Capítulos 1 e 2 podem ser lidos AQUI.
CAPÍTULO 3
Cus e Tyson saíram de casa antes do nascer do sol. Tyson estava bem sonolento,
mas mesmo assim isso não impediu D'amato de ir falando
sem parar durante todo o percurso até a casa do seu amigo misterioso.
-Escute Mike, já te falei diversas vezes sobre como um boxeador deve lidar com
suas emoções, certo? O que eu sempre disse sobre a diferença entre um amador e
um profissional? - Cus olhou fixamente para Mike dando a entender que esperava
uma resposta do seu pupilo.
- Que o profissional cumpre seu papel independente do seu estado de espírito
Cus. Custe o que custar, ela sobe no ringue e faz o seu trabalho. - Tyson
esperava que com a resposta na ponta da língua talvez Cus não desse
continuidade ao diálogo. O que não aconteceu.
-Exato Mike. Escute garoto, entendo perfeitamente o que está sentindo.
Principalmente porque acredito que você venceu aquela luta. Buscou o combate o
tempo todo e aquele frango do Tillman só fugiu e contra golpeou apenas algumas
vezes. Já te disse que pode colocar isso na minha conta, pois sei que a
comissão de boxe não me vê com bons olhos. Então sempre que há uma oportunidade
de me prejudicar, eles aproveitam.
D'amato acreditava piamente nisso, como ele tinha tantos desafetos dentro da
comissão, aquela era a única explicação plausível na sua visão para Mike ter
perdido a vaga. E realmente Cus alimentava essa animosidade, tanto que após ser
anunciado o resultado da luta, Cus ficou descontrolado e tentou agredir um dos
oficiais olímpicos. Ele só não foi bem-sucedido porque Kevin Rooney* (1), que
era quem efetivamente realizava os treinos físicos com Tyson o segurou.
- Por essa razão garoto, que fui tão complacente com você nesses últimos dias,
mas me preocupou a maneira como tudo isso te afetou. Acredite Mike, você tem um
futuro glorioso no boxe. Tem tudo para se tornar um dos maiores da história.
Mas para a sua profissionalização que irá ocorrer em breve, acredito que você
precisa aparar algumas arestas. E não conheço ninguém melhor do que Jan para
isso.
-Mas quem é esse Jan, Cus? E porque você nunca falou dele?
-Jan é como se fosse uma "arma secreta" garoto. Um general, um bom
estrategista, tem sempre que manter alguns segredos para serem usados na hora
mais propícia.
- Mas porque Cus? Nem o Rooney conhece esse cara- Mike agora parecia mais
desperto e finalmente interessado na conversa.
- E nem vai conhecer Mike. A existência de Jan deve ser mantida em segredo. Me
prometa isso.
- Mas o que nós vamos fazer lá? Eu não tô a fim de boxear Cus, muito menos com um estranho.
Cus então começou a dar uma
sonora gargalhada. O que deixou Tyson ainda mais surpreso.
-Nós, Mike? Eu só estou te levando lá. E quanto a boxear, fique
tranquilo, o Jan também jamais iria querer boxear com você, pelo menos no seu
estado atual. Se o fizesse, aí é que você não teria chance de subir num ringue
como profissional.
Mike ficou ainda mais
atordoado depois da resposta de Cus.
-Mas, Cus....ontem você disse que nós iríamos a um lugar conhecer uma pessoa
muito importante, e que ficaríamos alguns dias lá.
- Mike, quando digo "nós" significa que somos um time, bem unidos em
pensamento e propósito, e que estarei presente com você lá em espírito.
Hahahaha, Deus me livre passar um pernoite sequer na casa do Jan. Cus dava um
rumo a conversa que só deixava Mike cada vez mais desnorteado.
- E que história é essa que se eu lutasse com ele agora, seria o fim da minha
carreira? Cus o que significa tudo isso?
D’amato conhecia Mike, e sabia que naquele momento a melhor coisa seria mexer
com os brios de Tyson, ferir seu orgulho a fim de conseguir motivá-lo
novamente.
- Você terá que adquirir o direto de poder boxear com ele, filho. E acredite, se conseguir isso, tenho certeza que você será o mais terrível campeão da história dos pesados. Liston, Foreman e Joe Louis serão considerados juvenis quando comparados a você. Está tendo uma oportunidade de ouro.
O semblante de Tyson começava a mudar. O plano de Cus parecia surtir efeito.
- E quanto tempo eu vou ficar lá?
- Isso depende exclusivamente de você Mike. O Jan é só um intermediário que irá
finalizar sua educação pugilística. O resultado depende inteiramente do seu
comprometimento. Mas asseguro que se você não for capaz de acertá-lo, não
vai haver um prosseguimento da sua carreira. Não precisa nem o vencer Mike. Se
acertar um golpe nele já passará no teste, isso será um grande feito. Mas torno
a repetir, na condição em que está hoje, você nem seria um desafio pra ele.
Após proferir essas palavras, Cus sentiu que deveria parar de falar. Primeiro
porque já estavam chegando mesmo ao local, mas principalmente porque sentiu que
suas palavras haviam acendido a chama do guerreiro interior do jovem Mike, que
havia se apagado nos últimos dias.
