Top 10 quadrinhos controversos




Atualmente, vivemos tempos bem “padronizados”, digamos assim, sob a chamada “ditadura do politicamente correto”. Até mesmo as histórias em quadrinhos, que eram uma forma de mídia menos prestigiada, andam sofrendo patrulhamento dos social justice warriors, e, na maioria das vezes, quem critica nem é usualmente consumidor de HQs.


Então, em tempos como estes, em que as editoras não podem mijar muito fora do penico, é interessante conferirmos algumas vezes em que os quadrinhos podem ter ido um pouco longe demais, ou talvez muito longe mesmo. Fiz um apanhado de dez quadrinhos que considero os mais controversos. A numeração está em ordem decrescente, e o critério não é a qualidade, mas a controvérsia; porém, alguns realmente tiveram de ficar de fora. Quem sabe em uma outra lista de quadrinhos controversos? E há HQs que foram controversas quando publicadas e hoje em dia nem são tanto. Esse é o caso de Camelot 3000, com a cena de sexo lésbica entre Tristão e Isolda. Esse tipo de cena ainda choca alguns, mas não tanto como antes, visto que há uma invasão de personagens LGBT até nos quadrinhos mainstreams de super-herói.

Enfim, vamos a lista das HQs controversas, sem mais delongas.








10) Kick-Ass A HQ da linha Icon da Marvel escrita por Mark Millar e ilustrada por John Romita Jr. e publicada a partir de 2008 é uma das mais mainstreams dessa lista, e é bem conhecida não apenas por quem minimamamente acompanha quadrinhos, mas também por leigos, visto que teve duas adaptações cinematográficas. No enredo, Dave Lizewski é um nerd fanboy viciado em quadrinhos que decide fazer a diferença e personificar os heróis que tanto admira. Pobre coitado. Nem sabe o quanto iria se ferrar de verde e amarelo. Usando um traje de mergulho que comprou no eBay, Dave começa a patrulhar as violentas ruas de Nova York, e também passa a se machucar, bem feio. Depois de ser hospitalizado e novamente se meter em uma briga, finalmente viraliza na internet, no YouTube. Deve chama atenção da dupla Big Daddy e Hit-Girl, e é aí que seus problemas pioram bastante. A HQ tem muitas cenas gore, de extrema violência, especialmente por parte da Hit-Girl, que, a despeito de só ter 11 anos, é uma sociopata mirim. Kick-Ass é uma grande sátira ao fanboy e à indústria de comics de modo até subversivo. Acho Mark Millar um marqueteiro safado, mas ele realmente mandou bem no roteiro. A arte de Romita Jr. está ainda boa, e ele desenha a violência e os ferimentos da forma mais verossímil possível. A gente sente a mesma dor que Dave sente quando está sendo ferido ou torturado.






9) Brat Pack Antes que me perguntem porque não coloquei The Boys nessa lista, a razão é muito simples. Já há duas HQs escritas por Garth Ennis nela, e não quis incluir mais uma. Além disso, preferi substituir The Boys por Brat Pack, no tocante ao tema “super-herói”. Escrito e ilustrado pelo lendário artista do Monstro do Pântano: Rick Veitch, e publicado entre 1990 e 1991, trata-se de uma fábula sombria de super-heróis, bem na onda de distopia como Watchmen. O enredo, de forma bem original, centra-se nos sidekicks. O protagonista é Cody, um coroinha da igreja que se torna o próximo Chippy, o parceiro do Doninha Noturna, o flagelo do submundo. Isso depois de o Chippy anterior e seus amigos sidekicks terem sido assassinados pelo próprio Doninha, ao tentarem roubar o carro do “herói”. É óbvio que Cody vestir o manto de Chippy é uma alusão ao Robin, como Jason Todd assumiu o manto de Robin após Dick Grayson o deixar disponível. O Doninha Noturno é basicamente o Batman desse mundo, um Batman sórdido, cruel, assassino e pedófilo. Cody está em mais lençóis. Santa pedofilia, Batman! E os outros heróis amigos do Doninha são psicopatas da mesma laia que ele, Juiz Juri, Rei Red e Senhora da Lua, todos com seus respectivos sidekicks, que irão sofrer todo tipo de abuso imaginável. Se Garth Ennis assumidamente odeia super-heróis, Rick Veitch tem uma relação mais de amor/ódio com eles, e isso fica bem claro nessa HQ. Brat Pack é uma visão distorcida de um espelho da alegoria do super-herói, estranha, obscura e perturbadora, como em um pesadelo de Fredic Wertham.






