
Depois do texto sobre Demolidor: Redenção e da lista de cinco histórias pouco faladas do Homem sem Medo,
fiquei com isso na cabeça: dá pra fazer algo parecido com o herói mais popular
da editora, ou o Aranha já foi dissecado demais? A resposta óbvia seria “deixa
quieto, todo mundo já fez mil listas de Homem-Aranha”, mas foi justamente aí
que a teimosia bateu. Se a gente conseguiu cavar coisa boa e esquecida num
personagem de “série B” como o Demolidor, por que não tentar fazer o mesmo com
o queridinho da casa, o nosso velho amigo cabeça de teia?
A primeira ideia foi ir para outros heróis urbanos: Justiceiro, Luke Cage, Punho de Ferro, Cavaleiro da Lua… só que eu já tinha falado bastante do Frank recentemente (e da caveira dele), e a graça aqui era mirar no alvo mais óbvio de todos. O problema é que o Aranha tem um volume absurdo de material, com várias fases já canonizadas no imaginário nerd: A Última Caçada de Kraven, “o menino que colecionava Homem-Aranha”, A Noite em que Gwen Stacy Morreu, a fase do JMS, Homem-Aranha Azul, etc. Não fazia sentido repetir o que qualquer top 10 da internet já traz de cabeça.
Então impus a mesma regra da
lista do Demolidor: garimpar histórias que sejam, ao mesmo tempo, excelentes e
menos celebradas do que deveriam. Em alguns casos, são arcos meio “perdidos” em
fases confusas; em outros, especiais e minisséries que vivem na sombra dos
clássicos. No fim, saíram essas cinco: um adeus não assumido ao casamento, um
clone tentando merecer existir, uma amizade escrita com carinho e não com meme,
um desastre de metrô que lembra o básico do personagem e, por fim, um confronto
contra o Fanático que é quase um laboratório sobre o que faz o Homem-Aranha ser
quem é. Se você já leu todas, ótimo; se nunca ouviu falar de alguma delas,
melhor ainda.
1. Para ter e guardar
“To Have and to Hold” – Sensational Spider-Man Annual
1 (2007), Matt Fraction & Salvador Larroca
Essa história é basicamente o
“último jantar” do casamento do Peter e da Mary Jane, mas contada em tom de
perseguição. Os dois estão foragidos depois da Guerra Civil, vivendo de
apartamento em apartamento, e o roteiro vai intercalando essas fugas com pequenos
flashbacks do que manteve (e do que detonou) a relação. Fraction não fica na
superfície do “casal fofo”: ele mostra o incômodo do Peter trazer sempre
tragédia para a vida dela, o ressentimento da ruiva por ter que se esconder, a
sensação de que o casamento virou um esconderijo permanente.
O detalhe que me ganha é como a
história entende o peso da escolha da MJ. Em vez de tratar a personagem como “a
esposa do herói”, ela é apresentada como alguém que sabe exatamente com quem se
casou e, mesmo assim, ainda escolhe ficar. A arte do Larroca ajuda quando ele
alterna entre o glamour da MJ atriz e a mulher descabelada num quarto apertado,
segurando a mão de um cara que literalmente atrai tiros e demônios. É um
capítulo curto, mas é a única vez em que o momento “pré-Mefisto” parece
reconhecer de forma adulta o que estava prestes a jogar fora.
Leia depois de Guerra Civil e
antes de “Um Dia a Mais”. Não muda nada no canon, mas muda muito na forma como
você olha para o que foi destruído depois.
2. O Aranha que sobrou da Saga do
Clone
Spider-Man: The Lost Years + Redemption – J. M.
DeMatteis, John Romita Jr. & Mike Zeck
Aqui não é sobre o Peter, e sim
sobre o que sobrou quando a Saga do Clone virou piada. “The Lost Years” e
“Redemption” acompanham Ben Reilly tentando montar uma vida qualquer, pulando
de cidade em cidade, trabalhando em emprego de merda e sempre com a sensação de
que ele é um rascunho descartável de outra pessoa. Do outro lado, Kaine aparece
como uma sombra deformada, meio assassino, meio irmão mais velho ressentido,
incapaz de decidir se quer proteger ou destruir o Ben.
