Texto publicado originalmente em 2013, no A Marreta do Azarão.
Sete de Setembro, data oficial da Proclamação da Independência do Brasil, dia em que, em 1822, as amarras verdes e vermelhas lusitanas foram desatadas de nossas mãos, quando fomos dados à luz do mundo livre pelas mãos de D. Pedro I, que, com sua espada-bisturi, seccionou o cordão umbilical que nos ligava ao ventre de Dona Maria, a Louca.
Aí, ontem, sei lá porquê, através de uma destas involuntárias e quase surreais associações de ideias, lembrei-me do Hino da Independência, que cantávamos, à entrada das aulas, durante toda a Semana da Pátria, período em que também usávamos uma fita verde-amarela presa ao uniforme da escola por um alfinete, que teimava em nos espetar o peito imberbe.
Para ser sincero, lembrei-me mais da versão do Hino da Independência que cantávamos, da famosa paródia que nos acompanhou ao longo de nossa infância.
Lembrei-me que o original Já podeis, da Pátria, filhos, tranformava-se em Japonês tem cinco filhos. Seguia-se, então, na sequência da letra da paródia, um rosário de infortúnios que se abatia sobre cada um dos filhos do japonês, cada filho era agraciado com uma desgraça.
Empaquei no japonês tem cinco filhos, o resto da letra não me vinha à cansada memória, só sabia, de uma forma quase que inconsciente, mesmo atávica, que o quinto filho fora o mais atingido pela maldição familiar, a ele coubera a pior herança deste DNA de desditas.
Recorri, então, à internet, a este inconsciente coletivo de nossa cibernética matrix, a este oráculo de Delfos de uma época de templos em ruínas, a esta pitonisa binária nossa de cada dia. Logrei-me.
No mecanismo de pesquisa, escrevi lá : paródia do Hino da Independência. Surgiram várias páginas com o conteúdo pesquisado, mas, em todas elas, o japonês havia sido menos prolífico do que na versão que cantávamos em minha escola. Em todas as que vi, o japonês tivera apenas quatro filhos. Justamente o quinto rebento, o mais desafortunado, de alguma forma, e por alguma razão, foi suprimido da Matrix.
Encontrei várias versões do Hino com quatro filhos, a mais recorrente :
Japonês tem quatro filhos
Todos quatro aleijados
Um é surdo, o outro é mudo
E os outros dois são barrigudos
Um é surdo, o outro é mudo
Um é surdo, o outro é mudo
E os outros dois são barrigudos.
Todos quatro aleijados
Um é surdo, o outro é mudo
E os outros dois são barrigudos
Um é surdo, o outro é mudo
Um é surdo, o outro é mudo
E os outros dois são barrigudos.
Totalmente
sem graça, totalmente sem sentido, nem triscou a minha memória afetiva.
Mesmo a paródia, mesmo a ficção, tem que ter algum nexo; aliás, a
ficção precisa ter alguma coerência, a realidade, não.
Fui
procurando em cada página fornecida pelo Google, e nada, mais uma
página, e nada. Fui me indignando, a nova caverna mundial parece ter
achado por bem deletar essa minha doce lembrança.
Onde teria ido parar o quinto filho do japonês?
Nada
como uma boa indignação, uma justa revolta, uma picada de adrenalina no
córtex para reacender nossas memórias. Bem dizia Adoniran : e eu que já fui uma brasa, se assoprar, eu posso acender de novo.
Fui
recordando dos cinco filhos do japonês; um a um, os seus destinos
trágicos. E o melhor : sem precisar de informações da internet. Minha
memória ainda me é de mais valia que todos os bancos de dados do mundo,
ainda sou um homem, e não um deus ex machina.
A letra, fênix de minhas circunvoluções, ressurgiu :
Japonês tem cinco filhos
Todos eles com um defeito
O primeiro é maconheiro
O segundo é vagabundo
O terceiro é punheteiro
O quarto morreu no parto
E o quinto...
Nasceu sem pinto!!!!
Isso é que é paródia! De onde tiraram aquilo dos barrigudos?
O
Hino da Independência tocava nos alto-falantes do pátio e nós, em fila
indiana, como uma segunda voz ao hino verdadeiro, cantávamos a versão do
quinto que nascera sem pinto, e morríamos de rir.
Desrespeito? Não. No Brasil, não. Num país em que a Independência foi feita pelo próprio conquistador, o que pode ser sério?
Pelo
próprio conquistador, D. Pedro I, quando voltava de uma viagem a
Santos, onde fora ter e meter com a Marquesa de Santos, sua amante, uma
vez que casado com Maria Leopoldina da Áustria.
D.
Pedro I subia a Serra do Mar a bordo de um jegue (nada de um valoroso
corcel, praticamente um bucéfalo, como o retratado na pintura do genial
Pedro Américo) e parou para dar uma cagada atrás de uma moita.
O
imperador ainda estava a se arranjar com o seu desarranjo e teria lhe
surgido um mensageiro da Coroa, ordens de seu pai, ordenando que o
príncipe regente retornasse à Portugal e se submetesse ao rei e às
Cortes.
Revoltado, literalmente enfezado, o playboyzinho português teria saído de trás da moita, com as calças ainda desabotoadas e o cu mal limpo, e gritado : Independência ou Morte!
Desrespeito,
em uma data cívica de tamanha relevância, cantar japonês tem 5 filhos?
Desrespeito nenhum. Não em um país que já nasceu como uma paródia de
nação.
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