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A boa estratégia pode falhar se as táticas
forem ruins
Os livros de
Winston Churchill estão entre os meus favoritos. Sua tenacidade – alguns chamam
de teimosia – permeava todas as facetas de sua personalidade. Sua proposta de
uma campanha militar em Dardanelos, durante a Primeira Guerra Mundial –
exatamente a mesma que provocou a renuncia do almirante Fischer -, tornou-se
uma das piores tragédias militares da história britânica. Apesar disso, 25 anos
depois, ele teve a sagacidade de perceber que sua ideia central estava correta,
e a coragem de tentar executar o plano novamente.
E, 1915, Churchill,
então o Primeiro Lorde Almirantado, convenceu o ministério e os aliados
britânicos a atacar Gallipoli, no coração do Império Otamano, a fim de criar
uma linha de abastecimento para a Rússia e forçar os alemães a abrirem uma nova
frente. Navios e tropas eram desviados do Mediterrâneo – isso foi o que irritou
Fischer – e enviados para o estreito de Dardanelos, um ponto estratégico que
divide as partes asiáticas e européia da Turquia.
Os primeiros
ataques navais correram bem, mas esse foi o fim das boas notícias para os
britânicos. Quando as tropas chegaram, foram colocadas sob o comando de Sir Ian
Hamilton, que tinha pouco conhecimento da situação em terra. Uniram-se a ele
dois comandantes, sem ninguém no comando geral da operação. Um erro tático
seguiu-se a outro, enquanto as tropas britânicas sofriam pesadas baixas diante
da inspirada defesa dos turcos, cuja vitória final provocou a ascensão do
Coronel Mustafá Kemal – posteriormente conhecido como Ataturk -, que depois da
guerra fundou a República da Turquia.
Os britânicos
finalmente bateram em retirada, depois de perderem duzentos mil homens e três
encouraçados. Essa tragédia humilhante custou a Churchil seu cargo no
Almirantado, embora tenha sido chamado de volta logo após o início da Segunda
Guerra Mundial. Em 1941, quando a Alemanha nazista atacou a União Soviética,
Churchill percebeu que os soviéticos tinham muito pouco suprimentos, exatamente
como a Rússia no começo da Primeira Guerra Mundial. Uma das primeiras ações
soviético-britânicas, em julho de 1941, foi ocupar o Irã para assegurar linhas
de abastecimento e comunicação por terra com os soviéticos. (As linhas do Mar
do Norte seriam inseguras e insuficientes em uma guerra longa).
Em outubro, os
Aliados começaram a abastecer os soviéticos, exatamente como Churchill
imaginara em 1915. E, 1943, isso demonstrou ser de vital importância para o
esforço de guerra da URSS, com mais de trezentas mil toneladas de alimentos,
munição e outros suprimentos essenciais sendo fornecidos todo mês. Churchill
reconheceu que o fracasso da campanha de Gallipoli não significava que o raciocínio
que a embasava era falho. Independente de bons ou maus resultados, nossa
análise da causa deve ser rigorosa.
No xadrez, vemos
muitos casos de fracasso, de uma boa estratégia devido a táticas ineficientes,
e vice-versa. Um único descuido pode desmontar os mais brilhantes conceitos.
Acabam sendo ainda mais perigosos os casos em que uma má estratégia tem sucesso
devido a boas táticas ou por pura sorte. Isso pode funcionar uma, mas raramente
duas vezes. Por isso é tão importante questionar o sucesso com a mesma
intensidade que se questiona o fracasso.
Pablo Picasso
acertou quando disse, de maneira tipicamente elíptica: “Computadores são
inúteis, pois apenas conseguem fornecer as respostas”. O que importa são as
perguntas. Perguntar e descobrir as perguntas certas são o segredo para manter
o curso. Nossas táticas e decisões do cotidiano são baseadas em nossas metas de
longo prazo? A gigantesca onda de informações ameaça obscurecer a estratégia,
inundando-a de detalhes e números, cálculos e análises, reações e táticas. Para
ter táticas fortes, precisamos ter uma estratégia forte de um lado e cálculos
precisos de outro. Ambos exigem uma visão do futuro.
Paul Morphy (1837 -84), EUA
Wilhelm Steinitz (1836 – 1900),
Império Austríaco
Os fundadores
O edifício do xadrez moderno é sustentado por dois pilares,
Morphy e Steinitz. O primeiro foi um pioneiro de brilho sem precedentes. O
segundo documentou a forma do jogo e codificou o método em um sistema por meio
do qual outros pudessem aprender. O jogo de Morphy e as partidas e escritos de
Steinitz fizeram a transição do xadrez do turbulento período romântico para a
era moderna dos princípios lógicos.
Parece irracional sugerir que um único jogador poderia ter
impacto significativo num jogo tão antigo e num espaço de apenas um ano. No
entanto, em 1857 – 8, o americano Paul Morphy criou um legado que alterou o
mundo do xadrez para sempre. O rico rapaz de Nova Orleans entrou para o mundo
do xadrez apenas porque ainda não tinha a idade exigida para trabalhar como
advogado quando se formou. Ele rapidamente demonstrou que estava em uma classe
acima dos melhores enxadristas do Estados Unidos, mas a verdadeira concorrência
estava do outro lado do Atlântico.
A viagem de Morphy à Europa pode ser comparada às mais incríveis
histórias de conquistas. Invertendo o caminho dos conquistadores, o rapaz de 21
anos derrotou os mais importantes jogadores da época, um após outro. Até o
renomado alemão Adolf Andersen foi cabalmente derrotado. A perícia de Andersen
como atacante era tal que duas de suas partidas mais notáveis receberam nomes
próprios. Os jogadores da atualidade ainda se surpreendem com a beleza das
partidas “A imortal” e “A sempre-viva”, quando apreciam pela primeira vez. Apesar
disso, ele não conseguiu mostrar muita coisa contra o jogo seguro de Morphy. O
grande jogador inglês Howard Staunton, já com certa idade, prudentemente evitou
enfrentar Morphy no tabuleiro.
