The Batman: Muito Mais Do Que Três Horas De Vingança

 



Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores!


Minha ida ao cinema para assistir ontem a The Batman não estava programada e foi resolvida após uma questão de cunho profissional não-resolvida que me deixou para baixo. Ao invés de quebrar tudo ou ficar em casa me lamentando cheio de mimimi, saí para assistir ao filme a fim de espairecer e preencher a mente com uma obra que ansiava por assistir. O cinema estava vazio, no máximo haviam trinta pessoas para uma sala onde cabem duzentas. Gosto assim, salas cheias sempre me incomodaram, muito falatório durante o filme e gritaria em cenas de impacto. Mas, duvido que em um sala cheia haveria murmúrios durante o filme ou gritaria em determinadas cenas porque o filme foge completamente da cartilha das produções que somente se pautam pelo barulho insano a cada cena. The Batman é perturbador, denso, pesado, depressivo, melancólico, triste e uma verdadeira viagem pelos meandros mais corretos de uma jornada heróica. Pelo estado de espírito no qual eu estava, assisti-lo ontem foi como me submeter a olhar para dentro de mim mesmo fazendo-me lembrar de muitas coisas e me enxergar na pele do Bruce Wayne de Robert Pattinson. Algo que não ocorrera com os intérpretes do personagem anteriores no Cinema, incluindo Christian Bale, o mais famoso deles.


Pattinson entregou a alma, o sangue, o Ser, na interpretação que vai muito além do que encher bandidos de porrada ou solucionar o mistério todo que envolve os passos do Charada. Não há qualquer deslize no tom da interpretação dele e nem um exagero na prioridade por uma atuação que não se desvia para ser maior ou melhor do que o próprio filme.  Seco, melancólico e claramente deprimido é o Wayne que ele interpreta, até mesmo na forma dele caminhar e falar dá para sentir a pesadíssima presença da Dor. Ele não derrama lágrimas, o que soaria piegas, mas traduz no olhar uma alma atormentada que ousa erguer-se todas as noites contra as desgraças de uma cidade adoentada. O Crime é o Câncer que atormenta Gotham City, um Câncer Terminal que desequilibra toda a estrutura orgânica dos poderes constituídos nela nos âmbitos  do Legislativo, Executivo e Judiciário. Uma Cidade tão real quanto as nossas daqui deste Ponto da Realidade onde escrevo este Artigo e você aí, leitora e leitor virtual, o lê.


Qual Realidade pode ser evocada mesmo nos discursos de Wayne no inicio e no final do filme? Seria Gotham fruto da imaginação atormentada dele ou um delírio coletivo onde todos os moradores dela estivessem aprisionados muito além da Loucura? Quando uma Cidade cede tanto espaço para a Corrupção e a Violência, a falta de empatia e egoísmo, a falta de respeito às Leis e às Instituições de um modo generalizado, estamos falando de uma Realidade Ficcional ou da nossa Realidade palpável, absurdamente caótica e decadente tanto quanto Gotham? Esta Cidade, sempre chuvosa, sempre cinzenta, me fez muito lembrar as grandes Metrópoles de nossa Civilização, sujas por dentro e por fora, detestáveis na superfície e no subterrâneo, destrutivas em todos os âmbitos por causa da ausência de verdadeiros valores evolucionários. Falo de evolução no sentido de uma pulsação ativa, independente, genuinamente universalista e integralista que nascesse da vontade geral em querer mudanças através de uma Revolução Social. Porém, isto é utópico demais, sonhador demais e até incoerente com o tipo de moradores honestos presentes em Gotham ou nas Cidades de nosso mundo: pessoas cansadas, acomodadas e que se rendem à mediocridade, tendentes a sufocar aqueles que falam em ter uma ação para melhorar tudo onde vivem. Isto é Gotham City, onde, pelo que vemos no filme, os moradores distantes ou no interior do Câncer que ela é apenas são espectadores dos acontecimentos em seu perímetro. Não é muito diferente na Cidade onde moro. É diferente na Cidade onde você, leitora e leitor, mora?


