños,
lo solían los niños perseguir a pedradas.
Una vez casualmente, un mísero pintor,
bohemio y soñador,
se encontró por las calles al miserable can;
el artista era un alma heroica y desgraciada,
que habitaba una obscura buhardilla ignorada,
donde sobraba el genio, donde faltaba el pan.
Un alma que tenía el amor de la gloria,
el gran amor fatal,
que unas veces nos lleva, radiante, a la victoria
y otras veces al cuarto sin luz de un hospital.
Y, al ver el magro aspecto del pobre can baldío,
le dijo: Tu destino casi es casi igual al mío;
yo soy, como tu eres, un proletario roto,
sin familia, sin madre, sin hogar, sin abrigo,
y quien sabe si en ti, mísero perro ignoto,
no acabo de encontrar a mi primer amigo!
Derramaba la luna su luminosa calma,
y del mísero can, el intenso mirar
daba a entender las ansias y la inquietud de un alma
que está encerrada y que quiere romper a hablar...
supo ver el artista, en los ojos de brasa
el mutismo elocuente de un corazón humano;
y le dijo así: -Fiel, vámonos hacia casa,
que tu serás mi amigo, desde hoy y yo tu hermano.
Cuando el artista, débil exhausto y miserable,
sentía vacilar el genio inquebrantable,
le decía su amigo de los ojos serenos:
- Yo sufro....y ya tu ves, la gente sufre menos
Si alguien sufre a su lado....
Mas la fortuna, un día, la diosa millonaria,
llegándose al artista le iluminó la vida
con su bella alborada espléndida, nacida
de toques de clarín y alardes de tambor.
Era feliz; su alano
dormía, en una alfombra, a los pies de su lecho;
y todas las mañanas le besaba la mano,
gruñendo con un aire tranquilo y satisfecho.
Mas, ¡ay! El dueño, ingrato, desleal compañero,
sumergido en un mar de goces y delicias,
ya soportaba mal las festivas caricias
de su leal cerbero.
Y pasó tiempo.... El perro, esto es, el desdichado
perdió la paz y el sueño,
viéndose muchas veces herido y castigado
por la simple razón de seguir a su dueño.
Enfermó.... perdió el pelo, las fuerzas la arrogancia....
Su dueño no podía verle sin repugnancia.
Y era como un infame, miserable asesino,
condenado a la cárcel y a galeras después;
si gruñía, llorando su mísero destino,
los lacayos brutales le daban puntapiés....
Hasta que, un día, en fin, sintiéndose morir,
Dijo:- "No moriré sin verle; quiero ir
a exhalar, a sus pies, el último gemido...."
Y, arrastrándose casi, exhausto y moribundo,
metiósele en el cuarto, lo mismo que un bandido.
Cuando el artista vió llegar al perro inmundo.
Le echó la mano al cuello muy cariñosamente,
y le dijo con el aire de un buen amigo:
-¡Pobrecito Fiel mío!....¡tan viejo y tan doliente!
ven, que te acostaré; sal del cuarto conmigo.-
Y salieron los dos; todo estaba desierto;
la noche era sombría, era enorme aquel huerto,
y el perro, andando del dueño en seguimiento,
vacilante y sombrío,
oía, no muy lejos, como un presentimiento,
recorría los viejos barrios de la miseria
en busca de yantar;
y, al surgir de la luna la palidez etérea,
el pobre perro aullaba una canción funérea,
triste, con las tristezas osiánicas del mar.
Si la lluvia era grande y el frío era inclemente,
tendíase a cobijo de los grandes portales;
y, si le hechaban de ellos, huía humildemente,
resignados y mustios sus ojos virginales.
Parecía nostálgico de unos vagos cariños;
nunca ladró a los pobres de capas desgarradas,
y, como jamás hizo ningún daño a los niños,
lo solían los niños perseguir a pedradas.
Una vez casualmente, un mísero pintor,
bohemio y soñador,
se encontró por las calles al miserable can;
el artista era un alma heroica y desgraciada,
que habitaba una obscura buhardilla ignorada,
donde sobraba el genio, donde faltaba el pan.
Un alma que tenía el amor de la gloria,
el gran amor fatal,
que unas veces nos lleva, radiante, a la victoria
y otras veces al cuarto sin luz de un hospital.
Y, al ver el magro aspecto del pobre can baldío,
le dijo: Tu destino casi es casi igual al mío;
yo soy, como tu eres, un proletario roto,
sin familia, sin madre, sin hogar, sin abrigo,
y quien sabe si en ti, mísero perro ignoto,
no acabo de encontrar a mi primer amigo!