Morphy retomou aos Estados Unidos como herói. Não é de admirar,
já que ele foi o primeiro americano a alcançar a proeminência global. Embora o
título de campeão mundial do xadrez só viesse a ser reconhecido dali a trinta
anos, não dúvida de que Morphy era o rei do xadrez.
Tragicamente, ele teve um reinado muito curto. Morphy nunca
havia considerado o xadrez uma profissão adequada para um cavalheiro sulista e,
após seu retorno da Europa, nunca mais jogou xadrez com seriedade. Ele estava
perturbado pelo jogo e desencantado com a advocacia, e nunca fez uma grande
carreira em nenhuma das profissões. Essa ansiedade foi exacerbada por sua
ambivalência durante a Guerra Civil, e Morphy sofreu um declínio mental
progressivo em seus últimos anos de vida. Com boa razão, o grande Morphy é
chamado “o orgulho e a tristeza do xadrez”.
Como ele conseguiu? Como pôde alguém tão jovem, sem concorrentes
adequados em sua terra natal, humilhar com tanta facilidade os melhores
jogadores do mundo? O segredo de Morphy, e é improvável que ele mesmo tivesse
conhecimento disso, era seu entendimento do jogo posicional. Em vez de se
lançar direto ao ataque, como era a norma naquela época, Morphy primeiro se
certificava de que tudo estava preparado. Ele sabia que um ataque vencedor só
deveria ser lançado de uma posição forte, e que uma posição sem fraquezas não
poderia ser sobrepujada.
Infelizmente, ele não deixou diagramas ou escritos que pudessem
explicar seu método. Morphy estava tão à frente de seu tempo que, depois que
ele saiu de cena, os românticos dominaram novamente, como se não tivessem
aprendido nada. Levou mais um quarto de século para que esses princípios
fundamentais de desenvolvimento e ataque fossem redescobertos e formulados.
Essa redescoberta foi uma realização de Wilhelm Steinitz. Nascido
em Praga, então parte do Império Austríaco, a precoce carreira de Steinitz teve
crescimento firme, e seu jogo era semelhante em estilo a seus contemporâneos. Ou
seja, ele jogava de maneira especulativa e fazendo sacrifícios, dispensando
pouca consideração à defesa e à racionalidade. Alcançou proeminência como
jogador de ataques ousados, adquirindo o apelido de “Morphy austríaco”. Foi
depois que Steinitz se mudou para Inglaterra, onde viveu durante vinte anos
antes de se tornar um cidadão americano, que ele gradualmente transformou seu
pensamento e seu jogo. Os longos intervalos entre torneios lhe permitiam pensar
e estudar, enquanto escrevia uma apreciada coluna de xadrez e fazia exibições.
Em 1870, Steinitz começou a elaborar suas teorias de defesa, fraquezas e jogo
estratégico. Esse fato é o que divide a linha do tempo do xadrez nos períodos
pré-Steinitz e pós-Steinitz.
Embora a imortalidade de Steinitz tenha sido assegurada por suas
contribuições teóricas, ele também foi bem-sucedido em aplicá-las no tabuleiro.
Em 1886, ele enfrentou Johann Zuketort, um atacante romântico da velha escola,
no que hoje é lembrado como o match
oficial pelo campeonato mundial. Apesar de perder quatro dos primeiros cinco
jogos, Steinitz e seus princípios triunfaram no final. Ele avaliou a capacidade
de seu oponente, ajustou-se e conseguiu nove vitórias contra apenas uma
derrota. Zuketort não conseguia entender como Steinitz podia vencer sem ataques
brilhantes. Afinal, não era assim que os jogos deveriam ser vencidos?
Quando ele passou a coroa para Emanuel Lasker em 1894, uma nova
geração de enxadristas havia incorporado inteiramente os ensinamentos de
Steinitz. Todos os campeões reconheceram nossa dívida para com suas teorias e princípios.
A evolução do jogo prosseguiu, mas foi Steinitz, inspirado por Morphym quem
primeiro trouxe o jogo à luz.
Sobre Morphy: “Até hoje, Morphy é um mestre incomparável
do jogo aberto. A dimensão de sua importância é evidente pelo fato que depois
dele nada de substancialmente novo foi criado nesse campo. Todos os jogadores –
de principiantes a mestres – devem, em sua prática, retornar muitas vezes aos
jogos do gênio americano.” – Milhail Botvinnik
Morphy em suas próprias
palavras: “À diferença de
outros jogos, nos quais o lucro constitui o propósito e a finalidade dos
participantes, o xadrez por si só é recomendado aos sensatos, pelo fato de que
suas batalhas simuladas terminam sem buscar prêmio ou honra alguma. Sem dúvida,
é o jogo dos filósofos. Se deixarem que o tabuleiro substitua o pano verde do
carteado, nota-se-á uma enorme melhora na moral da comunidade.”
Sobre Steinitz: “A importância dos ensinamentos de Steinitz
foi ter demonstrado que, em princípio, o xadrez tem uma natureza lógica,
estritamente decidida.” – Tigran Petrosian
Steinitz em suas próprias
palavras: “O xadrez é
difícil, exige trabalho, reflexão substancial e pesquisa cuidadosa. Somente a
crítica honesta e imparcial conduz ao objetivo.”
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Até o próximo.
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