Batman: Cruzado Encapuzado
trata-se de uma
série produzida por J.J. Abrams e Bruce Timm, com a contribuição do diretor
Matt Reeves e do escritor Ed Brubaker. Pode-se dizer que a série é uma “gêmea
espiritual” da série animada dos anos 90, mas há também vários aspectos distintos,
inclusive a forte presença de conteúdos da cultura woke.
Na parte estética, a
série tem semelhanças ao não apenas adotar um design e uma arquitetura
influenciada pelo art déco dos anos 1930 e 1940, mas também empregar o
retrô-modernismo. A série animada tinha uma estética da década de 1940, mas era
atemporal. Influência dos filmes do Batman de Tim Burton. Batman: Cruzado Encapuzado
na realidade bebe mais da Era de Ouro que a série animada. A animação bem
poderia se passar em 1939; porém, a sociedade e a mentalidade são dos anos 2020.
O design do Batman na série é claramente inspirado no Batman da Era de
Ouro, das primeiras histórias do personagem. Na animação, Batman/Bruce Wayne é
dublado por Hamish Linklater.
Como não poderia deixar
de ser, para agradar a uma audiência moderna, alguns personagens sofreram
mudanças. O comissário Gordon mudou de etnia, e agora é negro. Sua filha
Barbara também é negra e não é mais bibliotecária, mas sim advogada. E tem uma
rivalidade com Harvey Dent, que, além de ser promotor público, também deseja concorrer
à cadeira de prefeito de Gotham. Esse plot é muito parecido com o dos episódios
que introduzem o Duas Caras na série animada dos anos 90.
Outro personagem que está
diferente é Alfred, mas a versão da série foi claramente inspirada no Alfred da
Era de Ouro, que era gordinho. Os espectadores com certeza vão estranhar a
forma como o Batman trata o Alfred na série, o chamando na maior parte dos episódios
pelo sobrenome Pennyworth. É apenas no último episódio que ele chama o Alfred pelo
primeiro nome. Acreditei que talvez fosse em razão de quererem se inspirar na Era
de Ouro, e nessa época Alfred foi introduzido posteriormente nos quadrinhos,
porque achavam estranho que um homem adulto e um adolescente vivessem sozinhos
em uma mansão, como era o caso de Bruce e Dick. Na verdade, Alfred foi criado
para diminuir as especulações de homossexualidade de Batman e Robin, e, devo
dizer, que não tiveram muito sucesso nisso de início.
Então, ao contrário do
que fizeram depois, em um retcon no pós-Crise nas Infinitas Terras, o Alfred
da Era de Ouro/Prata não criou Bruce após o assassinato de seus pais. Na
verdade, creio que até antes de Crise já tinham feito um soft retcon em
que Alfred criava Bruce desde a infância. E o Alfred da Era de Ouro tinha outro
sobrenome, Beagle, e não Pennyworth. Depois é que Alfred ficou magro e mudou de
sobrenome, tornando-se o Alfred como o conhecemos hoje. No entanto, como a
própria animação mostra, em Batman: Cruzado Encapuzado, Alfred sim criou
Bruce desde a infância e era o motorista dos Wayne, mas Bruce não quer criar
laços com as pessoas no início da animação e trata Alfred mais friamente. Tem
um episódio em que Lucius Fox aparece e diz que a família dele sempre tratou os
empregados como se fosse da própria família, ao contrário do que Bruce fazia
com o Alfred. Entretanto, como um dos produtores da animação é Matt Reeves, a gente
não se surpreende de Bruce tratar Alfred de uma forma meio escrota. Em The
Batman, a relação de Bruce e Alfred é meio parecida.
No primeiro episódio, que já comentei anteriormente, a vilã é “a” Pinguim, Oswalda Cobblepot, que objetiva criar uma guerra de gangues para ficar no lugar de Rupert Thorne como líder do submundo do crime de Gotham. Para isso, ela usa um canhão gigante para destruir as propriedades de Thorne. Ela também é a dona do clube Iceberg Lounge como nas HQs, e aparece cantando e dançando em uma cena. Só faltou ter uns go go boys sem camisa dançando com ela. A Pinguim é cruel e assassina um de seus próprios filhos porque acredita que foi traída, mas ela mata o filho errado. A Pinguim é dublada por Minnie Driver.