Derramaba la luna su luminosa calma,
y del mísero can, el intenso mirar
daba a entender las ansias y la inquietud de un alma
que está encerrada y que quiere romper a hablar...
supo ver el artista, en los ojos de brasa
el mutismo elocuente de un corazón humano;
y le dijo así: -Fiel, vámonos hacia casa,
que tu serás mi amigo, desde hoy y yo tu hermano.
Cuando el artista, débil exhausto y miserable,
sentía vacilar el genio inquebrantable,
le decía su amigo de los ojos serenos:
- Yo sufro....y ya tu ves, la gente sufre menos
Si alguien sufre a su lado....
Mas la fortuna, un día, la diosa millonaria,
llegándose al artista le iluminó la vida
con su bella alborada espléndida, nacida
de toques de clarín y alardes de tambor.
Era feliz; su alano
dormía, en una alfombra, a los pies de su lecho;
y todas las mañanas le besaba la mano,
gruñendo con un aire tranquilo y satisfecho.
Mas, ¡ay! El dueño, ingrato, desleal compañero,
sumergido en un mar de goces y delicias,
ya soportaba mal las festivas caricias
de su leal cerbero.
Y pasó tiempo.... El perro, esto es, el desdichado
perdió la paz y el sueño,
viéndose muchas veces herido y castigado
por la simple razón de seguir a su dueño.
Enfermó.... perdió el pelo, las fuerzas la arrogancia....
Su dueño no podía verle sin repugnancia.
Y era como un infame, miserable asesino,
condenado a la cárcel y a galeras después;
si gruñía, llorando su mísero destino,
los lacayos brutales le daban puntapiés....
Hasta que, un día, en fin, sintiéndose morir,
Dijo:- "No moriré sin verle; quiero ir
a exhalar, a sus pies, el último gemido...."
Y, arrastrándose casi, exhausto y moribundo,
metiósele en el cuarto, lo mismo que un bandido.
Cuando el artista vió llegar al perro inmundo.
Le echó la mano al cuello muy cariñosamente,
y le dijo con el aire de un buen amigo:
-¡Pobrecito Fiel mío!....¡tan viejo y tan doliente!
ven, que te acostaré; sal del cuarto conmigo.-
Y salieron los dos; todo estaba desierto;
la noche era sombría, era enorme aquel huerto,
y el perro, andando del dueño en seguimiento,
vacilante y sombrío,
oía, no muy lejos, como un presentimiento,
el hondo sollozar
monótono del río.
Y comprendió, por fin. Acaban de llegar
al agua; y el pintor,
agarrando una piedra, se la ató en el collar,
fríamente cantando una canción de amor.
Y el can, sublime entonces, impasible y sereno,
clavaba sus pupilas en las tinieblas mudas,
con aquella amargura ideal del Nazareno,
recibiendo, en la faz, el ósculo de Judas:
Y pensaba...."Es lo mismo....mi muerte va a ser cierta;
pero cumplir sus órdenes es mi único deber....
él me abrió aquella tarde la piedad de su puerta;
moriré, si le doy, con mi muerte, placer."
Luego, súbitamente,
el artista arrojó el perro al agua brava;
y, al darle un puntapié, cayóle en la corriente
la gorra que llevaba....
Era un dulce recuerdo de una hora de locura,
la memoria de un rapto de placer concedida
por la más caprichosa y gentil criatura
que él amó; como se ama sólo un día en la vida.
Y , volviendo a su casa, decía el hombre, airado:
"¡Por el maldito perro perder ese tesoro!....
¡Cuánto mejor sería haberle envenenado!
¡Maldito sea el perro!....Daría montes de oro,
la riqueza, la gloria, la existencia, el futuro,
para volver a ver aquel precioso objeto,
dulce recordación de aquel amor tan puro!"
Y acostóse nervioso, alucinado inquieto.
No podía dormir.
Apenas nace el día -¡extraño! - oye que dan,
en su puerta, unos golpes....se levanta y va a abrir;
retrocede espantado. Es Fiel, el pobre can,
que retorna, anhelante, exánime, enarcado,
a gruñir y a exhalar el último extertor,
soltando de los dientes, al caer fulminado,
la gorra del pintor
Y comprendió, por fin. Acaban de llegar
al agua; y el pintor,
agarrando una piedra, se la ató en el collar,
fríamente cantando una canción de amor.
