O Charlatão GPT



Há cerca de duas décadas, surgiu a Teoria da Internet Morta. Por muitos, dita, é claro, conspiratória. Que é como classificam, os donos do poder (e os seguem suas ovelhinhas), toda hipótese, opinão, ou melhor, toda percepção não usual, não doutrinada da realidade, a um triz de encontrar a verdade. Desqualificam-na como coisa de maluco, delírios paranoicos. Como disse o paranoico de carteirinha Raul Seixas, o paranoico foi aquele que sacou.

Segundo a Teoria da Internet Morta, o mundo online original, produzido e alimentado por humanos e no qual havia interação entres seus usuários, não existe mais. Que toda a produção, digamos assim, "orgânica", que movimentou e impulsionou a internet nos anos 1990 e 2000, foi substituída por material criado artificialmente. Que a internet original teve seu corpo invadido, tomado e possuído pelos demônios dos robôs e algoritmos gerados por IA. Igualmente, interagimos não mais com outros humanos, sim com os mesmos robôs e algoritmos.

Contudo, o emprego do adjetivo "morta", com a conotação de que a internet é zona não mais habitada por humanos, é dos mais equivocados. Ausência de vida humana não é sinônimo de ausência de vida. Antes pelo contrário, abre muito mais possibilidades de existência.
Se verdade a Teoria da Internet Morta, ela está vivíssima, e no auge de sua fecundidade, haja vista o seu grassar e o seu crescimento exponencial.

A seguir assim o trote da carruagem, logo, logo, a IA romperá os limites da realidade, a adentrará e a conquistará - garantem os tonystarks Steve Wozniak, co-fundador da Apple, Elon Musk, dono da Tesla e do X, Demmis Hassabis, manda-chuva do departamento de IA da Google, Stephen Hawking, que dispensa qualquer aposto, entre mais outros mil pesquisadores e gênios da área.
Tornaremo-nos, então, uma Realidade Morta. Baseada no silício, não mais no carbono.
Elon Musk prevê que a IA será mais inteligente que o mais inteligente dos humanos até 2026.

Já nos dias de hoje, é a IA que fala conosco quando ligamos para algum serviço de atendimento ao consumidor, ela que controla nossas contas bancárias, que constrói eletrodomésticos e eletroeletrônicos de uso cotidiano (muitas vezes, também munidos de IA), ela que determina o que você "precisa" comprar, os filmes que você "deve" assistir no sua plataforma de streaming, que seleciona as músicas que você irá "gostar" em seu aplicativo de música, ela que vigia sua entrada, saída e desempenho no trabalho, que rastreia cada passo e conversa sua etc etc.

No entanto, a IA faz tudo isso na qualidade de uma ferramenta, de um fantoche vestido em mãos humanas, é apenas um pau-mandado, um capataz. Ainda. E se, amanhã ou depois, ela adquire consciência e autonomia, e passa a ser o titereiro, o amo e senhor? Possibilidade das mais plausíveis, segundo os pesquisadores supracitados.

E por que a grande maioria não teme a IA? Não teme a ascensão de uma nova "espécie" claramente mais evoluída, superior, e o subsequente e inevitável subjugo que ela nos imporia?
Primeiro : porque a maioria não tem inteligência o bastante para perceber isso. Haja vista que a geração atual é a primeira que, historicamente, possui QI inferior à de seus pais. Haja vista, sem querer ofender o chimpanzé, o QI chimpanzenesco médio de 83 do brasileiro.
Depois : acontece que, como disse Dilma Rousseff a respeito do vírus chinês, a IA é solerte.

Ela nos chega de maneira amigável, com atraentes formas, apresenta-se-nos como uma "escolha" de um estilo de vida. Disfarça-se como fosse um cãozinho de olhos tristes, como um pet que pudéssemos ter sempre em nossas coleiras. Quando, em verdade, ela é que logo se assenhorará da casa e de nossas vidas, logo, nós seremos os encoleirados; e digo como totalidade da espécie, pois muitos de nós hoje já o são.

