Tentem imaginar a hipotética situação que, mal e porcamente, vos narrarei. Elas vos parecerá surreal, creio. E, no ambiente em que a colocarei inicialmente, de fato, ela o é.
Um posto de saúde da rede pública. Um sujeito adentra o consultório médico. Subentende-se que ele queira se livrar de algum desconforto que o aflige, que queira ser tratado de alguma doença ou moléstia e que, ansioso por isso, colaborará com tudo o que o médico lhe pedir e orientar.
Então, o médico começa a rotina do exame. Assim, que o médico vai auscultar o coração, o paciente dá um tapa no diafragma do auscultador, ou arranca, por repetidas vezes, as olivas auriculares dos ouvidos do médico, impedindo-o de que ouça seu ritmo cardíaco. O médico solicita, então, que o paciente abra a boca, para que ele examine sua garganta, amígdalas, laringe etc. O paciente cerra os dentes e as mandíbulas e os maxilares. O médico pede que ele tire a camisa e o paciente o ameaça de processo por assédio. O médico desiste do exame por qualquer tipo de contato. Pergunta onde dói, que parte do corpo é a origem do flagelo. O paciente, morrendo de dores na nuca, diz que não suporta as agulhadas que sente no joelho.
O médico, com a paciência que Esculápio lhe deu, emite lá um possível diagnóstico, um diagnóstico, claro, equivocado, de merda. O cara estava, por exemplo, com meningite e sai com um diagnóstico de tendinite no complexo de tendões conhecido como "pata de ganso". A desgraça do sujeito morre. Haja vista o comportamento do paciente durante a consulta, o médico, em algum momento, será acusado de e condenado por erro de diagnóstico? Não. Óbvio que não. O médico tentara, com todas as suas forças, bem realizar o seu ofício, mas fora impedido e sabotado pelo próprio paciente, que, supostamente, foi a ele em busca de cura.
Ou, o paciente até colabora com tudo que lhe é requisitado a fazer. Submete-se a todos os exames, responde corretamente a todas as perguntas, permite que o médico trace um real histórico de sua condição de saúde. Então, o médico chega a um correto e certeiro diagnóstico. Em seguida, passa ao paciente uma série de recomendações para o seu restabelecimento : repouso, dieta, vitaminas, tomar o remédio X de tantas em tantas horas por Y dias, o remédio Z de tantas em tantas por W dias e assim por diante.
O bom paciente sai do consultório e joga fora a receita no primeiro cesto de lixo que encontra pelo caminho, não faz porra nenhuma das recomendações do médico. O quadro do estrupício piora e ele vai ter com o capeta. Alguém, em sã consciência, acusaria o médico de negligência ou de charlatanismo?
De novo, claro que não. Seria surreal, ilógico. O bom doutor cumpriu com sua parte, o paciente é que não.
Mantenhamos agora os mesmos comportamentos do cara que procura por um serviço público e troquemos apenas o ambiente, o local. De um posto de saúde, transfiramos esse mesmo idiota para uma escola da rede pública.
O apedeuta adentra a sala de aula. Subentende-se que ele ocupará uma de suas cadeiras para estudar, para aprender, para ouvir os ensinamentos do professor, para aprimorar suas habilidade cognitivas, preparar-se para a vida. Então, o professor começa a aula. Já durante a chamada, ele precisa brigar, levantar a voz, forçar as cordas vocais e chamar a atenção uma vez, duas, três, quatro vezes para que haja um mínimo de silêncio e ele consiga terminá-la.
Começa, então, a aula em si, ele começa a passar a matéria no quadro e todos os cadernos ainda estão fechados, guardados em suas mochilas; os celulares, todos nas mãos. Ele tenta explicar e a desordem continua, conversas paralelas, fones de ouvidos a transmitir músicas ou jogos. De novo, ele tem que se alterar, confrontar o vagabundo que não lhe deixa trabalhar, sob o risco de agressões verbais e físicas. A cada interrupção, a sequência, o necessário raciocínio para o aprendizado é truncado, jogado ao lixo. Fazem feito o cara que retira o estetoscópio das orelhas do médico e se nega a abrir-lhe a boca. Os conflitos seguem pelos 45 minutos de aula. Não raro, o professor precisa pôr um vagabundo para fora da sala de aula, marcar seu território, mijar nos cantos da sala. Arriscar, novamente, sua integridade física. Feito o paciente rebelde, os alunos não deixam o professor trabalhar.
O conteúdo da aula, claro, não é finalizado, ou é finalizado nas coxas, só pra inglês ver, só pra cumprir tabela, e os objetivos ficam longe de ser alcançados. Culpa do professor, certo? Sim, meu caro. Agora, você acertou na mosca. Culpa irrefutável do portador do giz. A culpa não era (e não era mesmo) do médico, porém, sim, é do professor. Segundo os peidagogos, o professor é que não sabe dominar a sala, que não seduz o aluno ao conhecimento, que não estimula os seus pupilos, que não dá uma aula agradável e "diferente".
E desde quando um exame de próstata ou uma colonoscopia, a exemplos, são agradáveis? Mas vamos lá e fazemos, por ser necessário. O mesmo se dá com a escola, com o real aprendizado. Nada tem de lúdico. Tem de necessário.
Ou, a depender da sala - algumas são mais calmas e ordeiras - ele até consegue conduzir sua explanação, seu conteúdo, sem muitos percalços, tropeços e atropelos. Ao fim da aula, uma vez cumprida a parte do professor, vem a parte do aluno, vem a receita do mestre : fazer os exercícios tais, tais e tais das páginas tais, tais e tais, para a sedimentação e fixação do conteúdo, que será tornado em pré-requisito para a aula seguinte. Assim como o paciente que joga a receita do médico ao lixo, 90% da sala nem abre o caderno até a próxima aula daquele professor. Na data marcada para a entrega e correção da tarefa, se numa sala boa, uns seis, oito, dez alunos, no máximo, terão feito alguma coisa. E ainda copiado da internet; agora, respondido pelo chato GPT. Corrigir o quê, se nada foi feito? Ir para o conteúdo seguinte de que maneira?
