<Texto da Tag “Escritor Convidado”, escrito por: A Doutora>
Eu publiquei originalmente este texto em novembro de 2017 num blog pessoal que já não existe mais. Já faz quase dois anos, e acho que a opinião expressa nele ainda vale, portanto, compartilharei com vocês. Espero que gostem.
Eu publiquei originalmente este texto em novembro de 2017 num blog pessoal que já não existe mais. Já faz quase dois anos, e acho que a opinião expressa nele ainda vale, portanto, compartilharei com vocês. Espero que gostem.
Eu
sempre gostei de escrever. Por muito tempo não pratiquei, nunca entendi muito
bem o porquê, mesmo elaborando mil histórias na cabeça. Na escola, minhas
atividades favoritas de português eram escrever redações. Certa vez, quando eu
estava já no ensino médio, veio a atividade dos sonhos. Uma atividade proposta
pelo livro do MEC que ia muito além de "o que vocês fizeram nas
férias". Para mim, seria um desafio. Seria O Desafio. Teríamos que
escrever uma história. Não uma redação, mas uma história. A proposta era que
fosse algum tipo de conto policial. Havia um garoto rico que tinha sido
sequestrado. A história teria que ter três personagens: Um policial de nome
escroto que investigaria o caso, e os pais do garoto. Tinha até uma carta com
recortes de jornal e revistas, como nos filmes. Poderíamos acrescentar quantos
personagens quiséssemos, e desenvolver a trama a partir destes pontos.
Ávida
leitora de Agatha Christie nessa época, senti que a tarefa caiu como uma luva
para mim. Não me lembro de já ter feito algo com tamanha empolgação como
escrever uma história sobre um garotinho rico sequestrado. Se isso era indício
de alguma coisa, na época não percebi. Não lembro de detalhes sobre a história,
apenas alguns pontos fundamentais e da sensação que tinha enquanto escrevia. Já
tinha lido livros da Dama do Crime o suficiente (a essa altura muito mais que
uma dezena deles) para saber que eu não poderia ser tão óbvia, então tentei
pensar fora da caixinha - ou tanto quanto possível para uma pessoa do ensino
médio que nunca tinha escrito algo como isso antes. Me lembro que não apelei
para um sequestrador estranho querendo apenas dinheiro. Na minha história, o
responsável era o próprio pai do garoto. Sua esposa queria o divórcio - mas
não, não era um caso de vingança fútil. Não, meu vilão, na minha cabeça, era
mais sofisticado. Ele tinha um plano. Ele próprio resolveria o caso de
sequestro do seu filho, e o traria para casa, são e salvo, e sua esposa seria
eternamente grata. Quem se divorciaria de um herói, afinal de contas? Spoiler:
O plano, claro, foi frustrado pelo inteligente policial, nosso verdadeiro
herói. Eu estava particularmente feliz com a história que entreguei para a
professora Maria Cristina.
O
problema foi que minha felicidade e empolgação não duraram muito. Conversei com
muitos colegas sobre suas histórias, e todas iam na mesma direção, aquela que
conscientemente escolhi não tomar: A do sequestrador desconhecido que só estava
interessado no dinheiro. Eu sabia que esse era um caminho ruim e sem muita
imaginação, mas todo mundo tinha ido por ele, e por alguma razão, me senti mal
e até meio idiota por não ter ido também. Acho que é porque todos queremos
pertencer a algum grupo, mesmo que isso sacrifique nossa individualidade. Hoje,
mais de uma década mais velha e com distanciamento, sinto orgulho do que fiz.
Tenho consciência de que não era uma grande história,e possivelmente era apenas
um pouco menos clichê do que o sequestrador que queria dinheiro. Mas eu segui
meu instinto, obedeci um impulso primário e saí do lugar-comum, ainda que não
muito. Por vezes, me pego me imaginando voltando no tempo, para dizer para
aquela adolescente de 14 anos para se orgulhar, pois ela tinha feito uma coisa
boa. Para dizer "Ei, continue assim, e um dia você poderá ser muito boa
nisso, não desista. Está tudo bem não pensar como a maioria." Mas isso é
impossível. Não podemos voltar no tempo e transmitir mensagens otimistas. Mas o
que podemos fazer é aprender com as nossas escolhas. O futuro não ensina nada
ao passado, mas o inverso pode e deve acontecer. Então talvez esteja na hora de
eu aprender com a garota que seguiu seu instinto. Quando crescemos,e como diria
Monteiro Lobato, idiotamente tornarmo-nos adulto, aprendemos que seguir
instinto é coisa de selvagem, formas de vida menos evoluídas que a nossa, e que
agir por impulso é coisa de gente inconsequente que não pensa no futuro. O que
nos diferencia dos demais animais? Somo racionais. Mas se tem uma coisa que a
tragédia hamletiana nos ensina, é que pensar demais, racionalizar demais as
coisas, pode ser tão prejudicial quanto um ato inconsequente. Talvez o que
aquela pessoa de quatorze anos que era ávida por Agatha Christie tenha para me
ensinar é que se seguirmos nossos instintos, podemos alcançar coisas
maravilhosas. Não podemos mudar o passado e nem as travas que nos colocamos ao
longo do nosso caminho, mas podemos definir nosso futuro, e nos libertar das
amarras. Mesmo que isto signifique ir contra a maré. Mesmo que isso signifique
ir contra o exército do padrãozinho.
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