Publicado originalmente
aos 15/11/2016
Título original: Fables: 1001 Nights of Snowfall
Editora Original: Vertigo/DC Comics
Roteiro: Bill Willingham
Arte: Esao Andrews, Brian Bolland, John Bolton, Mark Buckingham, James Jean, Michael Wm. Kaluta, Derek Kirk Kim, Tara McPherson, Jill Thompson, Charles Vess e Mark Wheatley
Tradução: Rodrigo Barros
São Paulo: Panini Brasil Ltda
2013
148 pags.
Sinopse:
Fábulas — As 1001 Noites De Neve se passa nos primeiros dias da Cidade das Fábulas, muitos anos antes do começo da série. Indo para a Arábia como embaixadora da comunidade de fábulas isoladas, Branca de Neve é capturada pelo sultão local, que pretende se casar com ela (e então matá-lo). Mas, a inteligente Branca evoca o espírito de Sherazade e narra fantásticas histórias por 1001 noites na tentativa de salvar o próprio pescoço.
“Insensatos! Não vedes que sob a casca ressequida se renova incessantemente a árvore viva? A verdade não tem passado nem futuro, ela é eterna. O que acaba não é ela, são nossos sonhos.”
Eliphas Levi Zahed
Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores!
Este foi o primeiro dos artigos escritos para o blog O Santuário por mim, um trabalho que acompanho já há algum bom tempo. O mesmo irá tratar de Fábulas – As 1001 Noites de Neve, de Bill Willingham, ilustrada por nomes consagrados como Esao Andrews, Brian Bolland, John Bolton, Mark Buckingham, James Jean, Michael Wm. Kaluta, Derek Kirk Kim, Tara McPherson, Jill Thompson, Charles Vess e Mark Wheatley. Lançada no Brasil pela Panini em outubro do ano de 2013 do calendário oficial humano moldado por antigos romanos, foi o meu primeiro contato com Fábulas, série da qual já havia lido muito em fóruns e blogs.
Confesso que ao ouvir falar da mesma, anos atrás, não me empolguei com nada do que as concepções criativas tratadas pela série procuravam desenvolver. Deduzi, erroneamente, que conduzir uma narrativa tomando como personagens principais os seres de todas as Fábulas conhecidas por nós em nossas infâncias era uma tentativa do autor da mesma em tornar “pop” personalidades clássicas da Literatura Fantástica Mundial. Não toquei em nenhum exemplar dela e, sequer, conferi os scans disponíveis na rede na mesma; naquela época, estava ainda na imaturidade em questões quadrinhísticas e colecionava revistas que, hoje, eu sequer poria em minhas mãos para folhear. Hoje, com meus gostos amadurecidos em relação à Nona Arte, vejo o quanto errei em meu julgamento quanto a Fábulas...
“O mundo em que vivemos possui uma face oculta, e a idéia que dele faz o homem comum da rua é de todo imperfeita em três linhas inteiramente distintas. Primeiro, tem o mundo uma extensão em seu próprio nível, que o homem é incapaz de apreender; segundo, tem um lado superior, que é demasiado sutil para as percepções não-desenvolvidas do homem; terceiro, tem um sentido e um finalidade de que o homem não possui o mais pálido vislumbre. Dizer que nós não vemos ao todo de nosso mundo é enunciar debilmente a questão: o que vemos é uma parte absolutamente insignificante do mundo, por mais bela que essa parte possa ser. E, assim como a extensão adicional é infinita, comparada à nossa idéia de espaço, não podendo ser expressa em termos correspondentes, assim o escopo e o esplendor do todo são infinitamente maiores do que qualquer concepção que dele se possa aqui fazer, tornando-se impossível expressá-las em termos daquela parte do mundo que conhecemos.”
Charles Webster Leadbeater
Fábulas pertence às três linhas, intrinsecamente, linhas especialmente tocáveis apenas pelos sonhos mais ingênuos e mais proibidos, dentro do Real e do Irreal que há no Mundo da Imaginação. As 1001 Noites de Neve é uma narrativa de sonho, daqueles mais inesquecíveis e retumbantes sonhos proporcionados pela Arte em si mesma, se passando muito antes da primeira aventura narrada na série normal e contida na primeira edição desta. Nela, Branca de Neve, em missão diplomática como embaixadora da Cidade das Fábulas, viaja para um dos mundos das Fábulas Árabes em busca de uma aliança contra O Adversário, o grande inimigo conquistador das Terras Natais das Fábulas Européias. No entanto, ela é feita prisioneira no palácio do Rei Sharyar, governante daquele mundo; dito rei é um homem amargurado, cruel e impiedoso, que, traído por sua esposa com um escravo, tendo da mesma se vingado matando-a e ao amante, volta-se contra todas as demais mulheres. A cada dia ele contrai matrimônio com uma virgem e a manda executar na manhã seguinte após a noite de núpcias, ritual que ele crê firmemente ser uma vingança contra todas as mulheres, as quais despreza com o mais profundo d’alma. Branca de Neve seria a próxima, mas, astuciosa e inteligente demais para deixar-se desesperar diante de sua situação, ela evoca sua magia pessoal e durante 1001 noites conta as mais fabulosas histórias para o conturbado e perturbado rei, que se revela um ouvinte atento e curioso de cada uma, amante ardoroso de todo e qualquer tipo de história. Escapa assim de ser executada, sendo solta, e, ao final da obra, encontra-se com uma muito conhecida figura da Literatura, cujo nome não vou aqui entregar, para não ocasionar um spoiler incidental, dando-lhe um útil e simples conselho para escapar da morte nas mãos de Sharyar, já que se casaria com ele no último dia da estadia forçada daquela no palácio.
