Crítica: Silvio e os Outros



Crítica: SILVIO E OS OUTROS
por Joba Tridente
publicada originalmente em Claque ou Claquete

Não há dúvidas de que o polêmico diretor Paolo Sorrentino, com suas obras carregadas de simbolismo, crítica sociopolítica e religiosa, metáforas, referências e reverências aos grandes mestres do cinema italiano, divide opiniões entre espectadores e crítica a cada novo filme. Portanto, não é nenhuma novidade o rebuliço com a sua leitura (sempre muito particular) de um recorte da vida do também polêmico empresário e político Silvio Berlusconi no seu recente Loro (Silvio e os Outros, 2018).

Em Silvio e os Outros (Loro, 2018), que mais uma vez traz roteiro em parceria com Umberto Contarello, com quem escreveu os excelentes Aqui é o Meu Lugar (2011) e A Grande Beleza (2013), Paolo Sorrentino (A Juventude, 2015), nos apresenta uma espécie de “lado B” do seu ótimo Il Divo (2008). Ou seja, enquanto a moeda de duas caras roda na banca, notamos em uma face que se escancara as idiossincrasias da outra face que se contrai em desenfreada e populista busca (sem culpa) da coroa vaidosa do poder. Em ambos, as dores do ocaso, nas cinebiografias iguais mas diferentes sobre dois notórios políticos italianos (Giulio Andreotti e Silvio Berlusconi) que, cá pra nós, não são muito diferentes de outros políticos e suas politicagens em outras partes do mundo latino ou não.


Condensado entre os anos 2006 e 2009, este filme estranho e que parece meio truncado, às vezes, possivelmente por ter sido lançado originalmente em duas partes, na Itália, e em apenas uma no mercado exterior (com cerca de 60 minutos a menos), tem de tudo um pouco: drama, comédia (insossa), ópera-bufa, música e dança, sátira de fatos... Neste espetáculo tão repleto de alegorias, que mal cabem no palco das ostentações, acompanhamos a movimentação sinuosa da horda de bajuladores em busca de ricas migalhas sociais (tendo como moeda de troca sexo e droga), comandada pelo vivaldino Sergio Morra (Riccardo Scamarcio), os bastidores das negociatas parlamentares e o relacionamento em crise do inescrupuloso Silvio Berlusconi com sua angustiada segunda esposa Verônica Lario (Elena Sofia Ricci). Cada segmento com uma distinta paleta de cores, sons e figurinos que embevecem ou enojam a distinta plateia.


Com seu tom de sarcástica melancolia, Silvio e os Outros traz à luz fragmentos da solidão política e familiar e o vazio abismal de um homem velho virando cinza (com seu bilhões que já não compram tudo), saudoso de uma juventude que já vai longe e ciente de que a sua grana polpuda já não lhe serve de sedutora maquiagem nos conchavos para mudar o cenário político italiano, para que tudo permaneça igual (a seu favor). Através de um olhar nada complacente de Sorrentino, o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, excepcionalmente interpretado por Toni Servillo, que também vestiu com a mesma categoria a pele de Giulio Andreotti, parece um boneco automanipulado usando a sorridente máscara-símbolo da comédia teatral na tentativa de corromper políticos influentes e ou de convencer as jovens alpinistas sociais de que é o macho alfa (ainda que ridículo e decadente) do governo e do mercado capital.


Em sua narrativa (quase linear) Silvio e os Outros pode parecer enfadonho, às vezes, mas o que conta mesmo são os seus momentos mais brilhantes e de sagacidade invejável. Aí, ao menos duas sequências se destacam: numa, Berlusconi se lembra do seu tempo de corretor de imóveis e tenta provar a si mesmo que ainda tem lábia suficiente para vender o que quiser; noutra, bem mais pungente..., e tão desconcertante quanto a antológica cena em que a tinta do cabelo e a maquiagem escorrem pelo rosto envelhecido do compositor Gustave Aschenback (Dirk Bogarde), que queria parecer mais novo aos olhos do adolescente Tadzio (Björn Andrésen), em Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti..., Berlusconi dá de cara com um de seus maiores pesadelos ao assediar uma garota cinquenta anos mais jovem que ele. Uma sequência que vai te acompanhar por um bom tempo, principalmente por causa do diálogo ferino!

Enfim, considerando a pertinência do enredo e a encenação da trama no desnudamento do curinga Silvio Berlusconi, um magnata também na política, e a excelência do elenco, um filme a ser visto por quem já conhece e gosta das obras cinematográficas de Paolo Sorrentino e por quem tem curiosidade em mergulhar no seu mundo anárquico sempre na tangência e na efemeridade do tempo...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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