Dieta Flexitariana. Que Viadagem é (mais) Essa?

Quando volto das minhas cada vez mais esporádicas e desanimadas caminhadas matutinas, passo pelos fundos de uma igreja evangélica, um grande pátio que serve de estacionamento para os veículos dos fiéis. Aliás, igreja, não. Uma puta duma igreja! Que ocupa um quarteirão quadrado inteiro. 100 m x 100m. 10.000 metros quadrados. Um hectare de louvor e devoção ao Senhor!

Pelo que é possível ver de fora - e que acredito ser apenas a ponta do Monte Sinai -, na sua parte da frente, a igreja é composta pela igreja em si - um grande salão em que são promovidos os cultos, com potentes e modernas aparelhagens de som no púlpito (que é pra Deus não ter a desculpa de dizer que não ouviu; Deus não é surdo, ele só está é cagando pra vocês) e um datashow ao teto -, e por um salão de festas contíguo, provavelmente destinado às festas de casamentos, aniversários, batizados etc, além de um grande e bem cuidado jardim; na sua parte de trás, aos fundos, o imenso e já citado pátio quadrangular a servir de estacionamento e cujo perímetro é todo guarnecido por uma variedade de lojinhas e biroscas. Lojas de "lembrancinhas", de artesanato, de artigos religiosos, uma sorveteria, uma lanchonete, uma boutique, um salão de cabelereiro e até um restaurante de comida caseira.

Um bem-sucedido complexo empresarial da fé, a tal igreja. Nada, é claro, se comparado ao que vi em Aparecida do Norte, por exemplo (ninguém sabe melhor capitalizar a fé que a Igreja Católica), mas, de qualquer forma, uma próspera franquia de Cristo.

Bem à entrada do estacionamento, pendurado em um de seus portões, um cartaz de propaganda (o que a viadada, hoje em dia, chama de banner) do restaurante, cartaz que é o motivo desta postagem e que anunciava orgulhosamente : temos culinária flexitariana.

Pãããããããta que o pariu!!!! Antes mesmo de me pôr a conjeturar sobre o significado daquilo, ato reflexo, pensei : vem aí mais uma picaretagem politicamente correta, ou seja, vem aí mais uma viadagem.

Então, durante o resto do caminho até minha casa, uma meia dúzia de quarteirões, fui dando tratos à bola sobre o que poderia ser a tal culinária flexitariana. O termo "flexi" só poderia vir da palavra flexível, cuja gama de usos é bem vasta, que se aplica a várias áreas e segmentos das atividades humanas, que é, digamos assim... bem flexível. No ramo automobilístico, o veículo flex é aquele que roda com gasolina, álcool, gás etc; no métier (e chupiér) LGBT, flex é o cara que dá e come, aquele que, antigamente, era conhecido como giletão. O "tariana" me pareceu vir de dieta vegetariana.

A seguir o mesmo raciocínio semântico-etimológico, um flexitariano seria o quê? Um vegetariano que, de vez em quando, surta e solta a franga e come um franguinho, ataca uma coxa e uma asinha? Um vegetariano pero no mucho? Não lá muito católico? Um vegetariano não praticante? Seria, o flexitariano, o cara que diz gostar só de cenoura, que garante escorregar só no quiabo, mas que, vez ou outra, às escondidas, também dá a ré num quibe?

Uma vez em casa, fui reverenciar e orar ao oráculo Google, que não me deixou sem respostas, que me revelou o acertado de minhas ponderações.

A dieta flexitariana, criada pela nutricionista e loira gostosa Dawn J. Blatner, não prega ou muito menos impõe a brusca, súbita e radical privação de carnes nas refeições. Propõe a redução gradativa, e ao gosto e ao ritmo do freguês, do consumo de proteína de origem animal em detrimento da de origem vegetal, e também a maior inclusão de fibras,vitaminas e minerais, também conhecidos por frutas, verduras, legumes e grãos.

A redução da proteína animal, inclusive, nem precisa chegar a zero; o seu consumo ocasional, em pequenas quantidades, no máximo em duas refeições semanais, é permitido. A dieta flexitariana até pode ser um caminho inicial para se chegar ao vegetarianismo, mas não tem nisso o seu objetivo. Carne, coma com moderação, talvez pudesse ser um bom lema de campanha para o flexitarianismo

Pelo que entendi, é um vegetarianismo mais relax. Mais à brasileira,  inclusive. Um vegetarianismo sem neuras, culpas ou encanações. Um zen-vegetarianismo. Tanto que a dieta flexitariana também é conhecida por semivegetarianismo. 

Ah, o prefixo semi-... sempre distorcido e corrompido de seu sentido original e usado para encobrir patifarias e trambicagens. Sempre desvirtuado de seu significado original e exato, o de metade, como em semicírculo, e tomado com o sentido vago, indefinido e mal-intencionado de "quase", "um tanto". Se prestando a adulterar, a maquiar e a nublar a real condição do termo que precede. Prestando-se ao papel de um rábula de defesa que desvia a atenção e o foco dos jurados apenas para as supostas boas qualidades de seu cliente como forma de eximi-lo da más.

Semijoia, por exemplo. Se é semijoia, também não é uma semibijuteria de latão? Carros seminovos não são também carros semivelhos? O semi- é posto a prefixar apenas a virtude. E pudera. Quem compraria uma semibijuteira? Ou quem se disporia a dispensar uns tantos mil reais por um carro semivelho?

Quem se assumiria um semicarnívoro? Já dizer-se um semivegetariano é até chique e benquisto em meios mais refinados, posudos e inteligentinhos, parece ser uma pessoa que está num processo de aprendizagem, de elevação espiritual, até. Para mim, o semivegetariano é o carnívoro enrustido. É o carnívoro que ainda não saiu do armário.

Se alguém vier tentar lhe vender um semiproduto qualquer, fuja. Ou até compre, mas fazendo a seguinte contraproposta : eu compro o seu semitreco se eu puder lhe semipagar.

Em defesa de sua indefinida dieta, Dawn Blatner diz que uma de suas grandes vantagens é que o seu adepto, em confraternizações, festas e churrascos com amigos, não precisa se tolher de comer o que todos comem, nem se sentir constrangido por isso, ele pode beliscar uma carninha. Ou seja, o flexitariano é o carnívoro de fim de semana. É o vegetariano que só come carne "socialmente". Feito o bêbado não assumido. O senhor bebe? Só socialmente, responde o pé de cana. Mas você não é vegetariano? Só como carne socialmente, responde o sujeito.

No fim das contas, a "inovadora" dieta flexitariana nada mais é que  o bom e velho onivorismo. O comer de tudo um pouco e nas devidas porções e proporções. Condição biológica, diga-se de passagem, à qual a Natureza nos programou. Temos aparatos mecânicos e bioquímicos para processar tanto matéria animal quanto vegetal; logo, nosso organismo necessita de componentes presentes nas duas.

Nova dieta é o caralho, nova proposta alimentar é o cacete! É como me ocorreu logo de cara : mais uma patifaria, mais uma enganação, mais uma conversa para boi (e saladinha de alface e quinoa) dormir, mais um pretexto para se vender livros e dvds; e como vendem essas desgraças!

Enfim, sobre dietas, dois sábios ditados (criados por mim mesmo) resumem a questão : "Dieta é coisa de quem pode se dar ao luxo de passar fome" e "Fazer dieta é reclamar de barriga cheia".

 

Dawn J. Blatner. Dando uma chupadinha num suquinho detox.



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               http://amarretadoazarao.blogspot.com/     

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