Fui leitor de quadrinhos de super-heróis por cerca de 25 anos; de 1978 a 2002, 2003. Assíduo e contumaz até meados da década de 1990. A partir daí, cada vez mais relapso e rarefeito, até o abandono definitivo.
A minha deserção das HQs, acredito, tenha se dado por dois fatores. O avançar da idade, o primeiro; eu, na época, já a bater na casa dos quarenta, a chamada meia idade. A velhice não nos rouba apenas a cor dos cabelos, o viço da pele, a flexibilidade das articulações e as três ereções diárias. Rouba-nos o deslumbramento com as coisas, a nossa capacidade para o espanto; a paixão, enfim.
Portanto,
minha saída das HQs só teria sido mesmo uma questão de tempo. Elas já
não me encantavam tanto assim; culpa minha, nesse caso. Mas ela poderia
ter sido protelada, eu poderia ter me mantido como leitor eventual por
mais cinco, dez anos, talvez; continuando a ler, se me espantar, mais do
mesmo que tanto me impactara no passado. Poderia ter seguido mais um
tanto no universo das maravilhas se não fosse pela ocorrência e
conjunção do segundo fator.
Não
era apenas eu a envelhecer. A envelhecer, aposentar-se, ou morrer,
estava também toda a geração de autores de quadrinhos (argumentistas,
desenhistas, arte-finalistas etc) que tanto fascínio havia exercido
sobre mim e que começava a ser substituída por uma nova leva de
quadrinistas. Concomitante à minha transição para a meia-idade, deu-se
também a transição entre a geração clássica das décadas de 1960, 70 e
80, que definiu o que as HQs são hoje, para uma geração de novatos
imberbes da década de 1990. Uma geração cheirando ainda a leite azedo e a
fralda suja, com uma linguagem de quadrinhos - tanto nos roteiros
quanto nos desenhos - mais fraca, muito mais fraca que a sua
predecessora - na minha visão, quero deixar claro. Argumentos sem
profundidade nem dramaticidade, "sagas" forçadas e mal costuradas,
desenhos espetaculosos - muitos já coloridos por computador, um horror
-, que bem serviriam a cartazes publicitários de sabão em pó, pasta de
dente e cereais matinais postos às portas dos supermercados; não para os
quadrinhos; não para o conceito que eu tinha do que deveria ser um
quadrinho de heróis.
Juntando
os dois fatores, o meu envelhecimento, a minha cada vez menor
capacidade para o espanto, mais o sumiço da geração de autores que tanto
me espantara, o resultado não poderia ter sido outro, que não a minha
deserção dos quadrinhos. Aceitar a troca de nomes como Jack Kirby, Jim
Steranko, John Buscema, Sal Buscema, Steve Englehart, Roger Stern, Jim
Starlin, doug Moench, Paul Gulacy, Roy Thomas, Neil Adams, Denis O'Neil,
John Romita, Chris Claremont, John Byrne, Marshal Rogers, Barry
Windsor-Smith, Frank Robbins, Carmine Infantino, Gene Colan, Herb
Trimpe, Don Heck, Gene Day, Howard Chaykin, Al Migron etc por nomes
feito Todd McFarlane, Rob Liefeld, Jim Lee, Marc Silvestri e Erik
Larsen? Quem eram esses porras? Foi mais do que pude aguentar. E
debandei de vez.
Minha
última aquisição foi o decepcionante Cavaleiro das Trevas 2, o que só
fez mais corroborar a minha decisão de parar com as HQs; se nem mais o
Frank Miller produzia algo que prestasse.... Minha última aquisição, o
Cavaleiro das Trevas 2, foi também, se não me engano, a última
publicação de super-heróis da Editora Abril, que dominara o mercado nas
décadas de 1970, 80 e 90. Nasci para os quadrinhos através da Editora
Abril e morri para eles com a último suspiro dela. Dois cisnes velhos a
entoar seus derradeiros cantos. O encerramento poético de um saudoso
ciclo.
E
permaneci por cerca de 15 anos sem nada saber das HQs de super-heróis,
sem nenhuma notícia do mundo das maravilhas. Até que, acho que há dois
anos, voltei a ter frugal e comedido contato com eles através de um
blog, o Ozymandias Realista.
O Maestro do blog, o visionário Ozy, cometeu a imprudência de me tornar
um colaborador, um escritor convidado, deu-me toda a liberdade de
publicar por lá as mesmas sandices e os mesmos absurdos que publico no
Marreta. Ouso mesmo dizer que uma respeitosa amizade se estabeleceu
entre nós.
