“Saiba, ó príncipe, que entre os anos em que os mares engoliram a Atlântida e as cidades reluzentes, e os anos do surgimento dos filhos de Aryas, houve uma era inimaginada, quando reinos esplendorosos se espalharam pelo mundo como mantos azuis sob as estrelas. Nessa época, surgiu Conan, o cimério de cabelos negros, olhar sombrio e espada em punho. Um ladrão, saqueador e assassino, com rompantes gigantescos de melancolia e alegria, para esmagar os tronos adornados de joias da Terra com seus pés calçados em sandálias”.
O
Ozymandias me pediu para dar um testemunho de minha experiência de anos lendo A
Espada Selvagem de Conan. Devo dizer que Conan sempre foi um dos meus
personagens preferidos, não apenas dos quadrinhos, mas também da ficção em
geral. Na verdade, nem sei dizer se tecnicamente Conan pode ser considerado um
personagem de HQs, visto que ele surgiu nos contos de Robert E. Howard, e ele
faz parte da vertente da literatura pulp. Claro que foram os quadrinhos
da Marvel tornaram Conan popular para muita gente, mas não podemos esquecer que
ele já tinha um fandom nos EUA antes disso. Porém, para as massas, Conan
só ficou conhecido graças aos filmes de Arnold Schwarzenegger. Isso é inegável.
Enfim,
voltando à minha história como leitor de Conan; passei a ler com regularidade
as histórias do personagem um tanto tardiamente, quando tinha de 13 para 14
anos de idade. Tinha lido umas edições de A Espada Selvagem de Conan
avulsas anteriormente, mas o que lia antes era basicamente quadrinhos de
super-heróis Marvel e DC. Conan era relacionado a esse universo, mas ficava em
um plano diferente. Na mesma época, tinha assistido ao filme Conan, o
Bárbaro com Schwarzenegger, e esse foi um filme que me impactou bastante.
Dessa
forma, comecei a ler A Espada Selvagem de Conan sem
muito background do personagem, mas não senti muita dificuldade em situar-me,
porque Conan tem uma grande vantagem: você pode ler histórias que se passam em
qualquer ponto cronológico da vida do cimério e não ter muita dificuldade de
compreensão. Há histórias em que Conan é um jovem que lutou ao lado dos aesires
contra os vanires; em que ele é um ladrão; em que ele é um pirata, ao lado da
Belit, na saga A Rainha da Costa Negra; em que ele é mercenário; e em
que ele é rei da Aquilônia. Conan é um personagem praticamente com ilimitadas
possibilidades de ser trabalhado por um escritor.
Reconheço
que entender toda a cronologia de Conan pode dar certo trabalho, mas também não
é tão complexo. É bem mais simples que a cronologia dos X-Men, por exemplo. E
Conan desde seu berço já não tinha tantas amarras cronológicas. Em seu primeiro
conto, A Fênix na Espada, ele já é rei da Aquilônia; nas histórias
seguintes, ele é um jovem recém-saído da Ciméria, como em A Filha do Gigante
de Gelo, ou um ladrão, a exemplo de A Torre do Elefante. Conan tem
sim um desenvolvimento de personagem, o Conan rei é bem diferente do Conan
jovem, mas ele também tem uma personalidade básica que na verdade não muda
tanto assim.
O
que me impressionou muito nas histórias de Conan foi a arte; mais
particularmente, a arte de John Buscema, que é o melhor artista do cimério de
bronze disparado. E não é só na minha opinião, não, é na da maioria dos fãs.
Gosto bastante de outros artistas de Conan, como Ernie Chan, Barry
Windor-Smith, Alcatena etc., mas Buscema é o rei mesmo, equiparável a Frank
Frazetta, que ilustrava as capas dos livros de Conan e praticamente definiu o design
do personagem.