NOTAS:
1- Kevin Rooney: ex-boxeador profissional que competiu de 1979 a 1985, soba tutela de Cus D’amato. Antes mesmo de encerrar a carreira profissional de boxeador, assumiu a tarefa de conduzir os treinos físicos de Tyson sob a orientação de D’amato.
CAPÍTULO 4
Assim que chegaram à casa de Jan, Cus tratou de dar as últimas recomendações a
Mike.
-Escute Mike, Jan é uma pessoa de minha total confiança. Então saiba que tudo o
que ele fizer ou pedir para você fazer, simplesmente obedeça-o. Ok? Trate-o
como você trataria a mim, e tenho certeza que no final vocês se darão muito
bem.
Mike assentiu com a cabeça e tratou de descer do carro para pegar suas malas.
- Não vai comigo até lá dentro, Cus?
- Não, Mike. Eu volto daqui. Tenho certeza que será melhor você e Jan se conhecerem sem a minha presença. Quanto menos eu me envolver, acho que será melhor.
Cada vez que Cus falava sobre
esse misterioso Jan, Tyson ficava ainda mais encucado. Porque tanto mistério? O
que esse homem poderia ensinar para ele que o próprio Cus não poderia? E porque
Cus nem sequer se dava ao trabalho de apresentá-lo? Todas essas questões
começaram a incomodar o jovem pugilista. Mas sua confiança em D'amato era tão
grande que ele sabia que apesar de todo esse suspense, Cus só queria o seu bem.
Com isso em mente, começou a trilhar o caminho em direção à casa de Jan. Sua
residência ficava no alto de uma colina, a uns 20 minutos de distância da
residência de Cus, e não havia uma estrada de asfalto que o conduzisse até lá. Mas
Mike nunca havia andado por essas bandas. O local era deserto, mas cercado por
uma linda vegetação ainda silvestre. Mike começou a subir a colina, já estava
dentro do terreno de Jan, e conforme ia subindo a trilha, foi admirando as
numerosas árvores do terreno, e também percebeu que o chão além do amontoado de
folhas que caiam das árvores, também estava repleto de pedras. Dos mais
variados tamanhos, algumas dispostas em círculos, grandes e pequenos, e algumas
empilhadas umas sobre as outras. Sua atenção ficou tão concentrada na
paisagem que o cercava que nem se deu conta de que terminara de subir a colina
e que caminhava já sob um lugar plano, e se espantou quando deu de cara com um
homem na sua frente que o olhava fixamente nos olhos. Ao se deparar com aquela
presença Mike deu um pequeno pulo para trás, o que fez com o homem mudasse o
semblante antes sério para uma estrondosa gargalhada. Ao perceber a situação
Mike também começou a rir, e após alguns segundos eles se apresentaram.
-Olá Mike, seja bem-vindo. Meu nome é Jan, e é uma honra tê-lo na minha casa.
Quero que saiba que este momento será um grande divisor de água para nós dois.
- Após a fala de Jan, Mike percebeu pelo forte sotaque que ele não era
americano, mas não conseguiu identificar de que parte do mundo poderia ser,
talvez da Europa. A experiência de vida de Mike com estrangeiros era
relativamente considerável, já que no gueto onde se criou, ele cresceu ouvindo
muitos sotaques, mas na sua grande maioria de países latino americanos. E
definitivamente Jan não se enquadrava neste grupo, nem pelo sotaque, nem pela
aparência física. Branco, de cabelos negros, olhos claros e grande estatura,
deveria ter mais de um metro e noventa, e bem corpulento. Com certeza beirando
os 100 quilos. Pelas rugas no rosto poderia arriscar uma idade entre 38 a
45 anos. Traços fortes e rústicos. Jan era do tipo que se saísse na rua, não
passaria despercebido.
-Obrigado senhor Jan, eu que agradeço por me hospedar, sem nem ao menos me conhecer.
-Mike, não me chame de senhor. Só Jan, e você está equivocado. Eu já o conheço Mike, muito bem, mas essa é uma história que te contarei no momento certo.
Tyson achou que ele dizia isso
provavelmente porque Cus já deveria ter passado toda a sua "ficha"
para Jan. Cus tinha o hábito de ligar para seus conhecidos e ficar horas se
gabando de que estava treinando o futuro campeão mundial dos pesados. Às vezes,
Cus começava a gargalhar no telefone e falava feliz da vida:
- Eu fui abençoado 2 vezes, o raio caiu no mesmo lugar mais uma vez. Tenho aqui
outro campeão do mundo.
-Espero que o Cus não tenha exagerado ao falar de mim para você. Eles às vezes se empolga, e isso de certa forma acaba colocando uma pressão bem grande sobre mim, então peço que não faça nenhum julgamento a meu respeito até pode me ver em ação- Tyson disse isso na defensiva, pois ainda não sabia o que esperar desse seu novo "treinador" ou o que quer que Jan fosse ser.
-Não Mike. Cus não me disse nada que eu não soubesse. Na realidade ele só confirmou minhas... Vamos dizer...suspeitas. Mas não se incomode com isso agora, vamos ter bastante tempo pra conversar. Venha deixe eu levar suas bolsas lá pra dentro e venha conhecer a casa e o seu quarto.
Mais mistérios e Mike ficava
cada vez mais inquieto com toda essa situação.
Continua...
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