Há mais de sessenta anos, mais precisamente em 1954, foi criado o Comics Code Authority que era o selo de censura para as HQs, basicamente as de terror e super-heróis, criado pelos próprios editores alegando que seus conteúdos precisavam ser supervisionados antes de irem para venda nas bancas a fim de não transmitirem imagens sugestivas ou violentas, seria como você assistir um filme no cinema com censura para maiores e depois na TV aberta, após ele passar pelos censores da emissora que mutilam algumas sequências por julgarem que o conteúdo das cenas é impróprio ou pode passar uma mensagem de erotismo, perversão sexual ou violência desnecessária, fica claro que alguma coisa sumiu no meio da história, ou como dizíamos: “Pularam aquela cena tal em que o cara fazia aquilo”, no caso das HQs só se via o que era julgado permitido ou apropriado. Hoje em dia temos uma visão mais livre e aberta para assuntos que, naqueles tempos, eram considerados subversivos e ameaçadores para as mentes das crianças.
Isso tudo começou com a publicação de um livro chamado A Sedução dos Inocentes do psiquiatra alemão Fredric Wertham aonde ele alegava que as histórias em quadrinhos transmitiam mensagens que levavam a distúrbios no comportamento das crianças ao ponto de torná-las delinquentes. Em uma sociedade conservadora e moralista como a americana da década de 50, o efeito foi rápido e levou os pais a questionarem a verdadeira natureza das histórias de heróis como Batman e Robin e a eterna acusação de uma possível relação homossexual entre eles ou que a Mulher Maravilha era o estereotipo da mulher “fora dos padrões femininos naturais”, manchando a imagem de mocinha que as personagens femininas possuíam nas HQs, até então as coadjuvantes que existiam para serem salvas pelos heróis, a exemplo de Lois Lane, a eterna amada do Superman sempre em perigo.
Fredric tomou por base as publicações da EC Comics para dar fundamentos
a suas tresloucadas teorias. Fundada por Max Gaines, a Educational Comics era
voltada para a publicação de histórias ilustradas da bíblia para crianças, após
o seu falecimento em 1947 a empresa foi herdada por seu filho, Bill. Então a Educational
Comics passou para Entertaining Comics, mudando sua linha editorial para as
publicações de ficção científica, suspense, sátiras e terror tornando famosas
as consagradas Weird Science, Weird Fantasy, Frontline Combat, The Vault of
Horror e a até hoje mais cultuada Tales From The Crypt. Grandes nomes
trabalharam nessas publicações como Will Elder, George Evans, Frank Frazetta, Joe Orlando, John
Severin e Wally Wood
tendo Al Feldstein e Harvey Kurtzman como editores. O sucesso foi grande, porém
a opinião pública sobre os conteúdos considerados nocivos e inapropriados para
crianças atraiu a atenção de Fredric Wertham, cujos artigos sobre o assunto
inflamaram tanto a situação que levou a criação do Association of Comics
Magazine Publishers para regularizar o conteúdo das publicações, a Entertaining
Comics fez parte até se desligar em 1951. Em 1952 criaram a satírica MAD.
Dois anos depois, Wertham publicou seu livro A Sedução dos Inocentes,
seus efeitos chegaram até o Congresso Americano e toda uma regulamentação foi
criada para as HQS baseado nos supostos efeitos de delinquência juvenil e
rebeldia que elas causavam, então a situação realmente se complicou para o lado
das publicações da EC Comics. Bill Gaines convocou os demais editores de outras
empresas para se unirem em um meio de evitarem o problema que a situação estava
gerando, da sua união surgiu a Comics Magazine Association of America e o Comics
Code Authority foi criado, o selo de autocensura para as publicações de quadrinhos
poderem circular com mais liberdade e evitar toda a negatividade que a situação
estava causando, porém isso não impediu que a EC Comics mudasse sua linha
editorial e cancelasse vários de seus títulos, passando-os para os moldes
aceitos pelo código, o que não foi suficiente para salvar a editora fechando
definitivamente em 1955, de tudo isso somente a MAD sobreviveu, Kurtzman mudou
o formato da revista para o molde magazine usado em revistas adultas como TIME
e VEJA, deixando de ser considerada HQ e saindo da regulamentação. Curioso
pensar que se bastava mudar o formato, porque não teriam feito isso antes?