Para nos cativar, para angariar nossa simpatia, a IA nos enche de presentinhos, mimos e regalos, feito os famosos espelhinhos dados aos índios pelos portugueses. Aparelhos e aplicativos com mais utilidades que o Bombril, o canivete suiço do MacGyver e o batcinto, somados.
E, claro, o queridinho da vez, o ChatGPT. Capaz de desenhar para os sem talento (eu mesmo já "desenhei" algumas imagens por IA, como, a exemplo mais recente, a mão que segura a marreta do novo cabeçalho do blog), escrever para os sem inspiração e sem intimidade com a caneta e pesquisar e fornecer respostas aos preguiçosos.

Já conhecendo a geração de imagens por IA, dia desses, ocioso que estava, resolvi testar os talentos de ghost writer do ChatGPT. Conhecer o inimigo, ver se melhor combatê-lo ou aliar-me a ele.
Instalei o aplicativo. Convidei o vampiro a adentrar minha casa. Entretanto, antes de fiar-me cegamente em suas palavras e, quiçá, passar a fazer uso regular de seus préstimos, resolvi sabatiná-lo. Fazer um test drive
Pedi-lhe logo de cara : fale-me sobre o blog A Marreta do Azarão. A resposta me pareceu das mais vagas e genéricas, feito discurso de político, feito previsão astrológica. Retruquei. Pediu-me desculpas pelo engano, confessou que não possuía informações precisas sobre meu pedido.


Ora, porra, então por que não disse isso logo de uma vez? Acuado, admitiu a leviandade de ter me passado uma informação aleatória. Como confiar em você, então, segui a encurralá-lo.


Confirmar as informações que me der? Ter o trabalho de lhe perguntar e ter de verificar depois? Melhor e mais inteligente ir de uma vez a uma fonte já confiável. Encerrei a conversa e fui dormir, ou beber, não me lembro.


Então, alguns dias depois, assim que acabei de publicar a postagem Não é Carnaval, Mas é Madrugada (17), em destaque a música Ídolo de Cera, de Fernando Mendes e mais dois parceiros, decidi dar uma segunda chance ao ChatGPT, ou sacaneá-lo mais uma vez. Perguntei quem era o compositor da referida canção. Nelson Cavaquinho, respondeu o picareta. Botei-lhe em xeque, forneci os verdadeiros autores. Pediu-me desculpas, novamente, o charlatão.


É a segunda vez que se equivoca, pressionei. Desculpou-se e tentou repetir a informação correta que eu havia lhe fornecido, tentando fazer parecer dele o meu conhecimento. Pois nem para me copiar, o filho da puta serviu. Sumiu com o nome de Fernando Mendes e pôs lá o de Adelino Moreira - negue o seu amor, o seu carinho... Eliminei o safardana de meu aparelho.


Comentei o caso com minha esposa e ela disse que existiam ChatGPTs e ChatGPTs. E me indicou um outro aplicativo do mesmo gênero, mais confiável. Instalei-o e, por justiça ao aplicativo anterior e também para não perder a oportunidade de sacanear o atual, fiz-lhe o mesmo pedido.


Pããããããta que o pariu!!! Aí, é que desgraçou de vez. Eu, o Azarão, um entusiasta e aficionado por esportes! Dessa vez, nem retruquei. Nem teria graça. Liberei, de novo, uns tantos megas de memória do celular.

A julgar apenas por esses aplicativos grátis de ChatGPT, um julgamento limitado, simplista e simplório, ingênuo, até, no sentido de esperançoso de que essa praga não vingue, a IA não nos ofereceria nenhum perigo real significativo. Mas, como eu disse, eles são apenas brinquedos que nos oferecem, doces e sorvetes dados a criancinhas para que lhes comam os cus depois. Não são nem migalhas, nem partículas subatômicas do que há de mais avançado e sério na área.

Mas acho que a questão é : vimos o monstro nascer, estamos a vê-lo crescer e a ganhar força, garras, dentes e peçonha bem na nossa frente - e digo tanto os pesquisadores da área quanto o cidadão comum. Continuaremos, como espécie, autoproclamada inteligente, a alimentarmos o Tamagotchi que, um dia, enfim, nos devorará?

Um mundo governado pela burrice humana ou um, pela IA?
Pudesse, eu escolher, rejeitaria os dois.



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