Batman Eternamente foi lançado em 1995,sendo um sucesso de público com ótimos números de bilheteria e tendo recebido três indicações ao Oscar, no entanto com o passar do tempo o público mostrou não ser capaz de separar o filme de seu sucessor "Batman & Robin" e a percepção de que Batman Eternamente foi um filme ruim dominou o imaginário popular, como uma mentira que de tanto ser contada se tornou verdade. Bom, para começo de conversa devemos entender que a versão de cada ator para o personagem depende de muitos fatores. A visão do diretor, a qualidade do roteiro e das falas, o figurino e a própria história do filme. Com base nisso tudo o ator tenta criar sua versão do personagem. Alguns deram sorte como Christian Bale e Michael Keaton , outros deram muito azar como.. George Clooney, outros acabam por serem mais divisivos como Ben Affleck (eu gosto) e tem quem nem seja lembrado quando o assunto é as versões do batman no cinema...
Val Kilmer.
O Iceman de Top Gun foi o Batman em meados dos anos 90 em um divertido filme que veio logo após o fantástico Batman: O retorno, esse que por seu tom extremamente sombrio acabou não rendendo muito na venda de brinquedos fazendo com que o estúdio optasse por fazer uma sequência mais leve. O diretor dos dois primeiros filmes, Tim Burton, foi jogado para a produção mas conseguiu convencer seu amigo Joel Schumacher a assumir o posto de diretor. O curioso é que Joel também tinha uma visão mais sombria para o filme, tendo referências nas HQs de Frank Miller ele queria explorar a psique e o trauma que fazem com que Bruce Wayne andasse a noite vestido de morcego, mas como eu disse, o estúdio queria uma versão mais leve da história, e é aqui que eu realmente acho tiro meu chapéu para o diretor. Na minha visão, ele conseguiu. Ao mesmo tempo em que o filme é um grande blockbuster extremamente divertido (embora forçado em algumas partes) ele consegue trabalhar com seriedade na persona de Bruce que está constantemente sonhando com a morte dos pais(minha versão preferida em live action) mesmo quando acordado. Joel Schumacher sabia disso, inclusive já declarou que acha Val Kilmer o melhor Batman do cinema.
É como se Schumacher tivesse conseguido fazer uma parte da história como ele realmente queria e em contrapartida tivesse exagerado em alguns elementos para trazer um equilíbrio entre de tons. Em uma cena você estávamos vendo o atormentado Bruce Wayne sofrendo com memórias reprimidas enquanto em outra cena víamos Jim Carrey e Tommy Lee Jones competindo para ver quem era mais exagerado ( mesmo assim o Charada de Carrey ainda conseguia ser carismático em diversos momentos). Inclusive recentemente a Variety fez um artigo falando sobre o corte original de Joel Schumacher com 40 minutos adicionais em uma edição mais sombria, mostrando que o diretor foi ainda mais fundo em seus objetivos do que vimos no filme originalmente, aproveito para deixar aqui essa SENSACIONAL cena deletada em que Bruce lê o diário de seu pai, descobrindo que mesmo que não insistisse para ir ao cinema na noite em que foram assassinados, eles ainda iriam pois seus pais queriam ver a próxima aventura do Zorro, tirando assim um peso de suas costas, logo em seguida Bruce se depara com um morcego gigante antes de corrigir Alfed, que o chama de " Senhor Bruce", afirmando preferir a alcunha de Batman.
Agora já entrando no mérito da qualidade dessa versão do personagem em si, mesmo não sendo o corte definitivo o filme ainda construiu muito bem o trauma e os conflitos do personagem, colocando o personagem finalmente contra seu principal inimigo... O psicólogo. Mas além disso, diferentemente da versão de Michael Keaton que era meio limitado pelo traje e pelo próprio roteiro, uma vez que tinha cenas de ação bem datadas e se locomovia com muita dificuldade deixando algumas cenas bem estranhas, como quando o batman corre segurando a capa como se fosse um vestido, o cruzado encapuzado de Val Kilmer estava praticamente no auge, apresentando tudo que o personagem sempre teve nos quadrinhos da melhor forma possível. Logo no início do filme Batman já faz uma grande aparição nos céus de Gotham, de uma maneira muito natural ao contrário das cenas um tanto artificiais do filmes do Tim Burton( os quais sou fã), ainda na mesma sequência ele tem um breve diálogo com a Dra Chase Meridian, revelando traços de sua inteligência, realçando o grande intelecto dessa versão do Batman, sendo realmente uma das mentes mais brilhantes do mundo.