8) Lost Girs Que Alan Moore é o maior escritor dos quadrinhos, todo mundo sabe, e que ele tem muitas obras controversas, também. No entanto, creio que Lost Girls não seja uma de suas HQs mais conhecidas, apesar da polêmica. Ilustrada pela esposa de Moore, Melinda Gebbie, e publicada integralmente em 2006, o enredo é a respeito do encontro de três personagens muito famosas da literatura clássica, Alice, de Alice no país das maravilhas, Wendy, de Peter Pan, e Dorothy, de O mágico de Oz. Elas se encontram adultas em 1913 no Hotel Himmelgarten, para relembrarem suas peripécias sexuais de juventude. Bom para destruir nossas memórias de infância de quando vimos as adaptações dessas histórias clássicas ou até mesmo as lemos.












7) Preacher Essa é uma HQ que não poderia faltar na lista. Escrita por Garth Ennis e desenhada por Steve Dillon, Preacher foi publicada em 1995 e teve grande impacto na indústria de comics, sendo uma das principais HQs do selo Vertigo da DC Comics. No enredo, Jesse Custer é o pastor da congregação da pequena Annville. No entanto, ele está para lá de desiludido de ter de morar e pregar naquele fim do mundo, por razões que serão esclarecidas ao desenrolar das edições. Qual não é a surpresa para Custer quando ele é possuído por Genesis, a cria de uma transa entre um querubim e uma súcubo. Apesar de toda sua congregação ser dizimada, Jesse descobre que agora tem o poder da palavra, o mesmo poder de Deus, e pode obrigar qualquer um a fazer qualquer coisa que ele mandar. Ele ainda descobre que o Paraíso está vago, pois Deus fugiu apavorado quando Genesis nasceu, e, dessa forma, assume uma nova resolução, que é ir atrás de Deus e fazê-lo assumir sua responsabilidade. Ele cruza seu caminho com sua ex-namorada Tulipa, uma maluca borderline que gosta de atirar nas pessoas, e Cassidy, um vampiro irlandês e beberrão “gente boa” (na verdade, nada gente boa, um dos maiores filhos da puta).






Preacher tem um quê de road movie, com Custer e seus amigos cruzando o coração dos Estados Unidos, o coração negro dos Estados Unidos, diga-se de passagem. Outros personagens de um elenco numeroso vão aparecendo: Santos dos Assassinos, Cara de Cu, Herr Starr e a organização Graal etc. Ennis muitas vezes escreve seus roteiros com a bunda, mas em Preacher ele estava inspirado e criou uma sequência de histórias comparável à sua fase em Hellblazer ou a seu Justiceiro. Obviamente que os temas da HQs são muito controversos, e não apenas no tocante à religião cristã, da qual Ennis aparenta ter certa raiva; ainda que use de muito humor negro, ele não perde uma chance de ofender ou chocar pelo aspecto religioso. Não obstante, não faltam no quadrinho violência, gore, sexo e escatologia. Não recomendo Preacher para todo mundo. Definitivamente, não recomendo para quem é muito sensível. E também não indico para pessoas muito religiosas; quer dizer, até indico para quem, apesar de ser religioso, consiga abstrair e curtir a história. No entanto, quem tiver dificuldade de fazer isso, talvez seja melhor não ler a HQ. É importante, porém, dizer que Preacher não é uma história que deva ser levada a sério. Pense que é só uma maluquice de Garth Ennis antes de embarcar.