Meu
roteirista preferido de Conan também é fácil de adivinhar: Roy Thomas. Devemos
ser justos e admitir que Thomas escreveu o personagem por mais tempo que seu
criador, Robert E. Howard, então ao meu ver ele é sim o escritor definitivo do
personagem. Há outros escritores de Conan que aprecio bastante; um deles, é
Chuck Dixon, que também assumiu os roteiros do bárbaro por um tempo. Também
cito Kurt Busiek, mas ele já é da fase da Dark Horse, então fica como menção
honrosa.
A Espada Selvagem de Conan originalmente não foi planejada para ser o carro-chefe do personagem. A revista Conan, o Bárbaro, em formato americano e em cores, é que era o gibi principal do cimério. No entanto, quando A Espada Selvagem de Conan, em “formatão” e em preto e branco, foi publicada, Conan teve um boom de vendas, e ela se tornou a referência do personagem. Até mesmo porque foi a primeira publicação realmente adulta da Marvel, com violência, certo nível de gore e sensualidade. Não chegava a ter sexo explícito, mas tinha muita insinuação. Conan passou o rodo nas mulheres da Era Hiboriana.
Uma
coisa que talvez quem seja mais novo e não conheça muito sobre a trajetória
editorial de Conan não entenda é que Conan vendia MUITO, e isso também no
Brasil. Ele chegou a ter mais revistas mensais que o Batman nos anos 90. Na
editora Abril, além de A Espada Selvagem de Conan tradicional, em
preto e branco, ainda havia os especiais em cores e algumas edições extras.
Houve também a revista Conan Rei, em formato americano e em cores; Conan,
o Bárbaro, em formatinho e em cores; Rei Conan, também em formatinho
e em cores; Conan Saga, que era tipo uma A Espada Selvagem de
Conan estilo almanaque, com o dobro de páginas e com duas aventuras; e Conan,
o Aventureiro, que tinha histórias desenhadas por Rafael Kayanan e
mostravam o bárbaro em seu início de carreira, infelizmente só durou cinco
edições por aqui. E isso fora edições especiais e graphic novels.
A Espada
Selvagem de Conan da Abril foi publicada de 1984 até mais ou menos 2000, e
teve uma reedição nos anos 90. Então, foi um reinado longo nas bancas de
jornais. Quando a Marvel perdeu os direitos de Conan para a Dark Horse, Conan
passou a ser publicado no Brasil pela editora Mythos, mas até mesmo antes a
Mythos no começo dos anos 2000 republicava material clássico de A Espada Selvagem de Conan da Marvel.
Nos anos 2000 e 2010, Conan sofreu uma “gourmetizada” e o material da Dark
Horse começou a ser publicado em encadernados capa dura, acompanhando a
evolução do mercado de HQs no país.
A
verdade é que os leitores fiéis de Conan diminuíram bastante. Muita gente que
lia o personagem nos anos 80 e 90 não lê mais; ele não é mais o best seller
de antes. Perdeu espaço para os super-heróis Marvel e DC e os mangás. O recente
retorno de Conan à Marvel foi um fiasco, pois a editora quis enquadrar o
cimério em sua agenda atual, politicamente correta, e isso não é possível para
o personagem, pois destruiria sua personalidade autêntica. Além disso, quiseram
atochar o Conan em histórias com os personagens regulares da editora, e ficou
uma bosta. Não há outra forma mais direta de dizer isso. Meteram o Conan nos Vingadores
Selvagens, o que foi uma verdadeira atrocidade. Claro que alguém pode me
questionar e perguntar sobre os encontros de Conan com outros heróis da Marvel
nos velhos tempos, mas isso ocorreu em histórias do selo O Que Aconteceria
Se... Conan teve histórias em que encontra Thor, Capitão América e
Wolverine, mas foram pontos fora da curva.
De
todo modo, para quem nunca leu ou desconhece as HQs de A Espada
Selvagem de Conan, vale muito a pena. É realmente uma experiência muito
divertida, e Conan é um personagem realmente fascinante. Infelizmente, ele
perdeu muito de seus leitores, e suas histórias têm muita testosterona para
essa época cheio de estrogênio em que vivemos. Nuvens negras pairam sob o
horizonte do cimério, por Crom!
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