Creio que a resposta era a perda do seu público alvo, os jovens e as crianças.
Os efeitos desse tipo de censura foram sentidos nessa época até mesmo no
Brasil quando as publicações de super-heróis estavam começando a ganhar mais
notoriedade e popularidade, por algum tempo algumas revistas circularam com um
aviso de “Aprovado pelo Código de Ética”. Com o passar dos anos e vendo que as
absurdas alegações de Wertham perderam força, as editoras começaram a abandonar
esse código, a Marvel foi uma das primeiras a se libertar dessa censura,
seguida pela Bongo, DC e Archie Comics, com isso em 2011 o código acabou
definitivamente. A liberdade de expressão é um direito no meio artístico que
ganhou forças com o passar dos anos, muitos argumentos moralistas foram
perdendo espaço devido a falta de fundamentos para se basearem e os quadrinhos
se beneficiaram disso, uma associação foi criada para defender a liberdade de
expressão nas HQs: A Comic Book Legal Defense Fund. A moral de tudo isso é de
que Wertham se aproveitou de uma onda decadente e moralista americana, de
preconceitos de grupos reacionários sobre as publicações da EC Comics para lançar sua bomba e ganhar
notoriedade para o seu próprio trabalho, porém com o tempo não conseguiu
sustentar seus argumentos, chegando a ser acusado de criar ou aumentar provas
para justificar sua perseguição.
Desde o final dos anos 70 para os anos 80, com todas as mudanças no mundo pop com as músicas, filmes e quadrinhos, não se pode mais considerar que os leitores de HQ são inocentes ou que tiveram seu comportamento deturpado pelo conteúdo publicado. E ficamos felizes que essa visão retrógrada perdeu forças com o tempo, do contrário nunca teria chegado a nossas mãos obras como O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, Demolidor de Frank Miller, American Flagg, Fritz The Cat, Maus, Dreadstar e Camelot 3000, porque nunca antes temas como vício em drogas, mortes terríveis, homossexualismo, lesbianismo, corrupção e realidades apocalípticas foram retratados de maneira tão clara.
Desde o final dos anos 70 para os anos 80, com todas as mudanças no mundo pop com as músicas, filmes e quadrinhos, não se pode mais considerar que os leitores de HQ são inocentes ou que tiveram seu comportamento deturpado pelo conteúdo publicado. E ficamos felizes que essa visão retrógrada perdeu forças com o tempo, do contrário nunca teria chegado a nossas mãos obras como O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, Demolidor de Frank Miller, American Flagg, Fritz The Cat, Maus, Dreadstar e Camelot 3000, porque nunca antes temas como vício em drogas, mortes terríveis, homossexualismo, lesbianismo, corrupção e realidades apocalípticas foram retratados de maneira tão clara.
Porém a Marvel estava um passo adiante nesse pioneirismo com as
marcantes histórias do Homem-Aranha que falaram do tráfico e o do vício das
drogas na faculdade aonde Peter estudava em 1972, segundo Stan Lee foi um meio
de se fazer uma campanha para alertar os jovens sobre os riscos do uso de
drogas que estava ficando comum e preocupando até o governo, irônico, não? A DC
também abordou o problema do uso de drogas durante uma saga do Arqueiro Verde
onde Ricardito atravessou problemas que o levaram a ficar viciado e é lembrada
até hoje, assim como o estupro em Watchmen, Batman viciado na saga Veneno e o
amor lésbico de Tristão e Isolda em Camelot 3000, é importante que esses
assuntos sejam abordados nas publicações para nunca deixar de transmitir a
mensagem que são situações reais, perigosas e que nunca trazem resultados
positivos, é melhor que isso seja tratado de maneira aberta e didática do que
ignorada debaixo de um falso moralismo que não se sustenta diante dos tempos em
que vivemos.
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