Esse fato de o Pinguim ser mulher talvez seja a maior polêmica da animação, ou uma das maiores, e com razão, porque não tem muito propósito. Parece ter sido feita só para marcar presença na agenda woke de “empoderamento” e “representatividade”. Alguns podem argumentar que já houve versões femininas de vilões do Batman em histórias de realidades alternativas. E realmente já houve, mas bem antes dessa onda da cultura woke e não relacionadas com esta. Por exemplo, na HQ elseworld Pulp Fiction, escrita por Howard Chaykin, o Coringa é mulher. Na saga Flashpoint, o Coringa é mulher e é Martha Wayne. Em Batman Terra Um, há uma versão feminina do Duas Caras, gêmea de Harvey Dent. Na série de TV Gotham, o Vagalume é uma garota. Porém, talvez com exceção de Gotham, nenhuma dessas mudanças foi para seguir uma agenda woke. E mudar o gênero de um vilão de segunda ou terceira categoria como o Vagalume é uma coisa, mas mudar o gênero de um dos grandes vilões do Batman, que é o Pinguim, achei realmente desnecessário.
No segundo episódio, temos a participação do Cara de Barro como vilão, que é um incel stalker de uma atriz de cinema. O Cara de Barro aí é o primeiro, Basil Karlo, o da Era de Ouro. E, não sei se muitos perceberam, mas o visual do vilão é idêntico ao do Sombra, uma homenagem ao personagem pulp que influenciou o Batman. Sem Sombra não haveria o Batman, basicamente. No terceiro episódio, a vilã é a Mulher-Gato. E devo dizer que não tenho reparos a fazer à personagem. Ela está muito parecida com a Mulher-Gato da Era de Ouro, inclusive tem o mesmo uniforme. E, também, há o Gatomóvel. Selina Kyle na animação é uma socialite cleptomaníaca falida que rouba joias; Christina Ricci é quem dubla a personagem.
O quarto episódio na
minha opinião é o melhor da temporada. É uma referência ao Ano Um de
Frank Miller e David Mazzucchelli. A polícia recebe ordens do prefeito de
capturar o Batman, e eles simulam vários crimes à paisana. Porém, o Batman
percebe que são crimes falsos, igual ao que ocorre na HQ. No lugar de Gordon e
Sarah Essen, que na HQ são quem coordenam a perseguição ao Batman, na animação
quem tem essa função é a Montoya. O vilão do episódio é o Vagalume, mas os dois
vilões de verdade são Flass e Bullock, que soltam o Vagalume e devolvem seu
uniforme e armamento. Bullock assassina o Vagalume para não ser incriminado.
Se o episódio anterior
foi o melhor, o quinto é o pior. A vilã é a Arlequina, e ela é tipo uma justiceira
social, que, agindo como psiquiatra, tortura e faz lavagem cerebral nos bilionários
de Gotham, para roubar suas fortunas e doar para entidades de caridade que
ajudam mulheres. Um dos bilionários inclusive fica acreditando que é o Rei Tut da série animada do Batman. Esse é o episódio em que o Batman é mais burro. Ele é derrotado
pela Arlequina e iria morrer explodido com os outros magnatas se não fosse pela
ajuda da Barbara. Harleen não se importa de assassinar o Batman e vários bilionários,
mas, quando Barbara se expõe ao risco, ela vai ajudar, porque, na visão deturpada
da Arlequina, Barbara não merece morrer, mas todos os outros, sim, homens brancos
heteros e bilionários. No final, Harleen cai no mar, mas obviamente não morreu
e ainda liga para sua namorada, a Montoya. E a Arlequina aí existe sem o
Coringa. Ela não enlouqueceu porque sofreu abuso do Coringa, mas sim por causa
da injustiça social e dos ódios aos bilionários. Só faltou a Arlequina ser
militante do DCE de alguma federal.
