Demolidor de Mark Waid – Quando o Demolidor voltou a ser feliz?

 



Se eu pergunta-se como vocês descreveriam o Demolidor, muito provável que as respostas seriam algo como um “vigilante sombrio e violento” ou “um homem atormentado e com uma vida problemática”.

Essa resposta é natural, visto como o tom sombrio e noir se tornou associado ao homem sem medo, desde que o Frank Miller assumiu sua revista na década de 80 e reinventou o personagem e seu mundo, criando a versão que a maioria conhece.


Depois da saída de Miller, vários outros autores fizeram suas abordagens nas aventuras do Demolidor, mas sempre mantendo consistência com o tom sombrio do personagem de Miller, com histórias sempre mostrando Matt caindo num estado pior do que outro.


Na metade dos anos 2000, o personagem tinha chegado a ponto de virar um anti-herói/vilão, se tornando Rei da cozinha do Inferno e, depois, líder do Tentáculo, deixando fãs curiosos quanto a direção que a Marvel poderia levar Matt, após tê-lo quebrado de tantas formas diferentes.



Bom, como foi dito em um dos meus filmes favoritos: Quando se chega no fundo do poço o único caminho é pra cima.

Assumindo a hq do Demolidor no ano de 2011, Mark Waid escreveu duas séries (uma em 2011 e outra em 2014) buscar dar uma apaziguada nas histórias do chifrudo, mostrando Matt em aventuras bem mais próximas do período do Stan Lee e Jack Kirby, quando ele era apenas um aventureiro colorido e bem-humorado, bem estilo Homem Aranha.



Embora essa ideia pareça ser um retrocesso a todo o desenvolvimento que o personagem teve, Waid conseguiu entregar duas séries bem cativantes, que homenageavam as histórias clássicas do personagens, ao mesmo tempo que respeitam a essência trabalhada pelos autores que vieram antes. O trabalho foi tão bom que recebeu Prêmio Eisner.

Mas qual o segredo desse sucesso? Como Waid conseguiu pegar um personagem conhecido por ser sombrio e melancólico e fez ser o sucesso numa fase que contrasta o tom de suas histórias?

Eu vou explicar...

Trama

Após os eventos de “Terra das sombras”, Matt foi finalmente livre do controle da Besta, a entidade divina do Tentáculo. Porém ele acordou para um mundo de novos problemas: Muitas de seus relacionamentos continuam prejudicados por causa de suas ações, o público ainda suspeita de sua identidade secretas, inimigos estão ameaçando seus entes queridos e, por causa dessas suspeitas, Matt não consegue defender seus clientes na corte.




Diante dessas situações, se esperava que ele mais uma vez cederia a depressão e tomaria decisões que o prejudicariam ainda mais. No entanto o advogado escolhe uma postura mais positiva e confiante em relação aos seus problemas, deixando as pessoas próximas surpresas e preocupadas.


Teria o Matt Murdock mudado realmente ou isso seria apenas parte de um novo surto mental?

Tornando uma crítica numa vantagem

Fazer o Matt Murdock ir do icônico personagem trágico para um herói mais confiante e fanfarrão parece algo muito arriscado, podendo descaracteriza o herói que muitos fãs tem acompanhado por todo esse tempo.



No entanto, Waid subverteu a expectativa dos leitores, fazendo com que os personagens de suporte também reagissem a mudança de comportamento do Matt. Nenhum deles age se essa atitude natural, e sim questionam o motivo do Matt, alguém tão deprimido, agora querer ter uma atitude positiva na vida.

Isso permite Waid plantar uma semente de dúvidas nos leitores, fazendo ele ficarem tão curiosos se esse “novo Matt Murdock” é genuíno ou apenas parte de algo mais complexo.


Em outras palavras, ele tornou o que muitos iriam reclamar num ponto de discussão de sua fase, nunca fazendo parecer que ele está criticando os fãs anteriores por prefirirem o Demolidor sombrio do que o dele.

O homem sem zona de conforto

Desde que Frank Miller reinventou o homem sem medo, suas história, na maioria, passaram a ter um tom mais urbano, com o personagem enfrentando mafiosos e assassinos psicopatas. Tinham algumas aventuras maiores em escala, mas eram raras.

Já na fase do Waid, as aventuras se tornaram bem mais diversificadas. Um arco poderia ser uma trama sombria do Matt desvendando uma conspiração da Sociedade da Serpente no sistema jurídico, outra poderia envolver ele se unindo ao Surfista Prateado para capturar um alien fugitivo.





Essas histórias podem parecer não se encaixar com o diabo da Cozinha do Inferno, mas a presença não só criava desafios novos para o Demolidor superar (ex: No primeiro ele tinha que confrontar o Garra Sônica, cujo poder contrasta com o sensor radar), como também tornava a fase de Waid bem imprevisível.



 

Novos temperos

Como vários escritores, Mark Waid não recorreu a usar apenas personagens conhecidos. Ele também apresentou figuras novas para o grande elenco do homem sem medo, tanto aliados quanto inimigos.