Sempre
que publico alguma coisa no Ozymandias, aproveito para saber dos
últimos lançamentos em quadrinhos - o blog trata essencialmente de
quadrinhos e cinema. Além disso, o Ozy, talvez tentando me reconverter
às HQs, volta e meia me envia PDFs de suas histórias preferidas. Li uma
muito boa do Nick Fury escrita pelo Garth Ennis; e uma excelente, uma do
caralho, do Wolverine, o Velho Logan, de Mark Millar (roteiro) e Steven McNiven (arte); não conhecia nenhum dos dois e o trabalho deles impressionou-me.
O
que veio me mostrar que a "nova geração", iniciada na década de 1990,
pelo visto ganhou corpo e consistência, adquiriu "sustância". Se não a
geração inteira nem a sua maioria, ao menos alguns de seus
representantes. O que veio me mostrar que eu posso ter, sim, perdido e
deixado de ler muita coisa boa neste meu período de total abstinência.
Paciência. Bobagem chorar sobre o tempo derramado.
Por
outro lado, também tomei contato e ciência de muita porcaria, de muitas
aberrações advindas da falta de talento e criatividade que só fazem
justificar o meu abandono dos quadrinhos. Coisas como o Demolidor de
Ferro, o Motoqueiro Fantasma Cósmico, um Homem Aranha místico com
poderes do Doutor Estranho, um Capitão América com poderes do Surfista
Prateado, um Thor mulher etc etc.
E
os meus preferidos : os Hulks multicoloridos, os Hulks caixa de lápis
de cor Faber-Castell. Há, hoje em dia, Hulks de todas as cores do
arco-íris. Hulks LGBT. United Hulks of Beneton. Fiquei sabendo
que durante a minha ausência o Hulk foi de mal a pior, surgiram os Hulks
vermelho, laranja, amarelo, azul, roxo e negro.
Até
então, até onde fui com os quadrinhos, eu só sabia de duas cores do
Hulk, e do mesmo Hulk, do mesmo Bruce Banner, o cinza e o verde. O cinza
foi a cor concebida originalmente por Stan Lee e Jack Kirby para o
Verdão. Porém, por problemas de ordem puramente técnica, por limitações
da tecnologia gráfica da época, o cinza do Hulk não saiu uniformemente
em todas as páginas da primeira edição do personagem, assumindo tons de
verde em algumas delas. Os leitores gostaram mais do verde e Stan Lee
juntou o útil ao agradável : sacramentou a cor verde para o Hulk.
Na
década de 1990 (vejam que a coisa já estava a decair), o Hulk voltou a
ser cinza pelas mãos de Peter David em um arco limitado de histórias do
personagem. Não era o Hulk cinza original de Stan Lee, sim a
manifestação de uma personalidade oculta e reprimida de Bruce Banner,
segundo o roteirista. Chamava a si próprio de Sr. Tira-teima, vestia
chapéu e ternos de risca de giz, bebia e passava o rodo geral na
mulherada e trabalhava como leão de chácara para a máfia do jogo de Las
Vegas. Por sorte, foi um arco de histórias bem breve.
Vamos ao pouco que me dispus a descobrir sobre as novas cores do Hulk.
1)
Hulk Vermelho. A bem da verdade, não posso dizer que não sabia de sua
existência. Havia o visto uma vez. Em uma loja de brinquedos em que
entrei com meu filho. Na época, jamais pude supor que aquele boneco do
Hulk Comunista fosse uma nova versão do personagem. Julguei que fosse
uma falsificação paraguaia ou chinesa, tipo de maracutaia muito comum
com esse tipo de brinquedo. O "fabricante" muda a cor do boneco, muda um
detalhezinho qualquer para não pagar royalties. Enganei-me. O
Hulk Vermelho é o General Ross, o primeiro e o mais obstinado inimigo do
Golias Esmeralda. Cansado de levar tunda do Hulk e ainda ter que
aguentar o alter ego do Verdão, Bruce Banner, passando a vara em sua
filha Betty Ross (General Ross foi sogro de Bruce Banner), ele se
submeteu a um experimento de irradiação gama conduzido pelo Dr. Leonard
Sansom, um psiquiatra com longas melenas verdes também dotado de poderes
gama. E virou o Hulk Vermelho. Cujo poder, diferente do Hulk Verde, não
é ficar mais forte quanto mais nervoso fica, mas sim mais forte quanto
mais radiação gama absorve, podendo absorver a radiação gama do Hulk
durante um combate.
2) Hulk Laranja. Não nasceu nos quadrinhos.
Surgiu como um jogo para videogame e, dada à grande entressafra de criatividade dos roteiristas de HQs, foi incorporado pelos quadrinhos. Ele não é Bruce Banner nem a manifestação de alguma personalidade oculta dele. Ele nem é desta realidade. Ele é de uma linha temporal alternativa, criado pela Legião Negra, seja isso o que for. Sua força também tem origem numa radiação; porém, não os raios gama. O Hulk Laranja (não sei como ainda não ofereceram um cargo pra esse cara em Brasília) é abastecido pelos raios solares. Ou seja, à noite ele toma um pau do Batman.