Logo após, temos uma grande cena de ação em que o morcego luta com capangas do Duas Caras mostrando diversos golpes acrobáticos, girando um deles com um golpe que remete ao judô, mostrando também como essa versão do herói era um gênio das artes marciais e depois usando um aparelho auditivo para escapar de um cofre cheio de ácido (existe algo mais Batman do que isso?) Em seguida o Batman vai atrás do Duas Caras que foge em seu helicóptero, pendurado em uma corda. O vilão causa uma explosão no meio do caminho que faz com que o batman sumisse e quando ele se vira vê o morcego do outro lado do veículo, mostrando como esse Batman era realmente surpreendente.
Assim sendo, a versão de Kilmer retratou um herói altamente inteligente, mestre em artes marciais, ainda traumatizado pela morte dos pais e com vários gadgets incríveis, porque se tem algo sensacional nas HQs do batman, é o seu arsenal. Essa versão do cavaleiro de Gotham tinha diversos dispositivos criativos para o ajudar na luta contra o crime tornando ele um Batman verdadeiramente preparado, desde seu batmovel que muda as direções das rodas e subia em prédios a lentes para ver no escuro e capa a prova de fogo( aprende Bale) isso sem falar na incrível batcaverna com várias sessões de equipamentos tecnológicos , trajes e um lindo Hall com o batmovel enquanto veículos aéreos e submarinos estavam guardados nos fundos.
Outro ponto a se destacar é belo uniforme original do herói no longa, uma grande atualização do traje de Michael Keaton já que está versão da roupa era muito mais definida uma vez que Joel Schumacher se inspirou na anatomia das esculturas gregas.
O preto fosco dessa armadura junto com o belo amarelo em seu símbolo traziam um ar renovado para o morcego que diferente de outras versões não precisava fazer nada para intimidar os adversários. Os planos abertos do diretor mostrando o herói nunca fizeram o espectador questionar a autenticidade daquele Cavaleiro das Trevas. Outro ponto positivo é o tratamento dado a Bruce Wayne, que diferentemente de algumas outras encarnações está semrpe ligado ao que acontece dentro da Wayne Enterprises enquanto mantém sua imagem de fachada de Playboy, como pode ser visto quando uma secretária avisa que uma blogueira de fofoca ligou querendo saber quem Bruce levaria ao circo e quando Bruce chega ao circo cercado de jornalistas (o mesmo acontece na festa de Nygma).
Porém a cena no circo apresenta em minha opinião a cena mais fraca do personagem no filme, quando ele grita no meio de todo mundo que era o Batman. Certamente uma estrutura de roteiro para mostrar como ele estava disposto a se sacrificar para evitar a morte de inocentes, mas a princípio a cena não teve nenhuma consequência causando apenas um pouco de vergonha alheia e mostrar uma pequena falta de preparo do herói na hora.
Outros elementos importantes a ressaltar nessa versão do personagem é suas interações um tanto mais presentes com o Comissário Gordon e com Alfred que passa a ter mais diálogos nesse filme do que nos de Tim Burton, enquanto o comissário mal tinha uma interação com o morcego.
Vale falar também como esse foi o único Batman que teve um Robin( que de fato prestasse) a interação dos dois enquanto Bruce recusa treinar Dick é muito boa e mostra mais da personalidade do combatente do crime, que espera que Grayson não acabasse se tornando comum ele.
Apresentado todos esses elementos posso dizer que Batman Eternamente é o clássico filme do personagem mais voltado para a fantasia, uma visão um tanto quanto mais carregada desse universo que apresenta uma Gotham um pouco mais iluminada, sem perder a arquitetura gótica é claro.
O filme é assim como seu personagem título uma forma de vida dividida entre dois tons que se complementam, uma cidade colorida mas gótica, vilões exagerados mas inteligentes, uma trama sombria mas disfarçada de filme de família.