Y el can, sublime entonces, impasible y sereno,
clavaba sus pupilas en las tinieblas mudas,
con aquella amargura ideal del Nazareno,
recibiendo, en la faz, el ósculo de Judas:
Y pensaba...."Es lo mismo....mi muerte va a ser cierta;
pero cumplir sus órdenes es mi único deber....
él me abrió aquella tarde la piedad de su puerta;
moriré, si le doy, con mi muerte, placer."
Luego, súbitamente,
el artista arrojó el perro al agua brava;
y, al darle un puntapié, cayóle en la corriente
la gorra que llevaba....
Era un dulce recuerdo de una hora de locura,
la memoria de un rapto de placer concedida
por la más caprichosa y gentil criatura
que él amó; como se ama sólo un día en la vida.
Y , volviendo a su casa, decía el hombre, airado:
"¡Por el maldito perro perder ese tesoro!....
¡Cuánto mejor sería haberle envenenado!
¡Maldito sea el perro!....Daría montes de oro,
la riqueza, la gloria, la existencia, el futuro,
para volver a ver aquel precioso objeto,
dulce recordación de aquel amor tan puro!"
Y acostóse nervioso, alucinado inquieto.
No podía dormir.
Apenas nace el día -¡extraño! - oye que dan,
en su puerta, unos golpes....se levanta y va a abrir;
retrocede espantado. Es Fiel, el pobre can,
que retorna, anhelante, exánime, enarcado,
a gruñir y a exhalar el último extertor,
soltando de los dientes, al caer fulminado,
la gorra del pintor
*
ilustrações de joba tridente.2019
Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Ligares, Freixo de Espada à Cinta: 17.9.1850
– Lisboa: 7.7.1923) foi jornalista, advogado, político e escritor (de prosa e
verso) português. Guerra Junqueiro, um dos mais populares e influentes escritores
da sua geração, cuja obra impulsionou a implantação da República, é autor de: Viagem À Roda Da Parvónia, A Morte De D. João (1874), Contos para a Infância (1875), A Musa Em Férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Oração Ao Pão (1903), Oração À Luz (1904), Gritos da Alma (1912), Pátria (1915), Poesias
Dispersas (1920).
Para
saber mais: Wikipédia: Guerra
Junqueiro; Instituto Camões: Guerra
Junqueiro; Carla Espírito Santo
Guerreiro: Reflexões
Pedagógicas na obra de Guerra Junqueiro; Carla Espírito Santo Guerreiro: A
Mundividência Infantil na Obra de Guerra Junqueiro; Gustavo Breunig: Guerra
Junqueiro e a bem humorada crítica à decadência; Maria Antónia Jardim: Dois poetas mal
amados; Vera Lúcia dos Santos Rocha: A decadência nacional de
fim-de-século: estudo sobre Guerra Junqueiro; ric: Junqueiro, Abílio Manuel
Guerra; Comunidade Cultura e Arte: Guerra
Junqueiro, a voz poética do Portugal republicano; ETCeTAL: Guerra Junqueiro;
Letras & Letras: Junqueiro, um
espaço na Modernidade; Sânzio de Azevedo: A
Face Romântica da Poesia de Guerra Junqueiro; Hemeroteca Digital: Guerra
Junqueiro. Youtube: FIEL
- na voz de Joaquin Sustelo.
Algumas
obras de Guerra Junqueiro (em Domínio Público) estão disponibilizadas
gratuitamente no Projeto Gutemberg e outros sites na web.
José
Carlos Fernández Romero (1965) é escritor, pesquisador, articulista, dramaturgo (Florbela
Espanca e Ibn Qasi, el rey iniciado del Algarbe), roteirista
(La Córdoba Omeya e Romana, Simbolismo na pintura de Julio Romero de
Torres e Simbolismo da arte tibetana), tradutor (obra completa
de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa) espanhol. Foi
colunistas de várias publicações, como Cuadernos de Cultura e Nova
Acrópole, e atualmente colabora com a revista Sphinx, na Espanha; e
dirige as revistas digitais Phoenix, ideias e cultura; Matemática
para Filósofos e Pandava, em Portugal. José Carlos Fernández, que
reside em Lisboa desde 2006, onde dirige as revistas Acrópole e Know
yourself e a Associação Cultural Nova Acrópole é autor de Córdoba
Eterna; El viaje iniciático de Hipatia: la búsqueda del alma de los
números; Florbela Espanca, la poetisa del amor: biografía y poemas
completos; El esoterismo en Fernando Pessoa; Reyes, poetas y
sabios de Portugal.
Para
saber mais: José
Carlos Fernández Romero.
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