(ou de como inexiste política ideológica no Brasil).
A direita brasileira é, já tem algumas décadas, uma massa amorfa e totalmente desordenada. As razões disto são várias, podendo variar da própria ineficiência da maior parte dos intelectuais de direita em obstarem uma resistência à hegemonia da intelectualidade esquerdista, que compõe o imaginário político nas últimas décadas, passando, até mesmo, pela ausência de uma denominação política substanciada que represente e integre, de maneira legítima e coerente, as ideias relacionadas ao pensamento direitista no geral. O ponto que aqui quero colocar, contudo, não é sobre isto, portanto não irei me aprofundar.
Não obstante, embora não seja este o ponto em si, o argumento que quero expor aqui é depreendido, consequentemente, do cenário deste conflito. Tal cenário não mudou muito nos últimos anos, apesar do que se pode pensar. A eleição do atual presidente e a formação de toda uma base de asseclas que o cerca representa, embora muitos pensem o contrário, uma oportunidade perdida da direita brasileira de finalmente conquistar um espaço significante e se estabelecer, de maneira séria, no debate ideológico da política brasileira. Não se trata, portanto, da vitória da direita, mas da sua derrota. Neste sentido, o atual presidente presta mais serviço à esquerda do que à direita.
O cenário que presenciamos, portanto, é composto por uma política demagógica que, utilizando-se de uma retórica difusa e fluída, produz uma verdadeira dissonância cognitiva, descoordenando discurso e ação. Esta retórica se agarra à porca herança personalista do Brasil e pauta um imaginário populista no qual o mundo é interpretado a partir da dicotomia do nós e eles. Nesta justaposição, a figura do herói nacional - figura arquetípica de um romantismo mequetrefe da pior espécie - é exaltada em uma ilusão que erige uma histeria obtusa na qual a sociedade brasileira se torna um objeto de experiência, a ser tratada segundo os interesses escusos de quem a governa. Com tudo isto, o debate público pleno é substituído por uma maquinaria propagandística que opera sob a égide dos mecanismos mantenedores do status quo.
Isso não é novidade. O mesmo, com outras roupagens e em função de outros acontecimentos, aconteceu com a esquerda brasileira, posto que - em função da transformação da (in?)consciência política de esquerda em uma estrutura de pensamento homogeneizante, operacionalizada a partir da ação de um grupo político em específico - as contradições internas inerentes ao seu núcleo teriam sido imobilizadas de maneira absoluta, jogando às traças o jogo político em função de uma mesma roda da fortuna que se perpetua na política brasileira, em especial desde a figura ultrajante de Getúlio Vargas. A inflexão idólatra que o governo atual tomou, neste sentido, não é surpreendente, pois apenas dá continuidade à um processo histórico do qual o Brasil parece não conseguir se desgarrar.
Para a direita brasileira é uma pena, posto que os sucessivos desmandos e crimes cometidos pelos governos da esquerda brasileira abriram espaço para que um pensamento de direita finalmente retornasse ao debate público de maneira substanciada. Isto, infelizmente, não aconteceu e, arrisco dizer, tão cedo acontecerá, posto que o culto personalístico ao redor do atual presidente intoxica e torna obtusa quaisquer dissidências. Meu maior medo, pra encerrar, é que tal cenário se acentue, de tal forma, a ponto de que, assim como aconteceu com a esquerda e o PT, a direita brasileira se torne refém do bolsonarismo - apesar de muitas pessoas já terem demarcado posição crítica ao governo - e nunca consiga sedimentar bases ideológicas bem definidas, a fim de aprofundar e aperfeiçoar o jogo político brasileiro e, consequentemente, de se tornar uma força política bem estruturada no Brasil. Mais uma vez: o estamento burocrático se regozija!
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