6) Terror Sagrado e The Infidel, featuring Pigman Essas duas HQs estão na mesma posição porque tratam do mesmo tema, da “guerra ao terror” que os EUA fizeram contra os terroristas islâmicos lá pelos anos 2000. A diferença é que Terror Sagrado (Holy Terror, no original; uma óbvia referência à expressão “holy qualquer coisa, que o Robin de Burt Ward da série de TV do Batman de Adam West, nos anos 60, falava, mas que se perdeu na tradução) tem roteiro e arte de Frank Miller, que dispensa apresentações. A HQ foi a forma de Miller lidar com a enorme raiva que o acometeu depois do 11 de Setembro. Foi um trauma não apenas para Miller, mas também para todos os americanos; porém, ele ficou realmente enlouquecido, furioso. Tanto que, apesar de Miller desde sempre ter tido um pezinho na direita americana, depois do 11 de Setembro ele se tornou full right wing. Miller apresentou uma ideia de uma HQ do Batman contra o Al-Quaeda para a DC. Entretanto, após a editora ver em que rumo estava indo a história de Miller, o desautorizou de usar o Cavaleiro das Trevas. Miller então criou um genérico para o Batman, The Fixer, para ser o protagonista da trama.







No enredo, em Empire City, The Fixer está no encalço de Natalie Stack, uma genérica da Mulher-Gato, justamente quando ocorre um ataque de terroristas muçulmanos no coração da cidade, ocasionando milhares de mortos. Após tal tragédia, The Fixer revela-se ser não um vigilante combatente do crime, mas sim um agente antiterrorista, que agora realizará sua missão de vingança e matar o máximo possível de terroristas islâmicos, porque terrorista bom é terrorista morto. Engraçado é que os radicais islâmicos ignoraram completamente Miller depois que ele fez a HQ, como se não levassem mesmo quadrinhos a sério. Eles ameaçaram Salman Rushdie de morte e massacraram a redação do Charlie Hebdo, mas cagaram e andaram para o Miller.







The Infidel, featuring Pigman é uma HQ escrita e desenhada por Bosch Fawstin. O protagonista é The Pigman, um combatente antiterrorista que veste uma máscara de porco (animal muito ofensivo para muçulmanos) e despacha os terroristas islâmicos todos para o colo de Alá. Apesar de ambas as HQs serem bastante violentas, não é a violência que gera controvérsia em Terror Sagrado e The Infidel, mas sim a questão política e religiosa. Evidentemente que não recomendo essas HQs para quem for muçulmano, até mesmo muçulmano moderado.








5) Fritz the Cat O grande clássico de Robert Crumb garante lugar na lista. Personagem de um dos maiores quadrinhos undergrounds de todos os tempos, Fritz é um gato dotado de habilidades artísticas que vai se tornando um superstar e vai desenvolvendo uma personalidade cada vez mais niilista, hedonista e cínica. Fritz the Cat é uma grande crítica de Crumb à contracultura e levou pancada tanto da direita quanto da esquerda. Após uma adaptação animada, Crumb decidiu matar seu personagem, porque não queria ter sua integridade artística comprometida. Dessa forma, Crumb faz Fritz ser assassinado por uma mulher-avestruz, após ela ser esnobada por ele.






4) Crossed E ele está novamente na lista, o enfant terrible dos quadrinhos, Garth Ennis. Crossed é uma HQ escrita por Ennis e desenhada por Jacen Burrows e publicada a partir de 2008. Trata-se de uma paródia ao gênero de zumbis; no entanto, os infectados, em vez de se tornarem zumbis, transformam-se em maníacos que fazem todo tipo de atrocidade: assassinato, estupro, mutilação, canibalismo etc. Como não podia deixar de ser, Ennis aproveita para ofender a religião ao fazer nascer nos rostos dos maníacos cruzes.