Surgiu como um jogo para videogame e, dada à grande entressafra de criatividade dos roteiristas de HQs, foi incorporado pelos quadrinhos. Ele não é Bruce Banner nem a manifestação de alguma personalidade oculta dele. Ele nem é desta realidade. Ele é de uma linha temporal alternativa, criado pela Legião Negra, seja isso o que for. Sua força também tem origem numa radiação; porém, não os raios gama. O Hulk Laranja (não sei como ainda não ofereceram um cargo pra esse cara em Brasília) é abastecido pelos raios solares. Ou seja, à noite ele toma um pau do Batman.
3)
Hulk Amarelo. Outra das várias personalidades que coabitam a mente
esquizofrênica de Bruce Banner, o Hulk Amarelo personifica o ódio que
Banner nutre pelo Hulk verde.
4)
Hulk Azul. O Hulk Azul é Bruce Banner. Outra manifestação de
personalidade reprimida? Desta vez, não. Aliás, o Hulk Azul é apenas
meio Bruce Banner, uma vez que resultante da fusão espiritual e cósmica
entre o Hulk e o Capitão Universo, que não possui forma física e, por
isso, precisa se fundir a alguém através da Uniforça para manifestar-se
em nosso mundo. Assim, o espírito do Capitão Universo possuiu o Hulk,
fazendo surgir o Hulk Azul. Só não me perguntem como foi que o Capitão
Universo possuiu o Hulk, só não me perguntem detalhes desta "fusão",
deste acoplamento, deste engate.
5)
Hulk Negro. E eu que achava que o Hulk fosse macho das antigas, que
fosse espada. De novo possuído e violado, Bruce Banner virou o Hulk
Negro. Desta vez, possuído por Shanzar, o Feiticeiro Supremo da Dimensão
Negra, o Hulk Negro adicionou poderes mágicos e místicos à superforça
do Verdão.
6)
Hulk Roxo. Esse é o mais complicado. Pelo que entendi, o Hulk Roxo é o
Hulk Negro, que, numa adaptação para uma animação da TV, foi possuído
(de novo) pela criatura conhecida como O Híbrido. Ou seja, o Hulk Roxo é
o Bruce Banner possuído primeiro por Shanzar e, depois, pelo Híbrido,
sem que Shanzar tenha antes desocupado a moita. O Hulk Roxo é o
resultado de um duplo possuimento, uma dupla penetração sofrida por
Bruce Banner, o Hulk Verde.
Pãããããããta que o pariu!!!!
Pelo blog do Ozy, fiquei também sabendo das tais Fanfics.
Que, como o nome em inglês sugere, são narrativas ficcionais escritas
por fãs dos personagens. Roteiro feitos pelos leitores por diversão e
diletantismo. Gostei da ideia. Achei um bom exercício de imaginação e
escrita. Tanto que me arriscarei agora em propor uma fanfic. Não
um roteiro inteiro, completo e acabado. Lançarei tão-somente a origem de
um novo Hulk, apenas o mote da gênese de uma nova cor no coloridíssimo
panteão dos Hulks.
7)
Hulk Rosa. Ou fúcsia, como tenho certeza que o próprio preferiria. O
Hulk Rosa não é Bruce Banner. Não é uma manifestação de mais alguma
personalidade recôndita. Nem é um Hulk de uma linha de tempo
alternativa. Nem é o Hulk verde sendo possuído pelo espírito do Clodovil
ou do Clóvis Bornay. o Hulk Rosa é Jean-Paul
Beaubier, o Estrela Polar, integrante da Tropa Alfa e o primeiro
personagem da Marvel a se assumir como boiola, o primeiro gay
"superpoderosa" dos quadrinhos. E como o Estrela Polar se transformou no
Hulk Rosa, como ganhou seus poderes gama? Simples. Via enrabamento. O
Estrela Polar escorregou gostoso no quiabo do Abominável, que, na hora
do êxtase, irradiou as pregas dele com sêmen gama. Um enema gama!!! Daí
em diante, sempre que o Estrela Polar pensa em rola, ou vê a foto de uma
senhora benga, ele se transforma no Hulk Rosa! Pãããããta que o pariu!!!!
Finalizando
o assunto desta postagem, a minha deserção das HQs de super-heróis,
penso que, no frigir dos ovos, sopesando ao que de bom eu posso ter me
furtado e ao que de absurdo eu posso ter me poupado, acho que ainda
estou no lucro.
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