DeMatteis leva a proposta a
sério: ele escreve o Ben como alguém que está tentando desesperadamente
acreditar que merece existir, mesmo sabendo que toda a história de origem dele
é uma piada cruel. Não tem piadinha de jaqueta, tem solidão. O Kaine, por sua
vez, é tratado quase como um monstro de filme de terror, mas com uma culpa que
vai ficando mais clara a cada embate. Quando os dois finalmente se encaram de
verdade, não é só “herói vs vilão”, é uma discussão sobre quem tem direito de
carregar a identidade do Homem-Aranha e quem vai ter que desaparecer para o
outro respirar.
Perfeito pra quem sempre odiou a
Saga do Clone por ouvir falar. Lendo isolado, longe do caos mensal, funciona
como um pequeno noir trágico dentro do universo do Aranha.
3. Homem-Aranha / Tocha Humana:
amizade à moda velha
Spider-Man / Human Torch 1–5 (2005) – Dan Slott &
Ty Templeton
Essa minissérie é a biografia de
uma amizade contada em cinco atos. Cada edição pega uma época diferente: o
começo bobinho de “quem é o herói mais legal?”, a ideia de fazerem o Buggy
Aranha, o casamento do Peter, até chegar em momentos mais recentes. O legal é
que Slott não está interessado só em reencenar momentos clássicos, ele preenche
os espaços entre eles: as conversas jogadas fora, as pequenas humilhações que o
Johnny faz e depois finge que esqueceu, os ciúmes idiotas quando um começa a
crescer mais que o outro.
Tem várias sacadas específicas
que fazem essa série ficar na cabeça: o Aranha aceitando um trampo meio
humilhante no Quarteto porque está duro, o Johnny percebendo tarde demais que o
Peter não é só “o loser engraçado”, e a maneira como, lá na frente, a piada
interna deles vira um pedido de ajuda verdadeiro. O traço do Templeton, mais
cartunesco, dá um clima de “desenho das 11h da manhã” que casa bem com essa
ideia de ver dois caras envelhecendo juntos sem perder completamente a vibe
adolescente.
Curioso é lembrar que esse Dan
Slott aqui vem antes dele virar quase “dono” do título por anos, naquela
fase longa e bem divisiva. Em Homem-Aranha / Tocha Humana você vê um
Slott mais contido, afiado no humor, mas sem a necessidade de “mudar tudo para
sempre” a cada arco. Ótimo ponto de entrada pra quem conhece o Aranha só pelos
filmes: você entende quem ele é, quem é o Tocha, e ainda ganha de brinde um
tour guiado pela cronologia clássica sem precisar decorar cinquenta sagas.
4. Parada não programada
“Unscheduled Stop” – Amazing Spider-Man 578–579
(2009), Mark Waid & Marcos Martín
Talvez seja a única história
dessa lista que vive aparecendo em outros tops de “melhores histórias do
Aranha”, e com razão. O diferencial aqui é onde ela aparece na
cronologia. Ela é filha direta da fase “Um Novo Dia”, aquele soft reboot
pós-pacto em que o Peter volta a ser solteiro, repórter ferrado e com a vida
toda reembaralhada. É o mesmo período que apresentou vilões novos como o Sr.
Negativo, que depois acabou migrando para games e animações, então a fase tem um
peso maior do que muita gente admite.
No meio desse laboratório de
ideias, Waid e Martín entregam uma HQ que parece simples: o Aranha preso num
metrô em pane, tentando impedir que aquilo vire um obituário coletivo. Nada de
participação especial cósmica, nada de “isso vai mudar o Universo Marvel para
sempre”. O roteiro aperta o foco em problemas muito concretos: estrutura do
túnel cedendo, água entrando, gente em pânico, passageiros discutindo sobre
quem merece ser salvo primeiro. O vilão é quase um detalhe de cenário. O que
importa é ver o Peter como um cara exausto, suando para manter literalmente o
teto de pé.
