Toda geração tem seu mártir
mutante. Toda revolução tem seu fashion statement. E os X-Men — coitados e
gloriosos — ainda não decidiram se querem o abraço do mundo… ou a medalha de
perseguidos eternos.
Durante décadas, a narrativa foi clara: eles são odiados porque são diferentes. Marginalizados. Temidos. Caçados por algo que não pediram para ser. Uma bela metáfora, forte o suficiente para alimentar teses universitárias e lágrimas adolescentes em quartos escuros. Só que de uns anos pra cá, o discurso mudou. Os X-Men deixaram de pedir igualdade — e começaram a exigir reverência.
Os X-Men sempre foram sobre
exclusão. Mas nos últimos anos, começaram a parecer mais interessados em curadoria
de identidade do que em revolução real. Não se contentam mais em serem
odiados — querem ser odiados com estilo, com controle narrativo, com uma
estética de martírio premium.
E aí eu te pergunto: onde
ficou a humanidade disso tudo?
1. 2000–2008: Entre o
experimental e o editorial
O começo dos anos 2000 foi uma
espécie de laboratório emocional para os X-Men. E talvez nada tenha refletido
isso melhor do que a versão Ultimate, escrita por Mark Millar. Sim, o
mesmo Millar de Os Supremos e Wanted, mas aqui com menos
testosterona e mais ironia genealógica.
Millar reconstrói os X-Men como um movimento rebelde midiático, e pela primeira
vez o “ódio aos mutantes” parecia algo de fato estruturado — não só como
metáfora social, mas como política de Estado, com manipulação de opinião
pública e uso dos X-Men como armas de propaganda e sabotagem. Foi ousado,
incômodo e muito mais orgânico do que a Marvel 616 gostaria de admitir.
Mas quem ficou com os holofotes
foram dois nomes em particular (e no universo principal, é claro): Grant
Morrison e Joss Whedon.
Morrison chegou e chutou a
porta com botas conceituais, explodindo o Instituto Xavier em neurônios e
mutações secundárias. Trouxe o fetiche pela nova espécie, os vilões
pós-humanos, os códigos mentais e os figurinos que pareciam saídos de um
desfile no inferno.
A mensagem? O mundo vai odiar os mutantes, e com razão — porque eles
representam o colapso da humanidade como conhecemos. Era uma fase cerebral,
desconfortável, e por isso mesmo genial.
Whedon, por outro lado, foi um
retorno ao conforto narrativo.
Surpreendentes X-Men é praticamente uma playlist da era Claremont
remixada em estúdio moderno. Ciclope inseguro mas líder. Wolverine sarcástico
mas necessário. Colossus ressuscitado.
Enquanto Morrison dizia “somos a evolução, lidem com isso”, Whedon dizia “ainda
somos os bons, nos ajudem”.
Pessoalmente? Fico com Morrison.
Porque ele não tentou agradar ninguém. Whedon escreveu uma ótima história.
Morrison tentou reescrever o DNA da franquia.
2. Krakoa: o paraíso que virou
culto
Eu parei por aí. Não consegui
avançar com Mike Carey, não digeri bem o Bendis tentando forçar os adolescentes
originais no presente (sério, por quê?), e Aaron... bom, o Aaron parecia estar
escrevendo X-Men Babies, com Wolverine virando diretor de escola em
tempo integral. A coisa virou sitcom. Desisti. Desliguei. Me exilando de uma
mitologia que já não sabia o que estava tentando dizer.
Só voltei mesmo com a fase
Hickman.
Quando Jonathan Hickman assumiu,
eu pensei:
“Agora sim. Vamos ver o futuro real dos X-Men.”
E durante os dois primeiros anos, parecia que estávamos vendo um renascimento
simbólico à altura da ideia original.
Mutantes ressuscitando entre si. Uma nação autônoma, viva. Um código moral
paralelo. Uma constituição mutante escrita não com caneta, mas com trauma. E os
vilões — Magneto, Exodus, até mesmo Apocalipse — deixaram de ser antagonistas e
viraram senadores do impossível.
Só que algo estranhamente
previsível aconteceu.
