O MELHOR ESTÁ POR VIR
por Joba Tridente
publicado originalmente em Claque ou Claquete
Numa época individualista e de amigos virtuais de
ocasião (cuja maioria você jamais conhecerá fisicamente), uma boa e velha
amizade, daquelas que une pessoas (na alegria, na tolice e na tristeza) por
décadas e sem qualquer explicação lógica (além do acaso do primeiro encontro), vale
ouro, nas horas mais frágeis de cada um. Não há fronteira familiar que barre a
amizade verdadeira. Portanto, na engrenagem (ou traquinagem) do tempo, que
engole segundos e minutos preciosos do passado, ter um amigo (no presente), a quem
se pode confidenciar (ou compartilhar) uma aflição, faz toda a diferença.
Amizade e amor é o cerne do simpático melodrama (com pitadas de humor) francês O
Melhor Está Por Vir (Le Meilleur Reste à Venir, 2019), roteirizado e
dirigido por Matthieu Delaporte e Alexandre De La Patellière.
O Melhor Está Por Vir fala de dois amigos adultos
que cultivam uma amizade inabalável desde a infância. Um dia, por conta de um
incidente, o introvertido Arthur (Fabrice Luchini) fica sabendo
que o efusivo César (Patrick Bruel) está com câncer. Porém, ao
dar a má notícia ao velho amigo, ele se enrola tanto que César acaba
achando que é Arthur quem está com a doença terminal e decide fazer de
tudo para tornar seus últimos dias mais felizes. Assim começa a saga dos dois em
busca de momentos inesquecíveis do passado e procurando realizar alguns sonhos/desejos
impossíveis..., um tentando amenizar a dor do outro.
A imersão no tema (câncer) não é novidade no cinema.
São muitas as tramas envolvendo jovens (românticos) e ou adultos (resignados)...,
bem como sobre confusão de diagnóstico médico, este sempre num tom mais cômico.
Delaporte e De La Patellière, no entanto, não parecem preocupados com o
ineditismo do tema. Estão mais interessados em contar uma boa e melodramática
história (com bem-vindas surpresas), sobre o valor da amizade, do amor, da
solidariedade, em cujo entrelinhado aparece a doença terminal. O câncer (no
enredo) nada mais é que o impulso dramático para a narrativa que se quer leve
(pra cima) e nada piegas. Não para maquiar e ou ignorar a doença..., mas,
diante de um diagnóstico definitivamente fatal, resta ao diagnosticado a paciência
e o bom senso (se possível, evidentemente) de aproveitar os seus dias
(terminais ou não) da melhor maneira possível..., ou com alguma dignidade.
Mesmo com os clichês de praxe e a trilha instrumental
inconveniente, O Melhor Está Por Vir é um filme que se assiste com
prazer e, certamente, há de emocionar boa parte do público. Luchini e Bruel estão
muito bem, mesmo quando parecem exagerar nas idiossincrasias das suas personagens
raras (nos dias de hoje), mas críveis. O roteiro é clássico e planta com inteligência
algumas dúvidas nas certezas do espectador. Nem sempre o humor francês faz
sentido, mas isso é mero detalhe. A dupla direção é eficaz e Matthieu Delaporte
e Alexandre De La Patellière contam (sem enrolação) muito bem a envolvente
história que se propuseram a narrar.
Nota: A quem não tem, nunca teve e quer saber qual é
o sentimento de ter um amigo verdadeiro, recomendo a leitura de Um Amigo
(1973), de Leif Kristiansson.
*Joba
Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os
primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003),
de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
0 Comentários