O que se segue em meio a toda essa trama, nas dez narrativas intercaladas pelos diálogos entre os dois protagonistas principais, pertence ao gênero das pequenas jóias encontráveis nos sonhos desejáveis e indesejáveis. O Sombrio permeia cada narração de um modo vasto, mesmo que, em determinados momentos, possa haver um resquício da alegria que havia nas Terras Natais antes das invasões e conquistas efetuadas pelos exércitos do Adversário. O transe proporcionado pela leitura concentrada, captando cada detalhe, cada entrelinha e cada simbolismo presente em mágicos contos conduzidos pelos sábios lábios de Branca faz parte de um tipo de leitura que a todos recomendo: a leitura acompanhada pelas artimanhas dos sonhos, deixando-se levar pela cadente areia lançada por Morpheus na consciência…
“As artimanhas da noite foram penetrando as artimanhas do dia. A invasão durou séculos; o doentio reinado da Divina Comédia não é um pesadelo, com exceção talvez do canto quarto, de reprimido mal-estar; é um lugar onde ocorrem fatos atrozes. A lição da noite não tem sido fácil. Os sonhos da Escritura não tem estilo de sonho: são profecias que manejam, de maneira demasiadamente coerente, um mecanismo de metáforas. Os sonhos de Quevedo parecem a obra de um homem que não tivesse sonhado jamais, como essa gente ciméria mencionada por Plínio. Depois virão os outros. O influxo da noite e do dia será recíproco; Beckgord e De Quincey, Henry James e Poe tem sua raiz no pesadelo e costumam perturbar nossas noites. Não é improvável que mitologias e religiões tenham uma origem semelhante.”
Jorge Luis Borges
Branca de Neve, Sharyar, Príncipe Encantado, Sete Anões, Lobo Mau, Reynard, Príncipe Ambrose, Pé Trovejante, Rosa Vermelha, A Bruxa, Mersey Dotes, Rei Cole, O Adversário, Os Duendes do Adversário: presentes em 1001 Noites, são mitos nascidos dos sonhos e dos sonhos deturpados como “pesadelos” nas mentes de seus autores originais, tão distantes uns dos outros ou próximos, no Espaço/Tempo que desfila entre nós a todo momento e no qual somos peças fundamentais... Mitos movimentados pelo autor da contemporânea Fábulas como continuidades do Sonhar de cada autor criador daqueles personagens; Willingham, Sonhador, realiza em sua mitologia um tipo de evocação ritualística de cada um dos Sonhadores dos quais buscou os seres que são a alma de sua obra. As 1001 Noites de uma Sonhadora são todos os dias e noites do próprio Reino das Fábulas, estas que desde crianças evocamos como uma realidade inerente à nossa quando entramos em contato com elas. Apesar de estarem em um mundo à parte, são, como as Escrituras da denominada “Bíblia Sagrada”, metáforas. Metáforas que simbolizam os mecanismos vários de nosso inconsciente, do mais profundo de nossas almas e mentes. Metáforas da Eternidade, pois Fábulas, como afirmo após meu primeiro contato com a mesma, é uma das Faces do Eterno Ato de Sonhar.
Nunca parar de sonhar, como sugere com imemorial sabedoria Eliphas Levi Zahed. Conceber realidades desconhecidas em nosso visível mundo, como as palavras de Charles Webster Leadbeater conduz-nos a fazer com a aceitação do que não podemos diretamente perceber por estarmos, na maioria das vezes, cegos e surdos para determinadas vozes no ar. Ver na Arte, Sentir na Arte ou na Religião ou na Mitologia o Poder do Sonhar: Jorge Luis Borges está a nos indicar. Continuar crendo no poder das histórias, no poder de contar histórias criando novos mundos dentro do Sonhar: a meta, talvez inconsciente, de Bill Willingham, a nós, leitores, direcionada. Sim, leitores virtuais, o Legado de Sandman, sonhado por Neil Gaiman, de uma maneira ou de outra, expressa-se na leitura que faço desta Fábula dentro de Fábulas. Sonhei acordado com um enorme lobo parado em frente ao portão de minha morada dias após ler As 1001 Noites de Neve; foi uma visão pontuada por um leve ritmo de sonho, um momento de contato com outra Realidade. Olhando para mim, pondo a enorme cabeça bem acima do muro e aproximando-se do meu quintal, aquele Lobo Fabuloso era do Dia e era da Noite, era do Bem e era do Mal, era Real e era Sonho. Compartilho convosco esta intrigante experiência ainda pulsante porque a mesma significa isto que agora quero aqui afirmar como o propósito de ser de tal compartilhamento: quando uma obra em quadrinhos atinge os Campos além do Mundo da Imaginação, a mesma é muito mais do que uma seqüência de ilustrações, balões de diálogos e um roteiro fantástico, é parte de Algo muito além do Real e do Sonhar. Leiam, quando tiverem a oportunidade, esta obra como sonhadores e, não, buscadores de um simples momento de descontração. Um Lobo pode vos visitar. Ou uma Sereia vos encantar.
Este que vos fala é um Inominável Sonhador que nunca vai parar de sonhar e que gosta de ouvir e contar histórias.
Sonhem e a Magia da Nona Arte vai vos abençoar com incríveis histórias sem parar…
Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores!
BIBLIOGRAFIA
Borges, Jorge Luis. Livro dos Sonhos. Círculo do Livro S/A, São Paulo, 1ª Edição, s/d.
Leadbeater, Charles Webster. O Lado Oculto das Coisas. Editora Pensamento S. A., São Paulo, 1ª Edição, 1978.
Zahed, Eliphas Levi. História da Magia. Editora Pensamento S. A., São Paulo, 1ª Edição, 1974.
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