Do lado dos criminosos, o grande destaque foi Ikari, um assassino que age como o Flash Reverso do Demolidor. Ele possui as mesmas habilidades que Matt, incluindo seu senso radar, com vantagem de que Ikari pode enxergar. Em sua primeira aparição, ele quase matou Matt, provando o quão assustador ele é, apesar de ser um mercenário.



Mas, para auxiliar Matt em sua luta contra corrupção, ele recebeu um novo suporte na forma de Kristen McDuffie, uma promotora assistente que passou a ajudar Matt e Foggy em seu casos, eventualmente desenvolvendo um relacionamento com o herói advogado.



Apesar de Matt ter interesses românticos não ser nada novo, Kristen tá longe de ser uma Karen Page e Elektra 2.0, sendo definida por seu relacionamento com Matt. Waid deu ela histórias e momentos que permitiram se destacar como uma personagem própria, conquistando os fãs com sua personalidade sarcástica mas competente, sempre mantendo Matt e seu ego em cheque.

Foggy Nelson vs câncer

Embora os personagens novos sejam uma boa adição, o que rouba cada momento da fase é o Foggy Nelson.



Tal como em fases anteriores, ele tem momentos cômicos, ao mesmo tempo em que age como a consciência de Matt, a figura que questiona seu comportamento. Já que nessa fase Matt está uma atitude mais positiva, obvio que Foggy seria o primeiro a ficar desconfiado.



Porém Waid leva o personagem do Foggy por uma direção bem inesperada quando revela que o grande amigo de Matt é diagnosticado com câncer, resultando em momentos bem emocionantes entre os dois.


Matt pode ser o herói, porém a fase do Waid deixa claro como cristal a importância que Foggy tem para o herói cego.

O que é ser um Homem Sem Medo?

Como explicado, a fase do Waid busca resgatar o tom e espirito das histórias clássicas da Era Marvel. Isso é evidente no Matt Murdock, cuja caracterização se encaixa no acrobata ousado e charmoso que ele era nos quadrinhos daquela época.



Contudo, conforme o desenvolvimento das histórias, Waid vai revelado como essa atitude fanfarrona é uma fachada, uma forma do Matt evitar deixar seus amigos preocupados e faze-los nos problemas de sua vida. Entretanto é essa preocupação do Matt, essa necessidade dele tentar ser super protetor ao invés com seus amigos que resulta neles tendo argumentos e se separando. De certa maneira, pode-se dizer que o grande medo de Matt Murdock, o homem sem medo, é admitir seus medos para outros.



Através disso, a fase de Waid se torna um estudo do homem por trás do demônio, colocando o Matt em situações que fazem questionar sua capacidade de poder ter uma vida feliz ou preservar as coisas boas que ele ainda tem. Como a vida dele sempre despenca em pedaços, não tem como reclamar dele ficar tão ansioso com a possibilidade dessa tragédia se repetir.

 No decorrer dos arcos, Matt vai passando por várias experiências que o afetam de forma tanto física quanto psicológica. Só que dessa vez, ao invés de reprimir suas preocupações ou resolver seus dilemas, Matt começa a se abrir para seus amigos sobre suas vulnerabilidades, expondo os sentimentos que ele manteve escondido.



Isso contribui não para afastar seus amigos, mas sim evoluir sua relação com eles, que acabam ajudando a Matt a encarar seus desafios e supera-los com genuína confiança. Ser um homem sem medo não significa viver sem tal emoção, mas sim continuar a seguir em frente na vida, mesmo quando o futuro parece assustador ou incerto.



Ao final da fase, pode-se perceber que Matt teve um crescimento importante, não só do personagem que ele era no início da fase do Waid, mas sim no personagem que ele foi desde a reinvenção do Frank Miller. Ele não estava mais preocupado com o futuro incerto, tendo certeza que, o que quer que o futuro reserva-se, ele iria encara-lo com a mesma perspectiva otimista e cheia de esperança.

Considerações finais

Se a fase do Demolidor em Frank Miller foi a reinvenção que o personagem estava precisando na década de 80, a fase do Waid foi uma brisa tranquila que o personagem necessitava na época atual.

Embora as imagens e ideais pudessem fazer o público assumir que seria apenas uma cópia das histórias campy dos anos 60, a fase do Waid conseguiu apresentar uma história pessoal, combinando o charme dos quadrinhos clássicos da Era de Prata/Era Marvel com drama bem humano e relacionável tanto para o Demolidor quanto para seu elenco de apoio.

Se estão à procura de uma história nova do Homem sem Medo mas diferente do típico estilo noir e sombrio, a fase do Waid é a opção que recomendo para vocês.

Nota: 10/10



Então é isso! Qual a opinião de vocês quanto ao Demolidor de Mark Waid? Também curtem essa fase, ou preferem as mais sombrias como do Frank Miller, Brian Michael Bendis e Ed Brubaker? Sintam-se a vontade para colocar suas opiniões e ideias nos comentários abaixo.