O que torna essa história
especial é o jeito como ela reprograma o Aranha pós-reboot. Depois de toda a
confusão do pacto com Mefisto, “Parada não programada” lembra o básico: ele é
um herói de bairro lidando com desgraças que poderiam estar no jornal da manhã.
O desenho do Marcos Martín, com enquadramentos claustrofóbicos e soluções
gráficas criativas para mostrar o aperto dentro do túnel, transforma um cenário
que podia ser genérico em algo memorável. Para quem olha para a fase “Um Novo
Dia” com desconfiança, essa é a HQ que prova que, no meio do caos editorial,
ainda dava para sair coisa muito boa dali.
5. Nada pode deter o Fanático
“Nothing Can Stop the Juggernaut!” – The Amazing
Spider-Man 229–230 (1982), Roger Stern & John Romita Jr.
Se eu ia puxar alguma coisa dos
anos 80 pro meio da lista, tinha que ser algo que sintetizasse o Homem-Aranha
num estado quase “puro”. E poucas histórias fazem isso tão bem quanto essa
dupla de edições em que o Aranha tenta impedir, sozinho, um dos tanques
ambulantes mais absurdos da Marvel: o Fanático. Sem mega-saga, sem “isso vai
mudar tudo pra sempre”, só duas revistas mensais com uma ideia simples e cruel:
o que acontece quando o herói que depende de agilidade, inteligência e teia
precisa segurar, na marra, alguém que literalmente não pode ser parado.
Contexto rápido: começo dos anos
80, Roger Stern em plena fase inspirada no título principal, John Romita Jr.
numa transição curiosa entre o traço mais “padrão Marvel” e o estilo mais
robusto que ele teria depois. A trama gira em torno do Fanático indo atrás da
Madame Teia, e o Aranha entrando no meio dessa rota de colisão. O roteiro não
tenta inventar conspiradores ocultos ou grandes reviravoltas metafísicas; ele
só te coloca do lado do Peter enquanto ele tenta, de TODAS as maneiras
possíveis, atrasar um monstro que simplesmente ignora soco, teia, prédio,
caminhão, o que colocarem na frente.
O que torna essa história
especial não é “o vilão quase invencível”, isso a Marvel tem de sobra. É a
sensação crescente de impotência. A cada página, o Peter apela para uma solução
mais desesperada, e a revista não alivia: ele apanha, se esgota, erra, chega
atrasado, sente culpa. O foco não está em ver se o Aranha vai ganhar a luta,
porque não vai. O foco é ver até onde ele vai insistir mesmo sabendo que a
chance de vitória é praticamente zero. É uma daquelas histórias em que o poder
de arrancar prédio do chão importa menos que a teimosia moral do protagonista.
Essa é, pra mim, uma das leituras
perfeitas pra quando alguém diz que “o Aranha é só piadinha, nunca enfrenta
nada realmente sério”. Lê essas duas edições num momento em que você estiver
mais de saco cheio de evento e reviravolta cósmica, e presta atenção em como
algo tão “simples” quanto um cara tentando atrasar um outro cara por algumas
horas consegue dizer tanto sobre quem é o Homem-Aranha de verdade.
Essas cinco não são “as melhores
histórias do Homem-Aranha de todos os tempos” porque isso é impossível de
cravar, ainda mais num personagem com tanta bagagem. Mas são histórias que, pra
mim, mostram facetas do Peter que às vezes se perdem no meio de pacto, totem,
clone, multiverso e evento anual. Tudo isso é Homem-Aranha tanto quanto
qualquer luta contra Doutor Octopus em capa clássica.
Agora eu quero saber de você: dessas cinco, quais você já leu? Tem alguma que você odeia e acha superestimada? Que outra história “escondida” do Aranha você colocaria numa lista assim, daquelas que você vive recomendando e ninguém lê porque está ocupado relendo sempre as mesmas fases? E, se você só conhece o personagem pelos filmes e animações, qual dessas te deu mais vontade de ir atrás primeiro? Me conta aí nos comentários: o que entra, o que sai, e que personagem você acha que merece o próximo “top 5 histórias boas demais pra viverem esquecidas na gaveta”.



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