Com o tempo, a utopia virou liturgia. A linguagem própria virou
isolamento. A ressurreição virou commodity. E o mais trágico: os mutantes
começaram a agir como os humanos que eles juraram não imitar. Hierarquias,
manipulação, culto à imagem, omissão de informações, segregação. Aquilo que era
pra ser um passo adiante virou uma bolha autorreferente com ares de seita
genealógica.
Krakoa, com toda sua estética
afro-futurista-mutante, trouxe ideias ousadas. A ressurreição como um direito.
A genética como moeda. O perdão como política. Mas no fundo, tudo isso vem
embalado por uma lógica perversa: “Não nos aceitem — nos temam. Mas com
respeito.”
E pior: com inveja.
Porque os mutantes não estão mais
de mãos dadas cantando "We Shall Overcome". Eles estão de
colar de adamantium e capa esvoaçante, lançando olhares de lado pra humanidade
e dizendo: “Vocês são obsoletos”. Se Magneto era a exceção radical, hoje ele
parece o avô sensato da juventude krakoana.
Não me entenda mal: eu amo os
X-Men. Amo tanto que me irrito quando eles trocam a ferida real pela pose cool.
Quando a luta vira desfile. Porque aí eles não estão mais tentando coexistir —
estão se isolando numa bolha elitista de código genético e mitologia
autorreferente.
Isso tudo me fez pensar que talvez os X-Men nunca tenham realmente querido paz. O que eu esperava da fase Hickman?
Que ela rompesse com o ciclo do eterno retorno. Que colocasse Xavier, Magneto,
Moira e todos os fantasmas do clã frente a frente com a pergunta: e se vocês
já não forem os heróis da própria causa?
Mas a Marvel — com medo do risco— puxou o freio. Hickman saiu. As séries se multiplicaram. A revolução virou checklist.
E Krakoa caiu.
Não senti dor. Senti tédio.
3. Anos 90: Onde a dor tinha
coração
A série animada dos anos 90 é,
pra mim, o equivalente mutante de ouvir Smells Like Teen Spirit pela
primeira vez.
Aquele riff. Aquela abertura. Aquela Jean Grey desmaiando pela quinta vez no
mesmo episódio. Era exagerado. Era emocional.
Mas acima de tudo… era sincero.
A dor dos X-Men era pulsante. Não
era teorizada, nem estetizada. Ela sangrava nas expressões dos personagens.
Wolverine segurando uma foto molhada. Ciclope travando um discurso interno
entre liderança e raiva.
A Vampira lamentando o toque que nunca viria.
Quando X-Men '97 estreou,
confesso: minha expectativa era alta… e foi superada. A série não teve medo de
matar ícones, de redistribuir poder, de encarar a política mutante sem
panfletar.
Teve coragem de encerrar a Era Xavier e fazer com que os mutantes
assumissem o próprio legado — com todos os riscos que isso traz. Cada arco teve
impacto. E até os personagens de apoio — como Roberto, Jubileu e Forge —
brilharam sem parecer adição forçada.
Mas a pergunta persistiu: Eles
ainda querem paz… ou só aprenderam a tirar fotos melhores da própria dor?
Conclusão: quando o sonho vira
desfile
Hoje, não sei mais se os X-Men
querem paz ou se querem ser os mártires mais bem vestidos da história dos
quadrinhos.
Falam em futuro, mas vivem reencenando o mesmo drama com figurino novo. Se
dizem diferentes, mas cobram lealdade como qualquer instituição. Quando não são
perseguidos, se tornam pálidos.
Quando tentam liderar, se tornam elitistas.
Talvez o problema não seja a
humanidade que os odeia.
Talvez seja o que os X-Men se tornaram quando perceberam que podiam fazer o
mundo girar sem sair do próprio eixo.
E você? Qual
fase dos X-Men te fez acreditar que eles ainda têm algo a dizer sobre o mundo
real? Ou você já aceitou que o sonho do Xavier morreu — e o que temos agora é
só cosplay conceitual de revolução?
Comenta. E cuidado com uma sentinela
no caminho...





