Pois é, está todo mundo falando de WandaVision. No entanto, como sou pobre e não quis acumular a assinatura de Netflix e Amazon Prime Video com a Disney Plus, e também tenho preguiça de baixar a série, o que assisti esses dias foi outra, que também foi bem comentada e caiu nas graças do público, Lupin, com Omar Sy, disponível na Netflix.
Para
quem não sabe, Lupin é um personagem tradicional da literatura francesa do início
do século XX; de autoria de Maurice Leblanc, teve sua primeira história publicada
em 1905. O personagem basicamente é um Sherlock Holmes do crime; um ladrão
refinado e cheio de recursos que engendra elaborados roubos. A comparação com
Sherlock Holmes é tão acertada que, em 1908, Leblanc escreveu a novela Arsène
Lupin contra Herlock Sholmes, em que o Ladrão de Casaca era perseguido pelo
Grande Detetive. Entretanto, houve uma safadeza por parte de Leblanc e dos
editores, pois, para não pagar direitos autorais pelo uso de Sherlock Holmes no
livro, alteraram levemente o nome do detetive. Esse foi o primeiro crossover
da história.
Vale
lembrar também do mangá/anime Lupin III, que trata das aventuras do neto de Arsène
Lupin e é muito popular no Japão e também no Ocidente.
Bom,
eu pessoalmente nunca li muitas histórias do Lupin. Tenho um livro de contos com
ele que comprei no sebo anos atrás e também adquiri Arsène Lupin contra
Herlock Sholmes, publicado pela Jorge Zahar. No Brasil, que é um país em
que as pessoas não leem muito, ele é um personagem meio desconhecido.
Então,
nesses dias, quando estava zapeando na Netflix, a fim de encontrar alguma coisa
que prestasse para assistir, vejo o anúncio da série Lupin, com Omar Sy
no papel do famoso larápio. Aí eu pensei: “eita, ação afirmativa étnica com o Lupin,
mas pode ser que preste”. E não é que a série foi uma grata surpresa? Aliás,
digo até que a série pode ser a nova Sherlock. Muita pretensão minha? Nem
tanto. As duas séries têm alguns elementos em comum, como o fato de adaptarem
dois personagens clássicos da literatura para uma concepção mais contemporânea,
mudando a ambientação temporal para os dias de hoje. E os temas são afins
também: crimes e investigação. Óbvio que os protagonistas são bem diferentes.
Há também outra distinção entre as duas séries. Se em Sherlock não há como refutar que se trata de uma livre adaptação baseada no personagem de Conan Doyle, em Lupin é deixado bem claro que o Lupin dos livros ainda existe e que o da série é outro Lupin, que se inspira no da ficção. Existe uma intertextualidade, o que é um recurso inteligente se alguém reclamar da falta de fidelidade da série com relação aos livros. E se alguém não gostar de Sherlock ou Lupin, ok, os personagens estão nos livros, imutáveis.
Bom, o enredo da série é relativamente simples, mas só assistindo para compreender tudo, pois há muitos flashbacks. Começa apresentando Assane Diop, interpretado por Omar Sy, que pretende organizar um esquema para roubar o colar de Maria Antonieta. Posteriormente, somos apresentados às motivações do personagem, que é vingar seu pai, injustamente acusado de ter roubado esse mesmo colar anos atrás. Por conta disso, o pai de Diop suicida-se na cadeia, não sem antes presentear seu filho com um exemplar de O ladrão de casaca, proveniente da biblioteca de seu patrão, Hubert Pellegrini, cujo papel fica por conta de Hervé Pierre.
Ainda há
o núcleo familiar de Diop, composto por sua ex-namorada Clair, interpretada por
Ludivine Sagnier, e seu filho Raoul. Diop ainda tem um sidekick.
Benjamin Ferel, que o ajuda com apoio tático nos esquemas.
Os antagonistas também têm seu núcleo, Pellegrini tem sua esposa, Nicole, e sua filha Juliette, vivida por Clotilde Hesme. Inclusive, Diop e Juliette tiveram um affair no passado.
E ainda
há o núcleo policial da série, em que se destaca o detetive Youssef, interpretado
por Soufiane Guerrab, o único que descobre a inspiração literária nos crimes de
Diop.
Como um
ladrão e transgressor, os atos de Diop são questionáveis, mas suas razões, não.
Qualquer um que tivesse seus meios e suas motivações, provavelmente faria a
mesma coisa. E o carisma de Omar Sy faz com que se goste dele independentemente
da natureza de suas ações. Evidente que há diferenças do Lupin da literatura,
que era ladrão porque gostava de ser ladrão, ao contrário de Diop, que comete
crimes para vingar seu pai e corrigir uma injustiça. E são vários crimes: roubo
do colar da Maria Antonieta, fraudar identidade para entrar em uma prisão, sequestrar
o comissário de polícia, invadir a sede de um jornal etc. Mas tudo
justificável. Ainda há o drama, pois Diop tem sua família e pode sacrificá-la
na vingança contra Pellegrini.
É claro
que, se um personagem, ainda que seja um ladrão, é carismático, a gente pode
gostar dele. Mas em tempos de politicamente correto há certa obsessão pelo bom-mocismo,
o que torna paradoxal um ladrão cair na simpatia do público. Se já é complicado
adaptar um personagem gatuno como Lupin, imagine adaptar um como o personagem
de fumetti Diabolik, que, além de ladrão, é assassino. A Mulher-Gato nos
quadrinhos teve uma fase de “heroína”, pois os americanos têm certo problema em
ter uma protagonista ladra em um título próprio.
E quanto
a aspectos raciais? Existem em Lupin? Claro que sim, né? A Netflix não
tem o apelido de “Lacraflix” à toa. Inclusive, Diop várias vezes se aproveita
do racismo e do preconceito dos franceses para se dar bem e sair por cima. Não
sei se os franceses são o povo mais racista da Europa, mais do que ingleses,
italianos ou alemães (que inclusive cometeram eugenia na Segunda Guerra, no
regime nazista), mas tenho essa impressão. A França, apesar de se orgulhar do
multiculturalismo, tem um grande histórico de racismo, sobretudo contra negros
e árabes imigrantes. Evidente que não dá para generalizar e dizer que todo
francês branco é racista ou que o racismo lá é sistêmico. No Brasil, também há
muito racismo, bem como em vários países.
Em suma, vale
realmente a pena assistir a Lupin, até mesmo porque essa primeira
temporada é curta, apenas cinco episódios, e quando termina dá um gosto de “quero
mais”. É Lupin, mas sem a cartola e a casaca, apesar de que, sim, estas aparecem
na série, mas como decoração ambiente. Quem ficar ligado, vai perceber.
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