Resultado : como vem sendo cada vez mais constatado e impossível de ser jogado para debaixo do tapete, a maciça maioria dos alunos deixará a escola, depois de passar 11, 12 anos em seus bancos, praticamente do jeito que nela ingressou, na condição de um semianalfabeto, de alguém incapaz de retirar qualquer tipo de informação de um texto escrito, ou mesmo voltar ou verificar um simples troco de uma compra sem ter uma calculadora nas mãos.
Culpa do aluno, que não seguiu a receita do professor? No caso da receita médica, a resposta era sim, culpa de quem não seguiu as orientações do profissional que foi procurar. No caso do professor, não! No caso do professor, a resposta é não. A culpa não é do aluno. Ela nunca é, segundo o ECA e a LDB paulofreirista em vigor. A culpa pela falência (planejada) do ensino é do professor. Ouço isso há quase três décadas.
Imaginem (imaginem-se em suas respectivas profissões) um sujeito a trabalhar por anos, décadas até nestas condições descritas, e descritas palidamente, sem citar os casos mais graves, situações que são apenas a ponta da benga do Kid Bengala. Um profissional dando o seu melhor, literalmente brigando para poder trabalhar e ter a culpa de todo fruto da ineficiência programada do sistema jogada em suas costas.
É de deixar qualquer um doidão, lelé da cuca.
E tem deixado mesmo. Muitos. Inúmeros e cada vez mais.
Segundo reportagem publicada no portal G1, em 05/09/23, atualmente, 112 professores da rede pública são afastados todos os dias de suas funções laborais por conta de doenças e distúrbios de ordem mental. 112 professores por dia! Os problemas mais comuns para os afastamentos, tenho a todos, em variados graus : depressão, ansiedade, episódios de pânico, Burnout.
Nos primeiros seis meses deste ano, foram 20.173 mestres malucões afastados das salas de aula. Incluso, esse maluco beleza que vos fala. Um aumento de 15% de pirados em relação ao mesmo período de 2022.
E sob a pena de parecer ou me tornar de fato chato, repetitivo, paranoico e conspiracionista, repito sem medo de errar : tudo isso foi planejado, concebido, orquestrado. Pela esquerda. Não é ódio nem ranço nem asco gratuitos o que sinto pela esquerda, são sentimentos plena e empiricamente justificados. Esquerda cujos princípios nefastos foram infiltrados em nossas leis já em 1988 e foram se consolidando na Educação a partir de 1990, com a publicação do ECA, e sedimentados em 1996, com a homologação da atual LDB, Leis de Diretrizes e Bases do Ensino.
Comecei lecionar em fins de 1994. Vi com meus próprios olhos a transformação de uma escola ordeira, hierarquizada, disciplinada e com certo grau de eficiência em algo que, de escola, só lhe restou o nome, um ambiente de total caos, desrespeito e confronto. Não há mais hierarquia. Não há mais uma escala clara de comando. Toda a autoridade de diretores e professores foi canalha e propositalmente solapada, e transferida para o populacho, para quase que bestas feras. Hoje, se um professor diz que fará uma queixa de um aluno ao diretor, o aluno ri, debocha, caga e anda. Se é o aluno a se queixar de um professor, o caso vira até processo administrativo. Tudo dentro das leis do ensino e da peidagogia. Um "vai tomar" no cu, e digo por experiência própria, rende, quando muito, dois ou três dias de suspensão, nada além. Desrespeito e desacato não são previstos em nenhum regimento escolar como graves delitos. Não há punição para eles.
Ninguém culpa o médico pelo aumento de doentes ou pela precariedade dos postos de saúde; ninguém culpa o policial pelo aumento da criminalidade. Todos culpam o professor pelo aumento do analfabetismo e decadência da escola pública.
A escola virou, literalmente, uma fábrica de fazer doidos.
Repito : a demolição do ensino e dos valores morais básicos a uma sociedade minimamente civilizada foi e continua a ser um projeto em andamento da esquerda brasileira!
Abaixo, alguns depoimentos colhidos pelo G1, todos sob anonimato.
"A pressão é grande. E, às vezes, você não tem respaldo da direção da escola, você não tem respaldo dos demais professores. Você fica isolado. Eu mesmo, o pessoal da escola me tem como 'laudado', pessoa que tem laudo [médico]. Passei na psiquiatria, tomo remédio";
"A gente pisa na escola e a gente vê que é real o grau de estresse, o grau de descrédito aos educadores. Houve um tempo onde ser professor da educação pública, era um motivo de grande orgulho. Hoje, não é verdade isso. O que fizemos como sociedade? Que lugar é esse que onde a gente tá colocando os professores e que acaba causando isso?".
Quanto a mim, depois de 30 e mais 15 dias de afastamento, o remédio começou a surtir algum efeito, tem conseguido me fazer aguentar melhor o tranco, tem bloqueado crises de ansiedade e de pânico mais intensas. Mas não me iludo, sei que não estou melhor. Apenas medicado.
Estou feito aquele cara da piada que entrou na farmácia e pediu um remédio para diarreia. O farmacêutico, ex-aluno da Pátria Educadora, leu errado a receita e deu um calmante pro cagão. Algumas horas depois, o cara volta à farmácia. O farmacêutico, logo ao vê-lo, pergunta : e então, melhorou da diarreia? O cara responde : não, eu continuo todo cagado, mas calminho, calminho...
Pãããããããta que o pariu!!!
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