O sexto episódio é o
com elementos sobrenaturais. O Cavalheiro Fantasma, que na realidade é um dos
vilões do Gavião Negro, apesar de também já ter enfrentado o Batman algumas
vezes nas HQs, está causando o caos em Gotham, roubando dos pobres para ele
mesmo. E, como ele é um fantasma, Batman não sabe como capturá-lo. Então, ele
pede ajuda para o Papa Meia-Noite, que é um dos vilões de John Constantine nos
quadrinhos. Poderiam ter usado o Constantine nesse episódio, que é mais
conhecido, no lugar do Meia-Noite, mas ok. Esse episódio só não foi tão
ruim porque o Batman não foi um completo inútil e, também, porque serviu para
mostrar que o Batman se importa com o Alfred, pois o mordomo é possuído pelo
Cavalheiro Fantasma.
No sétimo episódio, o
enredo é que Gordon sofre um atentado, e é logo por Floyd Lawton, o Pistoleiro,
que na realidade está caracterizado como um assassino comum. O Pistoleiro foi
criado na Era de Ouro, mas ficou muitos anos esquecido, só retornando reformulado
na fase do Batman de Steve Englehart e Marshall Rogers e, depois, integrando o
Esquadrão Suicida. O outro vilão do episódio é o Onomatopeia, que se trata de
um personagem criado por Kevin Smith e que já enfrentou o Batman e o Arqueiro
Verde nas HQs. Na animação, ele é um dos assassinos que estão atrás do prêmio
da recompensa pela cabeça do Gordon. No fim, é revelado que a recompensa pelo
assassinato não é pelo Gordon, mas sim pela Barbara, pois um dos chefões do
crime presos na penitenciária Blackgate culpa Barbara por não ter conseguido absolvê-lo.
Corrigan tenta assassinar Barbara, mas é detido por Gordon.
Finalmente, os nono e
décimo episódios fecham a temporada, com o surgimento do Duas Caras. Na verdade,
a temporada inteira é uma construção da origem do Duas Caras, que é sim o vilão
final. Harvey, depois de desfigurado, passa a ter dupla personalidade e quer se
vingar de Thorne, assassinando vários dos capangas do mafioso. Batman enfim
consegue impedir o Duas Caras de matar Thorne. Harvey é preso, mas tem sua fuga
do Arkham facilitada por Flass e Bullock, que têm ordens de Thorne para eliminá-lo. Porém, o Duas Caras consegue escapar e é auxiliado por Barbara. No
entanto, enquanto está em custódia de Gordon e Barbara, Dent é assassinado por
Flass. O Batman até se descontrola e pega a arma de Flass e atira, mas se
contém. Isso é referência ao Batman da Era de Ouro, que usava arma de fogo e
matava. Optaram por matar o Duas Caras na animação, e não posso dizer que foi
uma ideia muito boa, pois ele é um dos grandes vilões do Batman, e isso significa
que não têm planos de usar o Duas Caras como vilão em uma hipotética segunda
temporada. O episódio termina com Batman ameaçando Thorne e com uma cena
introduzindo o Coringa envolto nas sombras, depois de matar várias pessoas com
seu gás do riso.
Não arrisco dizer se
haverá uma segunda temporada, porque a trajetória dessa animação foi bem
acidentada. J. J. Abrams atrasou muito para entregá-la, e o CEO da Warner, David
Zaslav, decidiu cancelar a produção por acreditar que ela não daria retorno. Por
fim, a animação foi vendida para a Amazon Prime Video. Sinceramente, não
acredito que ela esteja sendo assistida fora da bolha nerd/geek/fanboy.
Só vejo os nerds comentando, seja falando bem ou mal. O grande público
não está muito ciente dela, talvez pela divulgação ruim da Amazon Prime. A série também não tem um público-alvo bem definido; é censura 12 anos, não é para crianças pequenas, mas também não é para adultos. No
entanto, acho que a razão mais provável é o desinteresse mesmo. Eu pessoalmente
não apostaria em uma segunda temporada, mas não tenho acesso aos números de visualizações
da Amazon Prime. É possível que a série esteja tendo uma boa audiência e tenha
uma segunda temporada, mas não boto minha mão no fogo.
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