Matt Reeves dialoga conosco mostrando todas as abissais desarmonias e anomalias de Gotham, querendo que o espectador saiba dialogar com o filme em uma imersão total. Transpor o limite que há separando espectador e filme, segundo minha intepretação como cinéfilo, sempre é um risco que se corre quando um diretor propõe, consciente ou inconscientemente, isto. Reeves não entregou tão fácil tudo e nem deixou transparecer ao final que a Gotham construída por ele se tornará uma Cidade melhor, um Paraíso Realizado entre todas as Cidades do mundo em que se encontra. Ele pede que entremos juntos com Bruce Wayne nos porões das cinzas e da chuva que insistentemente cai sobre Gotham. Cinzas que são as nítidas e palpáveis, até, excrescências de um Sistema canceroso, quadro quase anárquico de uma Terra De Ninguém (aliás, como sabem, título de uma Fase do Batman nos Quadrinhos em um Passado quase próximo). Chuva que é mais um personagem que deveria ter sido creditado porque se insere como onipresente, testemunhando silenciosa toda a descensão de Gotham em direção a um esgoto existencial. Artesanalmente, a naturalidade de toda a chuva no filme foi amplificada no filme por Reeves para dar uma noção mais viva e realística da intensa agonia de toda a Cidade.


Agonia que presenciamos na maior parte do tempo através dos olhos de Wayne. Ele é A Agonia, mais do que A Vingança, posto que a certo ponto do filme ele começa a questionar se a segunda vale mesmo a pena sem que efetue enfadonhos discursos ou trave chatíssimos diálogos existencialistas que fugiriam à proposta de uma linguagem mais direta feita por Reeves. Percebi que somente na mudança de olhar e nas atitudes de Wayne/Batman, o questionamento se fez, culminando na sequência final que notabilizou-se por mostrar um herói de verdade agindo dentro da própria agonia de ver que não poderia salvar sozinho toda uma Cidade. No entanto, ele salvou os que pôde e, mesmo que o filme não tenha mostrado ou citado, aqueles que morreram devido à ação do Charada (Paul Dano) ele sempre se culpará por não ter sido possível salvá-los. Soaria piegas um mea culpa ao final do filme, não? Portanto, Reeves deixou para o espectador a simples e antiga solução da utilização do superpoder do raciocínio, superpoder tão destruído por certos filmes ridículos cheios de piadinhas.


O hilário e a galhofa inexistem em The Batman, pois tudo neste se prende ao angustiante olhar do personagem principal para a Cidade onde ele vive e o olhar que esta direciona até o espectador. Compreendo que há níveis interpretativos diversos sobre perspectivas diversas dimensões íntimas de cada um que resenha este filme. No entanto, se juntarmos todas as resenhas já escritas sobre ele, poderemos notar nas entrelinhas que o tema maior do mesmo não é o Batman, o Charada, Selina Kyle (Zoë Kravitz), James Gordon (Jeffery Wright), Pinguim (Colin Farrell), Carmine Falcone (John Turturro) ou Alfred (Andy Serkis), mas a própria Gotham com seus habitantes mornos, seus criminosos terríveis, seus policiais corruptos e seu Sistema Organizacional falido. Por cima, por baixo e ao centro do olhar narrativo principal, o de Wayne, é a Cidade que está falando, vivamente audível para quem conseguir fazer uma imersão total no filme. Alguns conseguem esta imersão instantaneamente, como eu, tendo cada um diferentes visões e versões para uma mesma história. Outros precisam de duas ou mais incursões pelo filme para compreendê-lo melhor, evitando assim interpretações levadas por comparações com filmes anteriores do Batman. Desligar-se, como eu fiz, dos outros filmes, aqui é intensivamente necessário.


The Batman se afastou dos filmes anteriores por mostrar com maior ênfase as podres vísceras de Gotham. Muita coisa não pôde ser mostrada, outras foram sutilmente reveladas e diversas outras serão deixadas para que o espectador decifre-as como se fossem charadas do vilão do filme. Vilão este que compreendia e via aquelas vísceras mais do que os outros moradores da Cidade, mesmo de um doentio e distorcido ponto de vista. Ave Maria de Schubert, o tema dele, evocada é como uma oração por uma agonizante Cidade e invocada como o único elemento externo à poluição psíquica urbana que não foi encoberto pelas chuvas e pelas cinzas. Mesmo o relacionamento de Bruce e Selina não é tão harmonioso como pode parecer nas cenas do filme porque há uma tensão presente entre um vigilante que não ultrapassa a linha e uma marginal (no sentido de estar à margem da sociedade como 80% dos moradores de Gotham) que quer apagar tal linha. Ave Maria, portanto, é a única presença pura no filme, nem mesmo Gordon, apesar de ser honesto, pode ser considerado puro. Mais uma vez, esclareço que esta é a minha interpretação, ao afirmar agora que Gordon durante anos fez vista grossa para as podridões da Cidade onde ele vive. Praticamente sozinho ele esteve, disto eu sei, mas você se sentiria bem fazendo parte de algo tão podre quanto havia e continuará havendo na Gotham deste novo passo do Batman no Cinema?


