JESSICA JONES: O QUE GLOBOPLAY PODERIA APRENDER COM A NETFLIX

 


Sim, eu sei que Verdades Secretas 2 é uma novela, mas ela foi vendida como uma série, exclusiva para a plataforma Globoplay e tem um visual dark, diferente das novelas.

Inclusive, alguns críticos viram similaridades entre o clima desta com a Gotham City dos filmes do Batman. A diretora, Amora Mautner, prometeu um clima voyeur à trama e por isso há muitas cenas aéreas e das janelas.

Há cenas por demais escuras e roteiro pra lá de desempolgante.

Todavia, preciso dizer que saíram apenas os 10 primeiros episódios da série – cuja terceira temporada já está sendo escrita – e por isso as coisas podem mudar [quem leu Cavaleiro das Trevas 2 sabe do que eu estou falando].


Enfim, estava eu por esses dias sem muita inspiração e à procura de uma série para assistir despretensiosamente. Foi quando me lembrei que eu não havia assistido à terceira temporada de Jessica Jones. Lembrava-me que a segunda temporada não havia sido tão boa quanto a primeira e, quando a Netflix bateu o martelo para cancelar todas as séries da parceria com a Marvel, eu insisti apenas em Demolidor, deixando as temporadas derradeiras de Luke Cage e Punho de Ferro também órfãs.

De cara você percebe a diferença entre uma serie bem feita, escrita e produzida e, uma novela que quer passar recibo de “Netflix brasileira”.

Enquanto VS2 é totalmente estridente, com tons decibéis acima, Jessica Jones mostra personagens normais, com problemas normais, cuja moralidade é cruzada ou não. Muitos desses personagens são dignos de contos de Charles Bukowski; com bebedeiras, derrotas e brigas constrangedoras.

Mas há os meticulosos, os psicopatas, os viciados, os assediadores, os voyeurs, os aproveitadores e, claro, os canalhas.



E o mais interessante é que a terceira temporada não tem um vilão. Claro, tem alguém lá que faz as vezes do enfrentamento, mas vilão mesmo não tem, tamanha a profundidade do debate em relação à moralidade, à lei e à justiça.

Krysten Ritter, a Jessica Jones, conseguiu criar formas de expressão para a personagem de uma forma que você entende o que ela está pensando! Além disso, o elenco de apoio tem histórias próprias e, claro, acabam se cruzando justamente por causa da protagonista – Trish “Patsy” Walker [Rachael Taylor], a irmã postiça; Malcolm [Eka Darville], o viciado que se torna funcionário, que se torna concorrente, que se torna parceiro, que se torna substituto; Costa [John Ventimiglia], o policial cujo respeito se torna mútuo; Jeri [Carrie-Anne Moss], a advogada cujo relacionamento é caoticamente estranho. E todos levam suas vidas, ora independentemente a Jones, ora ligados a ela.

Trish, ex-estrela infantil, Patsy, e justamente por isso, teve uma infância sofrida, com sua mãe fazendo as vezes de uma primeira-ministra, controlando todos os seus passos. Quando cresce, Trish tem todos os problemas possíveis, mas também uma facilidade para driblar os problemas e sorriso para vencer as adversidades de forma surpreendente. O problema é que ela também é viciada. Drogas, remédios, exercícios, certezas, justiça, bater em “quem merece”. Confesso que esperava ver a Felina, em carne e osso, uma versão do Demolidor, com uniforme e tudo, encarando quem quer que seja. E podemos ver uma piscadela sobre isso, mas poderíamos ter ido além.



Dorothy, a mãe de Trish, interpretada pela gigante Rebeca DeMornay, mescla com desenvoltura a carência e o assédio de uma mãe que vê na filha a oportunidade do sucesso e de uma vida melhor.

Malcolm foi do inferno ao céu numa temporada. E despencou de lá até ao abismo novamente noutra. Tão problemático e vulnerável quanto Trish, ele tenta fazer uma diferença; que o próprio não consegue aplicar em si mesmo.

Jeri Hogarth, a advogada-sensação dessa Nova York – não se engane, pois Matt Murdock e Foggy Nelson só estão começando – tem muitas camadas e passa da frágil para a predadora num piscar de olhos. E no desespero de tentar consertar o último erro, cometendo um pior logo à frente, todos, com exceção do detetive Costa, vão até o último capitulo.

Claro, há um “vilão”, um assassino em série, que quer apenas incendiar todo o contexto por trás da história de Jessica Jones. Mas ele é apenas um detalhe.

O ponto crucial dessa temporada é o que nós fazemos com o que temos em mãos. Como decidimos nossas vidas e a outrem, quando podemos? O que fazemos quando todos estão assistindo à TV?



E, embora há uma irritante repetição da palavra “heroína” – feminino de herói e não a droga – não há heróis nessa história. Apenas pessoas que tentam dar o seu melhor; seja ajudando, seja sendo úteis, seja fazendo aquilo que querem fazer, que às vezes é--- matar.

Jessica Jones encerra a série na Netflix, uma vez que ela já estava cancelada antes de sua estréia de uma forma agridoce – e confesso que esperava um destino melhor para Trish Walker.

Quando a Netflix decidiu cancelar todas as séries em parceria com a Marvel, havia a possibilidade de uma “transferência” para um vindouro Disney+ - o streaming da casa do Mickey chegou e percebemos que não há a menor condição de Jessica Jones estar ali. Talvez no canal herdado da Fox, Hulu [quem sabe?]. Seria mais provável.

No entanto, é sabido que havia um contrato de cinco anos entre Netflix e Marvel e a showrunner de Jessica Jones ficaria por apenas três temporadas, pois ela assinou a posteriori um contrato com a Warner. Então, talvez esse seria o momento certo de Krysten Ritter, a estrela, pular fora também.

Além disso, a própria Ritter já declarou que não se imagina voltando à personagem, mesmo num futuro próximo.

Agora—surgiram rumores que a personagem seria coadjuvante de Jennifer Walters na série da Mulher-Hulk. Será?

Perguntado sobre isso, Kevin Feige simplesmente respondeu: “Nunca diga nunca!”

De qualquer maneira, tanto Jessica Jones, quanto Demolidor – e até Justiceiro – conseguiram elevar a qualidade e a complexidade de histórias em quadrinhos para um patamar que nenhum longa da Marvel sequer sonhou. Poderiam voltar?

Deveriam!

Texto originalmente publicado no site Vagnerverso, e que pode ser lido AQUI.

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