Nem tudo precisa estar bem, e ainda bem por isso



Essa ideia de escrever nasceu num incômodo que carrego há um tempo. Parece que hoje tudo gira em torno de estar “bem”. Virou quase uma obrigação performática: você tem que sorrir nas fotos, postar frases de efeito, fingir que a vida é um ciclo interminável de cafés aconchegantes, viagens planejadas e relacionamentos maduros. E se você não está bem? Problema seu, corra atrás de terapia, suplementos, cursos online, aplicativos de meditação, qualquer coisa que te faça voltar para a linha do “funcional”. O mercado aprendeu a lucrar em cima do seu mal-estar, e a ironia é que, quanto mais você tenta se enquadrar, mais vazio parece.

O lado perverso disso é que passamos a enxergar sentimentos naturais como falhas de sistema. Tristeza? É sinal de que você não está se cuidando. Raiva? Precisa “trabalhar melhor isso”. Tédio? Você não soube “aproveitar o tempo”. Mas a verdade é que essas coisas sempre estiveram aí e sempre tiveram função. O tédio abre espaço para criar algo novo. A raiva te empurra a mudar quando a apatia não dá conta. O luto te dá um mergulho doloroso, mas inevitável, naquilo que mais importa. Cortar tudo isso em nome de uma serenidade artificial não é equilíbrio, é mutilação emocional.

Eu aprendi isso na prática, não em livro de autoajuda.

Foi num rompimento que me descobri capaz de reerguer do zero. Foi em crises de raiva que escrevi os textos mais sinceros que já produzi. Foi no vazio de noites insones que percebi onde estava errando. Nenhuma dessas coisas caberia num planner colorido. Todas elas doeram. Mas foram elas que me moveram.

O que me incomoda nesse culto ao bem-estar é a fragilidade que ele gera. Quanto mais treinamos para viver anestesiados, menos toleramos qualquer choque real. Pessoas desmoronam diante de rejeições mínimas, de frustrações corriqueiras, de um “não” que deveria ser só parte da vida. Criou-se um condicionamento de vidro: parece que estar vivo de verdade virou defeito.

Não estou dizendo que sofrimento é virtude, nem que precisamos buscar dor de propósito. Mas fugir de toda sombra é infantil. O mundo não é um SPA. E insistir que felicidade constante é possível só transforma todo mundo em consumidor culpado — porque sempre vai faltar algo, sempre vai haver mais um passo de “autoaperfeiçoamento” a ser comprado.

Então eu prefiro pensar o contrário: talvez o que mais nos faça humanos seja justamente a falha. A raiva que não controlamos. O luto que não conseguimos disfarçar. O tédio que nos faz olhar para o teto e, sem querer, imaginar outro caminho. É disso que nascem as mudanças que importam.

E você? Já caiu nessa armadilha de parecer sempre bem, mesmo quando tudo gritava o contrário? Já viveu um momento em que a dor foi mais transformadora do que qualquer calmaria? Ou prefere não cutucar e deixar essas memórias guardadas, intactas, como se nunca tivessem existido?