3) Black Kiss O grande clássico underground de Howard Chaykin, Black Kiss é uma obra ímpar, que caiu como um petardo na indústria dos comics nos fins dos anos 80. Está certo que o lado transgressor de Chaykin já podia ser visto em HQs como American Flag, mas em Black Kiss o buraco é mais embaixo (hum, talvez “buraco” não seja a melhor das expressões). Publicada entre 1988 e 1989, Black Kiss é honesta em se assumir como uma HQ pornográfica, não erótica, mas pornográfica mesmo. No entanto, não é “só uma HQ pornográfica”, mas também tem elementos de thriller noir e terror. O protagonista é Cass Pollack, um músico de jazz que está sendo perseguido pela Máfia e que teve sua família assassinada por esta; dirigindo pela estrada, ele encontra a loiraça belzebu Bervely Groove. Ao dar carona para ela, não percebe a encrenca em que se meteu, até mesmo porque Bervely lhe dá uma bela de uma deep throat. Pollock conhece depois Dagmar Laine, a companheira de Bervely, que é outra loiraça belzebu. Para variar, Pollock vai passar poucas e boas com essas duas, porque elas não são o que parecem ser e o perigo é muito alto. É uma cilada, Bino! Dizer mais é spoiler, mas Black Kiss é uma HQ única, que transcende o trash e o cult e entalha o nome do Howard Chaykin nos grandes artistas de quadrinhos contemporâneos. Bat-joinha para ele, que é merecido. Obviamente, Black Kiss também é outro quadrinho que não é para todo mundo, e muita gente não vai gostar. Muitos anos depois, Chaykin publicou Black Kiss 2, que não teve o mesmo impacto (nem o mesmo choque) que seu predecessor.








2) Ranxerox O personagem criado por Stefano Tamburini e Tanino Liberatore em 1978, na explosão da cultura punk, é bastante controverso. Vamos mostrar o elefante na sala; não é a hiperviolência, nem o niilismo, nem o sexo que tornam Ranxerox polêmico, mas o relacionamento do personagem com Lubna, uma menina de fucking 12 anos, viciada e promíscua. E as amiguinhas da Lubna também são viciadas e promíscuas. Ranxerox é uma HQ que só poderia ter surgido na Itália do conturbado final dos anos 70 e provavelmente nunca seria feita hoje, mas enfim.












1) Rapeman – É, agora é a bagaceira. Em primeiro lugar na lista, algo que só poderia ter sido feito no Japão. O mangá Rapeman, escrito e desenhado por Shintaro Miyawaki e publicado a partir de 1985, narra as histórias que envolvem Keisuke Iwasak, um professor de educação física que também age como o Rapeman, um “estuprador profissional em nome da justiça”. Geralmente, nas histórias, um cliente que tinha algum problema com alguma mulher contratava o Rapeman para ter uma “solução”. Rapeman é um mangá que provavelmente também não seria feito hoje, apesar de a cultura japonesa ser bem diferente da ocidental. Não imagino isso sendo publicado no Ocidente; seria suicídio editorial, um editor seria louco para fazer uma coisa dessas. O cara que fizesse um quadrinho desses no Ocidente na melhor das hipóteses seria processado e talvez até mesmo preso; na pior, seria ameaçado de morte. Um esquadrão de feministas iria na frente da casa dele queimar sutiãs. A despeito disso, vamos combinar que há muito mais estupros no Brasil do que no Japão. Apesar das bizarrices, é um país relativamente pacífico, sem muito crimes. O artista de mangá também é diferente do ocidental; ao contrario deste, que costuma participar de comic cons, o mangaká muitas vezes é recluso, com muito pouco contato com os fãs, inclusive os superstars. Isso permite certo anonimato para que se criem mangás como Rapeman. Também é importante esclarecer que quem consome esse tipo de mangá é um nicho; pode até ser bastante gente, mas é uma minoria na imensidão de leitores de mangás. Não obstante, Rapeman ainda gerou derivados, como anime em OVAs e filmes live action.

Pronto, agora acabou. Espero que tenham gostado da seleção de quadrinhos controversos. Acho que todos eles representam um pouco do lado negro do mundo nerd. Também tenho consciência de que não são quadrinhos que agradarão a todo mundo, apesar de alguns serem até mainstream, como Kick-Ass e Preacher, e outros serem pequenas obras-primas, a exemplo de Black Kiss e Brat Pack, duas HQs que aprecio bastante. Mas sempre há a opção de ler o gibi do Superman, o qual também sou grande fã, quando a história é boa. Cada um com seu gibizinho.



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