Ou não vamos dizer o quanto o triângulo amoroso entre Batman, Bruce e Chase é algo problemático a nível mental pois diferente dos filmes do Superman de Richard Donner e Homem Aranha de Sam Raimi em que a garota a princípio se sentia atraída apenas pelo herói, aqui acontece uma interessante divisão na cabeça de Chase que começa a gostar das duas personalidades do bilionário. O que a leva a no final, escolher Bruce, resultando na icônica cena do sorriso do batman.
Ao descobrir que Chase prefere ficar com Bruce do que Batman, o personagem título diz que entende e sai com um super sorriso de orelha a orelha, certamente naquele que seria o dia mais feliz de sua vida, afinal sua amada não queria ficar com ele pelo mistério e pela adrenalina de sua vida noturna, mas simplesmente por quem ele era. O sorriso apenas mostra um ponto que é muito importante para qualquer versão do batman, o senso de humor.
Você pode estar se perguntando o que diabos o Batman tem haver com senso de humor, e eu lhe digo, nunca confie em uma versão do personagem que não tenha o mínimo possível de sarcasmo. O herói em todas as suas melhores versões apresenta algum tipo de senso de humor sombrio, seja ele mais implícito ou explícito. Na versão de Bruce Tim e Paul Dino o herói contava com várias linhas de diálogo interessante sobre isso sendo a mais memorável na animação da Liga, quando pede ajuda por não saber voar. Outro que era muito bom nisso era a versão de Christian Bale que vendo o Coringa dizer para Rachel "... Gostei de você, você é abusadinha" entra com a brilhante "Então você vai me adorar". Outra versões cinematografias como a de Michael Keaton e Ben Affleck apresentavam minimamente esse tom de sarcasmo nas falas (me recordo de cabeça da cena em que o Batmovel é hackeado em Batman:O retorno e Keaton diz achar engraçado o fato de o carro não responder seus comandos ao tentar de novo e mesmo assim não ver resultados ele diz " Agora estou preocupado" já Affleck apresenta falas como a infame "Pensei que estivesse com você" ao responder Superman quando questionado sobre a Mulher Maravilha e o sensacional diálogo com Diana em que diz que 9 a cada 10 homens deixariam a moça fazer o que quisesse com eles ,ao ser questionado se seria o 10° homem Affleck responde com a antológica "Eu seria o primeiro").
O filme estrelado por Val Kilmer apenas potencializa esse humor sem perder o ponto é claro, momentos como quando Batman responde Alfred dizendo que vai passar no Drive-thru e fala um expressivo "Mulheres" para mostrar o descontentamento com Chase são hilários sem cair na vergonha alheia que Joel Schumacher e Joss Whedon nos proporcionaram em Batman&Robin e Liga da Justiça respectivamente.
Se existisse alguma história como Guerras Secretas em que os heróis se reunissem e fossem forçados a duelar, a versão de Kilmer certamente seria a vencedora. Mais inteligente do qualquer outra versão o único que poderia representar uma ameaça em alguma área seria Ben Affleck em uma luta, mas Val Kilmer teria gadgets de sobra para vencer o morcago idealizado por Zack Snyder. Sendo um Batman totalmente fiel aos quadrinhos clássicos, juntado os mais renomados elementos da história do personagem sendo o Maior detetive do mundo, mestre em artes marciais, tendo problemas com a morte dos pais, contando com um arsenal e dar respeito, um lindo traje e bons personagens de apoio, porque a versão de Kilmer é tão desvalorizada? A resposta é simples, "Batman&Robin", o filme estrelado por George Clooney foi tão ruim, mas tão ruim que me faz realmente pensar que o maior feito de Val Kilmer como Batman foi escapar desse filme além de fazer com que as pessoas preferissem esquecer tudo que envolvia os nomes Joel Schumacher e Batman na mesma frase, mesmo que para isso o ótimo Batman Eternamente fosse esquecido.O filme acabou pagando o preço por seu irmão mais velho e acabou envelhecendo de forma negativa para o grande público que acaba colocando os dois filmes erroneamente na mesma barca. Convido todos vocês que estão lendo a reassistir o filme com outros olhos e com um olhar novo, mais neutro em relação ao longa. Observe como a história do herói é bem contada e como o exagero da dupla de vilões é proposital para que o tom do filme fosse mais equilibrado, observe o céu vermelho de Gotham durante o pôr do sol e pense na história como um episódio estendido da série animada mas com um pouco mais de energia em alguns momentos. No mais, obrigado por tudo Joel e descanse em paz.
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