Eu não aceitaria tal convivência e combateria a tudo, mesmo que morresse no processo. Wayne, sem medo da morte, se propôs a desafiar os monstros que dominaram Gotham revestido com um símbolo que aterroriza criminosos. O peso, a imagem e a aura de um Batman verdadeiramente aterrador aqui se apresentam junto com a função detetivesca dele que os outros filmes sequer tiveram o bom senso de promover. O complicado jogo do Charada é por ele, Alfred e Gordon descortinado com uma lentidão priorizante de não deixar escapar qualquer mínimo detalhe. Os Melhores e Maiores Detetives de todos os Mundos Ficcionais e de todos os Mundos Reais agem assim. O Melhor e Maior Detetive do mundo visto neste filme não age diferente e nunca agiria distante do que lhe caracterizou nas histórias escritas antes de certos roteiristas tornarem-no nos Quadrinhos um ridículo Deus Ex Machina. Com os dois pés no chão, Reeves restabelece no filme uma característica do Batman que jamais deveria ter sido esquecida ou abandonada.


Humildade em um blockbuster é raro e foi o que eu aqui notei. Todos os atores em uma perfeita química, dando para notar que o Ego não falou mais alto. Toda a Fotografia captando e capturando em tons diversos o tom geral das estranhas visões de Gotham, que mais se parece com um imenso hospício se passando por uma urbana Cidade. O Som foi outro personagem, principalmente Something In The Way do Nirvana, a voz de Kurt Cobain representando angustiosamente o estado de espírito tanto de Wayne quanto da Cidade. A Edição caprichosa, fazendo as três horas de filme nem serem assim tão notadas (para mim, pelo menos, pois quando assisto um filme eu realmente me transporto para dentro dele esquecendo o Tempo e o Espaço onde estou). Com a certeza de tudo que o filme me disse, afirmo considerá-lo uma obra-prima na minha particular visão. Pode ou não ser uma obra-prima para muitos, mas ele mesmo se explica em excelência na qualidade e nas virtudes que carrega como um inesquecível filme aberto para múltiplas interpretações.


The Batman não tenta ser "a melhor adaptação já realizada de um personagem dos Quadrinhos" ou "o melhor filme do ano no Gênero Dos Super-Heróis". Não é "o filme que o mundo precisa" ou "o filme que o mundo merece". E, muito menos, é "um filme grandioso demais para mentes pequenas". Reeves inseriu nele algumas referências de filmes anteriores e dos Quadrinhos, sim; entretanto, partiu para criar algo único com um sentido e uma personalidade próprios. O filme é o que é em sua simplicidade, o que aos meus olhos já é o suficiente por ter acrescentado muito para mim em termos de Arte, não de vazio entretenimento. Eu digo que The Batman, ao fim, é uma versão novíssima de um personagem que permite diversas versões; é um filme que o mundo não pediu, mas que está conquistando muitas pessoas e conquistará muitas mais pelas qualidades que comporta; e é sombrio demais para mentes alegres sempre indo de encontro a carnavais de todo tipo e fugindo de olharem para si  mesmas. O filme termina com a conclusão do próprio Batman que ele deve ser um Símbolo Esperançoso e, não, Vingativo, dentro de uma Cidade que desconhece qualquer forma de Esperança. Heróis de verdade como ele são utopistas e um tanto quanto demasiadamente sonhadores, mesmo sendo tão realistas e objetivos quanto o Batman. E isto é o que os torna tão impactantes e irresistíveis tanto para seus Fãs quanto para seus haters.


Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores! 



💀💀💀💀💀💀💀💀💀💀💀💀💀



Leia também:✒️O Mundo Inominável




Postar um comentário

0 Comentários